Nós Somos a Piada.
Acompanho, pela TV, a mais recente polêmica despertada por uma campanha publicitária. Depois da discussão extremamente necessária, pertinente, decisiva e de verdadeiro lastro intelectual a respeito do refinado paladar de Zeca Pagodinho, levando em consideração a sua preferência pela Brama (não confundir com bhrama – do sânscrito védico – “palavra”), uma informação que pode mudar decisivamente o curso de nossas vidas e o andar da carruagem que rege o mundo contemporâneo, os jornais têm noticiado o descontentamento e a revolta portuguesa em relação à campanha publicitária veiculada pela Nike, em que a seleção brasileira desfila seus dribles, sua ginga, seu swing, seu “futebol moleque”, sua “arte de fazer arte com os pés”, e todos os clichês do gênero a que temos direito e que nos torram a porra do saco, contra a seleção de Portugal, humilhada e ofendida, no melhor estilo russo.
Quer saber, eu não dou a mínima. Nem para o Zeca Pagodinho, com seus sambas, sua malandragem e suas preferências gustativas – cachaceiras, diga-se de passagem -, nem para o futebol brasileiro, a seleção de Portugal e a revolta dos patrícios, ora pois. Não dou a mínima, nem fodendo. E acho que a televisão é uma desgraça irremediável que, um dia, sem que eu me dê conta disso, ainda há se significar minha total e completa ruína. Não sei por quê ainda perco meu tempo com essa caixa do capeta. (Todo o aparelho televisor tem, pousado sobre si, um diabo mequetrefe, com as asas recolhidas, o olhar entediado, esperando, odiosamente, para pagar o preço chinfrim de nossa alminha vendida e melancólica). No que se refere a essa merda toda, e se perguntado para que time eu torço, fico com o Mirisola: “Torço para o futebol acabar!”.
O que me incomoda, na verdade, é que os portugueses se julguem no direito de reclamar, xingar, grunhir ou se revoltar com a suposta humilhação que a já famigerada campanha publicitária lhes causa. Durante mais de trezentos anos o Brasil foi roubado, espoliado, taxado, administrado, enganado, corrompido, vendido, perdido, confundindo, fodido e estropiado pela colonização portuguesa e o máximo que nós fizemos foi inventar as piadas de português, que eles levam numa boa, porque se aproveitam delas, mudam as personagens – geralmente um alentejano – e riem, não de si mesmos, como poderíamos pensar, mas do Outro, nosso eterno dessemelhante.
Sofremos com a consciência do colonizado, do sujeito que levou no rabo a vida inteira e que, de repente, exigem que ele tenha alguma dignidade antes de naufragar. E rimos disso. Assim como eles passaram a vida toda rindo dos patetas dos brasileiros, que, durante boa parte de sua história, não fizeram nada além do que ceder, sem resistências ou admoestações, o digníssimo Marquês de Rabicó – literalmente – aos donatários portugueses. O nosso complexo de vira-latas, constatado por Nelson Rodrigues pelos idos da década de 50, já nasceu com as Capitânias Hereditárias, não duvido. A diferença é que fomos e somos boçais o suficiente para não reclamar, para não por a boca no trombone, para não mandar o brio ferido dos portugueses à merda.
O comercial é só uma forma inconsciente de vingança que nada tem de deliberada ou casual. E, no fim das contas, um comercial é só um comercial é só um comercial... Ninguém corre atrás de uma bola como o brasileiro, talvez pela completa miséria material, espiritual e intelectual que os patrícios – sim, eles têm uma boa parte de culpa nisso tudo -, nos legaram. Então, nada mais justo que, da forma mais idiota do mundo, o colonizado possa, pela primeira vez, rir do seu Duplo. Nossa única forma de romper a crosta desse fodido e melancólico sentimento de inferioridade é acreditando que temos o melhor futebol do mundo, o que, em larga medida - não o futebol, mas a forma de vencer nosso complexo de vira-latas -, não passa de uma criação da mídia, um paliativo idiota, estúpido e cretino para vender jornais, somar pontos no IBOPE e desviar nossa imprestável atenção dessa eterna falência política, econômica, cultural e emocional em que vivemos.
Acho que, no fundo, a piada somos nós.
P.S.1 – Eu quero que além do nosso complexo de inferioridade, do futebol, dos portugueses e da televisão, que a Nike também se foda. Eu só uso sapatos!
P.S.2 – Este texto foi publicado no meu blog: www.nemchoronemvelaparamim.zip.net. Publico aqui atendo o pedido de uma nova e muito querida amiga – Maria Georgina Albuquerque. Obrigado, minha cara, pela leitura atenta e carinhosa. Beijo grande!
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