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Artigos-->Reflexões Usineiras (6) -- 07/09/2001 - 20:27 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Partindo da minha idéia de que um "paideuma" se faz urgentemente necessário, o meu sagaz e mordaz amigo Lúcio Emílio de Andrade Vasconcellos do Espírito Santo Guerreiro Contra o Dragão da Maldade Júnior não perdeu o pique (bom farejador de idéias) e nem a piada ("paidégua"). Na lista dos autores com voz própria, eis-nos: o Lúcio, o Jônatas e eu. Somos, os três, protagonistas entre os vários personagens deste meu texto.



Nessa lista, eu incluiria ainda de qualquer jeito o Leonardo Almeida Filho (que voz!), o Mauro Bartholomeu (atenção para os sabe-se lá quantos k-bites de poesia ainda não divulgados!), a Marcelina M. Morschel (contista e romancista imprescindível), o Renato Rossi (dos cronistas, o meu preferido) e alguns outros. Numa lista de preferências, uma questão de gosto, não de amizade, sempre se corre o risco de esquecer ou ser esquecido.



Gosto, por exemplo, de alguns textos em particular, o que não corresponde necessariamente à minha avaliação sobre o conjunto dos textos de seus autores. Às vezes, um texto supera, e em muitíssimo, o próprio autor. Pessoalmente, não consigo separar a avaliação estética das considerações éticas que venho perseguindo em meus textos usineiros. A poesia, a literatura, ou é ética, ou é titica, como eu tentei formular com humorística seriedade.



Hoje completa um ano a minha crônica "Os mortos e os mortos-vivos". Ela fala do 07 de Setembro "aos toques dos tambores" da minha infância, mas contempla a cidade de Araraquara, no coração da Califórnia brasileira, deserta em feriados, feriadões, férias e, pouco a pouco, sem que disso se dêem conta as pessoas, também nos nosso dias cada vez mais (in)úteis no meio das semanas. Fala de um país inteiro que tem essa cara da minha Araraquara, entregue à desinspiração do não-trabalho, sem perceber que ainda há algo precioso por ser (re)conquistado: o ÓCIO. Urge fazê-lo.



Mas essa crônica, para o seu autor, nunca passou de um texto escrito quase na marra, num dia de avassaladora impotência criativa, quando tudo era desamparo, vazio. Eu já havia esgotado todo o meu baú de textos antigos, de décadas passadas.



Antes de chegar ao usina naquele sete de setembro do ano 2000, ao longo de uma caminhada sem qualquer expectativa, eu ia compondo um texto de memória. Ao digitá-lo, depois de tê-lo concebido assim patetica- e peripateticamente, não imaginava que alguém pudesse instilar nele a poesia que eu, o seu autor, ainda nem adivinhava. E aconteceu. Foi o Jônatas Micheletti Protes, com inteira justiça listado na proposta de um "paideuma" concretizada pelo Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior, quem me fez ver, para minha inteira surpresa, meses depois, ser esse o meu texto por ele preferido. Tanto, que lhe deu espaço e destaque no primeiro número do fanzine "ao pé do ouvido", o órgão da "sociedade botucatuense dos poetas vivos" (Daniel Guerrini & Zilton também entram num meu "paideuma" afetivo). Vê-lo ali impresso e divulgado foi uma emoção e tanto.



Mas voltemos a esta página que o leitor arrisca ler agora, sem saber ao certo, como de resto também o seu autor, que rumo poderá tomar. Não importa, escrever é sobretudo ir vivendo adiante. É preciso que se instale, por meio de palavras, um vazio. Só no vazio, a poesia pode se fazer presente. Quando e como ela própria determine, não apenas porque um eu, enunciativamente iludido, a isso aspire.



Há mais poesia no usinadeletras do que supõe a grande maioria dos seus usuários. Sabem disso muito bem, melhor do que todos talvez, os conspuradores do site, os inimigos da humanidade, da liberdade de expressão, da democracia, da reciprocidade, da amizade. É a forte presença da poesia que atiça essa sua sanha deletéria. Só pode ser. Por isso, tratam de destruí-la já na fonte, borrifando com suas salivadas ácidas o terreno onde farejam a possibilidade de que brotem maravilhas. É o que não lhes permite ter sensibilidade para o mundo e para a evidência dos fatos. É o que não lhes permite detectar, da poesia, suas erupções misteriosas. Não podem, não poderão nunca acompanhar os sinais captados pelos que são verdadeiramente poetas, "antenas da raça" (como quer o imenso Ezra Pound) ou "erros do sistema" (como pontifica o nosso reader s digest, também imenso, Décio Pignatari).



Refletindo sobre os meus tantos tropeços ao longo de mais de um ano, 900 e tantos textos, 21 mil e tantos leitores (visitas?), acho patético e comovente o esforço que fiz, a forma como tentei alertar, positivamente, para o enorme potencial do site. Mas o inimigo veio, soube atacar sabiamente os pontos mais sensíveis da nossa convivência, aqueles que justamente os colocariam a nu, destituídos de suas máscaras, tantas, e vulneráveis. Pressentiam, como eu, esses lampejos de democracia e liberdade, essa ausência de filtro, esse mundo inteiro que se escancara de repente aos olhos de quem quer ver. O pior cego, anotem isto, é o que não quer ver, só quer ser visto. Mas não se sentiram capazes de tanto. Não estiveram aptos a se inserir dessa forma no mundo. Mentes escravas, servis aos ditames de um mundo que se vê reluzente no espelho do negativo. Não souberam abraçar a sua parte nessa difícil empreitada. Não é fácil, eu sei, divisar o próprio rosto, a própria identidade, na cacofonia pós-moderna, nesse espelho aos cacos. Optaram por não ser ninguém, não ser nada.



Tomara que a idéia de um "paideuma" possa gerar seus frutos. Que possamos ser generosos para com os poetas e para com as mensagens que eles, antenas poderosas, captam e lançam adiante. Separar o joio da "joie de vivre", dos trigais verdejantes que se anunciam com os experimentos poéticos que nos permitimos, todos, das mais tenras "plantinhas" (onde anda a minha "plantinha" de Recife?) aos "arquidinossauros" (eu sei, e prezo a minha idade).



Num esforço positivo para o resgate do melhor espírito usineiro, aqueles três itens que listei em "Reflexões Usineiras (4)", três estratégias com as quais os inimigos, nas pessoas dos poetas, atentam contra a poesia, podem ser redirecionados para a neutralização de suas manifestações negativas, que não nos permitem ficar felizes quando o usina é festejado como o site da semana por um dos nossos maiores jornais impressos, como se afirmava ontem.



Seja lá como for, digam o que digam, "duela a quien duela", não podemos ficar sujeitos apenas às opiniões que sobre nós porventura se emitam. A verdade é que sabemos, estamos sentindo isso cada vez mais fortemente, é preciso retomarmos, nós mesmos, os poetas, os que eticamente se sentem responsáveis por este veículo de comunicação e expressão, a condução de seus destinos.



Com suas fantásticas mininarrativas, o Barbosa Zocca tem nos dado repetidas lições de como deixar passar cada onda negativa que se alevanta, e que normalmente também logo se revela pífia, oca, incapaz de qualquer resultado substantivo. Deixá-los entregues à sua própria falta de sorte, é o que se nos impõe. Que eles se afoguem na bile que secretam a cada palavra que garatujam. Quem sabe começarão a admitir que também podem fazer a sua parte, o seu esforço, recomeçar do ponto de partida, aprender a ler e a escrever. Digo isso objetivamente, sem qualquer tentação de ser sarcástico. Ou encaramos a nossa própria tragédia, ou seremos por ela engolfados.



Este texto era para ser apenas um breve preâmbulo. Só queria colocar ao alcance dos autores e leitores as palavras do poeta Manoel de Barros, que agora pelas mãos do Jônatas vai ocupar as páginas principais do segundo número do fanzine "ao pé do ouvido". Vocês vão ler o final de uma entrevista concedida pelo poeta a José Otávio Guizzo, da Revista Grifo, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. "Conversas por escrito" (Entrevistas: 1970 - 1989) é uma das secções de "Gramática Expositiva do Chão" (Poesia quase toda), volume que reúne a produção do poeta até 1990. O título da entrevista é "SOBREVIVER PELA PALAVRA". A passagem selecionada está nas páginas 310 e 311. Boa leitura!



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P.: A poesia é necessária? Quais as funções da poesia no mundo atual?



R.: A mim me parece que é mais do que nunca necessária a poesia. Para lembrar aos homens o valor das coisas desimportantes, das coisas gratuitas. Vendem-se hoje até vistas para o mar, sapos com esquadrias de alumínio, luar com freio automático, estrelas em alta rotação, laminação de sabiás, etc. Há que ter umas coisas gratuitas pra alimentar os loucos de água e estandarte.

Quanto às funções da poesia... Creio que a principal é a de promover o arejamento das palavras, inventando para elas novos relacionamentos, para que os idiomas não morram a morte por fórmulas, por lugares comuns. Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para esse trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichês. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens. A prática do desnecessário e da cambalhota, desenvolvendo em cada um de nós o senso do lúdico. Se a poesia desaparecesse do mundo, os homens se transformariam em monstros, máquinas, robôs.



Qual é a matéria da sua poesia?



R.: Os nervos do entulho - como disse o poeta português José Gomes Ferreira. Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima - é também matéria de poesia - eu repito. Só bato continência para árvore, pedra e cisco. Em estudo sobre "O Processo", de Kafka, o humanista Gunter Anders observa o amor de Leni pelos processados. Leni acha que a miséria da culpa os torna belos. Sua compaixão pelas vítimas é que a leva ao amor. De muita dessa compaixão é feita a poesia de nosso século. Um fundo amor pelos humilhados e ofendidos de nossa sociedade banha quase toda a poesia de hoje. Esse vício de amar as coisas jogadas fora - eis a minha competência. É por isso que eu sempre rogo pra Nossa Senhora da Minha Escuridão, que me perdoe por gostar dos desheróis. Amém.
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