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Erotico-->Sacanagem barroca de Gregório -- 20/03/2001 - 00:39 (Ignácio Camillo Álvares Navarro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Gregório de Matos – Poesia Erótica



"Necessidades forçosas da natureza humana"

Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.

Busco uma freira, que me desentupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.

Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?

Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da sua mão sua cachopa.

Palavras-chave:

tronga = meretriz.; prostituta, puta.
conchego = aconchego.; conforto.
mapa = carta geográfica.; aqui usada figurativamente como a relação de mulheres disponíveis ao seu desejo sexual.
arrebata = toma.; tira violentamente.
capa = sobretudo.; casaco. Também é usado na Bahia para designar a casca, a folha de fumo que envolve o charuto (que anatomicamente pode assemelhar-se ao pênis)
gadanho = unha.; garra.
garupa = anca.; bunda.
desentupa = desobstrua.
A via = conduto.; caminho. (aqui tem o sentido figurado do pênis)
desuso = falta de uso (aqui figura como abstinência sexual)
tapa = obstrui
o bolo rapa = no jogo de cartas, o ato de levar todas as cartas (aqui o sentido é o de a freira o satisfaz plenamente, esvaindo-o de todo o sêmen que está acumulado em sua genitália).
com chalupa = com muita sorte.; (no jogo de cartas chalupa são as três maiores cartas: o ás de espada ou espadilha, o ás de paus ou basto, e o sete de ouro ou manilha).
* Esta quadra diz figurativamente que Ao encontrar uma freira que o sacie sexualmente estaria ele com toda a sorte (assim como quem encontra a chalupa no jogo de cartas)
boa cepa = boa família.; linhagem nobre.
repleta a tripa = (o pênis intumescido, pau duro)
mo vase = me sacie, me esvazie (no frêmito do desejo sexual o poeta admite dar toda a Europa para quem o sacie)
alimpa da carepa = limpar a caspa, a lanugem de frutos, limpar as aparas de madeira feitas pelo enxó (equivaleria hoje aos ditos populares "afogar o ganso" ou "descabelar o palhaço", centrando no órgão sexual masculino a ênfase do desejo sexual)
muchacha que o dissipa = rapariga, meretriz, prostituta, puta que o sacie sexualmente.
faz da mão sua cachopa = usa a mão para masturbar-se, transformando-a numa mulher, numa rapariga, numa meretriz.
** Tanto muchacha (espanhol) como cachopa (português de Portugal) significam raparigas no sentido de mulher jovem e bonita, mas também usadas como sinônimo de prostituta, meretriz, puta.


"Desaires da formosura com as pensões da natureza ponderadas na mesma dama"

Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho é de Caterina.;
E porque docemente obriga, e mata,
Não livra o ser divina em ser ingrata,
E raio a raio os corações fumina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias,
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante, e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias,
Se sendo tão formosa não cagaras!

Palavras-chave:

perlas = pérolas.
peregrina = viajante.
galhardias = elegâncias.; elogios.
aras = altares
muchacha = rapariga (aqui no sentido lato de mulher jovem)
Se sendo tão formosa não cagaras! = o fecho escatológico do soneto, denota que o personagem lírico, Fábio, desiludido por um possível fracasso junto à moça, após levá-la ao topo da sua admiração, fá-la retornar à sua condição primária de ser humano dotado de todas as necessidades inclusive a de defecar)


Análise da temática erótico-irônica na poesia amorosa de Gregório de Matos:

O poeta Gregório de Matos e Guerra, legítimo jogral da Bahia seiscentista canta nesses dois sonetos a situação prosaica do homem à procura do prazer sexual, onanista no primeiro e idealizado no outro. Usa de figuras de linguagem, às vezes descabidas ou mesmo divorciadas de seu sentido, mas colocadas de forma a provocar ritmo e rima.
Gregório assimilou, nos anos vividos em Portugal, a tradição da sátira lusitana que não livrava ninguém da crítica aguda e grosseira que devassava a clausura dos conventos à procura do sexo proibido, mas praticado. O poeta tornou-se um exímio articulador da palavra. O trocadilho, os pares antitéticos, os jogos paranomásticos (palavras de idiomas diferentes, semelhantes em sonoridade e escrita com origem comum), os constantes deslocamentos entre significado e significante. Esses foram seus instrumentos afiados de cutucar a sociedade emergente, o clero e o poder constituído.
Estudioso de Quevedo, Gregório exacerba o verbo ao falar do corpo de maneira escatológica e prosaica, onde deixa transparecer seu íntimo moralista e machista, liberando a libido de forma agressiva e burlesca.
Em toda a lírica Gregoriana encontramos este aspecto burlesco onde o “bufo”, na melhor tradição de Rabelais, caricaturiza tudo o que é oficial, sério, respeitável, constituído e até sagrado.
A tradição carnavalesca da idade média está presente indiretamente em Gregório. À luz dos escritos de Mikhail Bakhtin (op. cit.), pode-se encontrar muitos pontos tangentes na obra de Gregório de Matos. A cultura cômica popular tem a chave de sua compreensão na idade média e no renascimento a partir de Rabelais e do texto burlesco de Gógol. A catarse do povo, frente à onipotência dos poderes constituidos, é o carnaval ou mais exatamente a carnavalização do mundo sério, real e cruel. É a auto-defesa, quase orgânica, dos subjugados pelo poder.
Foi assim na idade média onde, à toda pompa e circunstância inerentes ao poder dos reis, contrapunham-se as “presepadas” didáticas dos bufões e bobos da corte.; no renascimento quando, aos ideais clássicos de beleza e perfeição estética, vociferavam as “imperfeições” de Gargântua e Pantagruel. E é assim ainda hoje na mesma Bahia do século XVII, quando, em oposição à sisudez da quaresma, o povo entrega-se ao “samba, suor e cerveja”. Essa tradição popular, nos trópicos já aportara na Baía de Todos os Santos, desde o tempo de Gregório – mulato emergente, polido e graduado na corte portuguesa, que, de volta às sua terra natal, cai na folia. Traduz em sua poesia a alma popular dos mercados, bares, salões, do cais do porto e, na temática aqui estudada, dos cabarés e prostíbulos.; ao mesmo tempo que vivencia um prazer sádico na descrição da sexualidade das baianas, especialmente as mulatas e as freirinhas.
Entretanto, de acordo com Alfredo Bosi, ao analisar a “poesia burlesca” de Gregório de Matos, adverte para não se atribuir este conceito de “carnavalização” como foi proposta por Bakhtin ao estudar Rabelais. A essa visão, diz ele, “pressupõe-se um sistema de relações bem definidas entre texto e contexto, o que não ocorre com a lírica Gregoriana”.
O discurso fidalgo e galhardo não está contraposto ao jocoso e chulo, nem em sua abordagem do erótico, nem na crítica social e política, e muito menos em suas odes amorosas.
Bosi afirma que a análise da obra de Gregório indica um nítido corte entre dois campos distintos de experiência e significação. Quando o discurso de calão é empregado, ele ocorre dissociado em sua obra. É setorizado na crítica viperina que faz à “gentalha, à mulatada e à canalha” social e racialmente discriminada.
Temos assim uma outra face do “Boca do Inferno”: o poeta que avilta covardemente todas as mulheres que, de uma forma ou de outra, “nunca se tomaria por esposa”- ou por pertencerem à raça negra, ou por estarem prostituídas, ou ainda por encontrarem-se enclausuradas à serviço de Deus ou das circunstâncias familiares.
A face oposta é o Gregório lírico e gentil a desfiar elogios à Floralva, à Dona Ângela, Dona Teresa, Dona Victória e também a Maria dos Povos, que após desposá-la, cantou-a em versos como Sílvia – “por razão de honestidade”.
A polêmica figura de Gregório de Matos Guerra, certamente ocupará, por muito tempo, boa parte de pesquisadores, historiadores e críticos literários pois no cenário barroco, ocupa junto com Pe. Antônio Vieira, lugar de destaque pela obra que deixou.



Ignácio Navarro - 1997
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Bibliografia:

MATOS Guerra, Gregório de, Poemas Escolhidos
Seleção, introdução e notas de WISNIK, José Miguel. Cultrix, São Paulo, 1986

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch, 1895-1975. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, tradução de Yara Frateschi Vieira – São Paulo : HUCITEC, [Brasília] : Editora UNB, 1987

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch, 1895-1975. Questões de Literatura e de Estética – A teoria do Romance, tradução: diversos – São Paulo : UNESP/HUCITEC, 1988
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