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Contos-->Uma carta a Valquíria -- 04/01/2002 - 12:35 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quebro o silêncio desse céu cinzento, de onde me ridicularizam felizes casais de pássaros. Faço sair de mim essa tormenta insuportável; esperneio feito um menino mal-educado cujo desejo foi inapelavelmente negado e não pôde ir brincar com os amigos na rua. Quem sabe de onde estás me ouças, vindo me encontrar naquele banco da praça onde o primeiro beijo aconteceu.

Lembro-me, Valquíria, que estavas radiante naquele dia, possuída pelo maior dos desejos, em cujo embalo me mantinhas assistido, e iludido de que seríamos os mais felizes dos mortais. Alimentava a impressão de que o mundo girava em nosso redor, todos os seres e objetos existiam em nossa razão, e todos os moradores da terra formavam uma imensa nuvem de testemunhas, perplexas diante de nossa felicidade. E tu não quebraste o encanto daquela hora. Alimentaste-o sobremodo quando disseste: "sim!"

Que prudência infantil aquela! Como pude me deixar levar por ilusões tão perceptíveis? Mais quê! Não tendo fantasia falta à vida o caráter lúdico que a torna tão excitante e compensatória. Não iria abrir mão do maior dos sonhos, da mais amorável expectativa pela covardia de sua não concretização. Jamais admiti sofrer as antecipações do fracasso, principalmente quando a deliciosa suposição da satisfação a cada dia mais se aproxima da realidade, afastando-se, por isso, da possibilidade do engano.

Hoje, desperta, descobriu minha alma que tudo não passou de um sonho. Estou só nesse mundo, habitando numa casa onde se agridem objetos rotos, imagens decadentes, e os pensamentos a tocar paredes sujas. Não quero sair desta cama imunda. Sou um velho homem que não sobreviveu a uma decepção. Estou te escrevendo esta carta, a última, Valquíria, tendo na mente a tua imagem de quarenta anos atrás. Quando receberes não a destruas. Sei que estás feliz ao lado de teus filhos e netos. Sei que não há motivos pra tua compaixão a um reles homem que um dia abriu o peito, revelando dele seus mais sinceros e intensos sentimentos. Nesse dia disseste sim ao meu pedido de casamento. Jamais iria imaginar que exatamente na hora em que tinhas que confirmar, dirias "não!".

Ali, naquela humilde capela, não disseste um "não" à minha felicidade, ou à tua, não pensaste na possibilidade de ali estar sendo decretada a morte de um homem. Todos esses anos tenho sido atormentado pelo teu fantasma. O brilho dos teus olhos naquele primeiro beijo tornou-se em dura frieza quando me transformaste em trapos de imundícia. Hoje sou mendigo do corpo e da alma, e se meu corpo é objeto de galhofa aos que me vêem em cambaleios pelas ruas, meu coração, esse que não podem ver, está a cada dia mais próximo do fim. Juntaram-se a ele muito mais feiura, degradação e miséria do que esses farrapos que me cobrem o corpo me tornaram repulsivo.

Adeus minha vida, minha Valquíria!
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