ASSIM SIM SENÃO NÃO
1
As flores de papel celofane enfeitam a sala.
Um jarro de porcelana. Uma toalha de linho branco.
Um cruci fixo na parede. A janela aberta.
Entra uma luz transparente e o som de um instrumento
melancolicamente alegre.
Eu sou uma estátua, contemplável.
E a vida é monótona e essas flores não murcham.
2
Vejo
que você
me olha
sem
que você
perceba
(eu sei
não tem nada
a ver)
psiu
olhe pra mim
e me veja
olhando
pra você
(tá vendo?)
3
Muitos são os dias num instante de saudade.
Solidão: penso às escuras.
Mas está tão claro, meu amor...
Acho raro dizer isso assim
num tom simples
e natural.
4
falo de mim coisas assim
um rio que tenho sem saber
um mar que ofereço sem ter
5
Minha mãe tempera a salada.
Rodelas de tomate folhas de alface
o vinagre o azeite o sal.
É assim que seu pai gosta, ela me diz.
O amor satisfaz o gosto.
Meu pai chega do trabalho toma banho janta
anda de um lado pra outro depois vai dormir.
Minha mãe ainda fica na cozinha.
Ensaboando enxaguando enxugando...
Tão esquecida de prazeres.
Tão concentrada em afazeres.
6
Sonhou comigo.
A paisagem um quadro sem moldura.
No sonho havia um rio tão grande
atravessando meu destino. E eu era feliz.
A correnteza, as águas desatinadas
inundando minha vida. E eu era feliz.
Pedia auxílio, em vão. As águas revoltadas,
as águas violentas. E exaustas.
Apenas um silêncio. Tudo calmo.
Ela acordou. Eu dormia.
7
Como as rainhas são lúcidas,
o que elas querem é sugar meu néctar,
desfrutar um sabor, um aroma,
uma dádiva sublime para sustentar o sonho.
E vão tecer novas tramas,
vão provar o quanto é doce
o açúcar de minha carência.
8
Com obstinação cristã,
como quem deseja um reino eterno,
assim eu te procuro e te encontro.
Estás onde vou e vais me seguir
pelo resto de minha vida.
Meu caminho, minha verdade,
minha sombra e meus passos.
O que vem de mim é o que me dás
e o que te dou faz brilhar o teu sorriso,
acende uma luz, aquece o teu corpo.
9
Abismo intransponível
entre nós
força invisível
voz inaudível
impossível sonho:
você
e
eu
a sós
10
todo dia um eterno repetir-se:
despir-se da roupa
vestir-se de nua
e deixa correr o mel da lua
11
A noite caiu
e eu estou
que nem posso
me levantar
Mas baixo astral não
leve como quê
pode-se dizer
pluma
12
Não sei o que dizer agora
Depois eu digo depois eu ligo
Eu sei o número
Fique tranquila
Tudo bem comigo
Alô alô
Caiu a ligação
13
Não sei o que dizer diante do novo.
A expressão impressa em meu silêncio
se resolve dissolvendo-se em puro espanto.
E calado, procuro definir com os olhos
a quase totalidade de minha incompreensão,
a extremidade do que se faz novamente,
refazendo outras maneiras de ver,
formas de criar e sentir,
até que eu assuma a exatidão de tudo
que em mim existe
e insiste a deslumbrar com seu inventivo encanto.
14
Tudo voltará a ser pó. Eis a revelação.
O sopro que nos deu a vida
é de pura fragância, aroma de flores
que já murcharam dentro de mim.
Porque viu que eu era triste e só
me veio a revelação: tudo voltará a ser pó.
A terra de meu corpo, agora sei,
é uma terra inóspita, infértil,
tão estéril quanto a palavra solidão.
Meu corpo se aguça. Minha vontade é sublime.
Quero ser pó.
15
Não venha falar do poder divino.
À luz de nossos desejos, tudo é sombra,
tudo é fundo e escuro, tudo é fraqueza.
Ninguém sabe. Eu sei. Eu sou.
Sou de carne e osso, e sustento.
Sou fraco, minha fraqueza é minha fúria.
Minha fraqueza é conhecer o prazer,
desfrutar as alucinações, viagens delirantes,
gritos sufocados, angústia de buscar o momento
para ser muito feliz.
A fraqueza é a força de quem busca.
Ninguém sabe. Eu sei.
16
A sensação é profundamente abismal.
Sinto-me além de minha atmosfera,
numa órbita de alucinantes estranhezas,
quando sei não ser o que era e nem sabia
antes do que seria, acaso estar, ocaso sou,
só, dentro da redoma impenetrável, sem ar.
Sufocado, angustia-me tanta angústia.
O silêncio é tormenta atormentando no vazio
ecoando a solidão solitária.
É corpo quando não é - é e não é corpo.
Quase morto, considero-me muito pleno,
num plano de levitação, eu comigo - levemente.
17
Eles dirão que eu
como poeta sou extremamente sombrio
Minha poesia um raio de sol
para mim e para todos vocês
18
O cheiro da essência, a atração, um convite
e a revoada de pássaros mais íntimos,
pássaros assustados dentro do peito.
Queria conhecer o fundo de teu abismo,
descer, descer, infinitas descidas.
Sempre uma luz, sempre uma sombra,
e voltar a subir, subir, infinitas subidas.
E lá no fundo e no alto sussurrar um segredo,
falar em silêncios ou gritar, não sei, talvez...
Sei que estás plantada
e tuas raízes emaranhadas que me prendem
vivem presas ao meu destino.
Só tenho sossego quando os pássaros pousam.
19
O que é poesia? Não sei!
O enigma indecifrável das palavras,
a fagulha, o fogaréu, fumaça e cinzas.
A poesia quer o impossível,
qualquer coisa que esteja além
daquilo que é invisível.
Assim, respirar a sensção do vôo,
alcançar o reino do que é breve
e ser leve, leve, leve.
20
E foi falando falando falando
e falou tanto e falava falava
que por fim eu disse:
pára de falar
e ele parou.
Aí então eu continuei
e falei muito falei tudo falei
e fui falando falando falando.
21
Muitas vezes escrevi teu nome
em papéis molhados de lágrimas.
Chorei, choro, hei de chorar,
sempre que lembrar o passado:
palavras que são punhais,
lembranças que são estrelas,
constelações que se multiplicam
no céu de minha angústia,
pontos distantes, pérolas, pedras brilhantes.
Muitas vezes solucei teu nome
e em sonhos te contemplei nua,
adorei teu corpo, enfezado.
Muitas vezes subi pelas paredes,
ansiei tua presença,
me contorci em desejos, sozinho.
Chorei, choro, hei de chorar,
sempre que lembrar nossos encontros:
abraços que são naufrágios,
beijos que são dilúvios,
águas destinadas, águas infiéis,
águas violentas de um rio sem margens.
22
amo-te tanto
que de titã
fiquei tantã
23
máquinas máquinas máquinas
que graxa tem um poemassim
24
O MÁGICO DE OS
WALD
No início
que grande começo
que começão
25
TIRADENTES
Joaquim
martirizou-se
se sentiu traído
por ter extraído
sem anestesia
o siso
de J. Silvério
estes poemas foram escritos em 1986
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