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Artigos-->Degredados filhos de Eva -- 29/03/2004 - 10:00 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O atentado de 11 de março de 2004 na Espanha, onde fanáticos explodiram trens que levavam proletários ao trabalho, evidenciou ainda mais a intolerância que domina estes nossos dias. O governo direitista de José María Aznar López, numa jogada eleitoreira, tentou responsabilizar os bascos do ETA pelo ato criminoso. Não teve êxito, e foi derrotado nas urnas. As investigações espanholas, mesmo antes do pleito ocorrido no final de semana seguinte, apontaram para grupos árabes, grupos que foram responsabilizados (até hoje sem provas e sem assumir a autoria do crime) pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nas Torres Gêmeas e no Pentágono, nos Estados Unidos.



Assim como o conflito entre palestinos e judeus no Oriente Médio, entre habitantes do Norte e Sul, na Irlanda, entre "comunistas ateus" e o "mundo Ocidental cristão", que envolveu boa parte do século passado, uma roupagem religiosa reveste essas disputas políticas, sociais, econômicas, de classe.



No segundo volume do seu Dom Quixote, publicado em 1615, Miguel de Cervantes Saavedra, que havia sido preso e excomungado pela Santa Inquisição, um autor sabidamente engajado, militante, escreveu um capítulo em que relata o drama dos mouros (árabes) perseguidos pelo governo espanhol, num momento em que Igreja e Estado se confundiam. Sintomaticamente, dá ao capítulo 54 o título: "Que trata de coisas referentes a esta história, e não a nenhuma outra" (embora mesmo um leitor desatento percebesse que ali nada dizia respeito às aventuras e desventuras do Cavaleiro da Triste Figura e seu fiel escudeiro, Sancho Pança). Neste capítulo, Sancho encontra seu antigo vizinho, Ricote, um mourisco, comerciante, que fugiu da Espanha devido à intolerância do governo cristão e que retornava ao país, disfarçado. O mouro queixa-se da perseguição feita contra seu povo. Ele e outros anciões perceberam que os discursos enfurecidos contra os árabes "não eram só ameaças, como alguns diziam, mas verdadeiras leis, que seriam executadas", envolvendo também os árabes que se tornaram "cristãos firmes e verdadeiros".



"Finalmente", conta Ricote, "com justa razão fomos castigados com a pena do desterro, branda e suave na opinião de alguns, porém, para nós, a mais terrível que se nos podia dar. Onde quer que estamos, choramos pela Espanha, onde, afinal, nascemos e que é nossa pátria natural; em nenhuma parte encontramos o acolhimento que nossa desventura deseja. No Norte e em todas as partes da África, onde esperávamos ser recebidos, acolhidos e apreciados, ali é onde mais nos ofendem e maltratam. Não conhecíamos o bem até que o perdemos; e é tamanho o desejo que temos de voltar à Espanha, que aqueles que dominam a língua, como eu, voltam a ela, deixando suas mulheres e filhos desamparados: tamanho é o amor que por ela têm".



Narra, então, seu desterro pela França, Itália, Alemanha, onde se juntou a peregrinos que visitam santuários espanhóis (situação em que Sancho o encontrou). Diz que sua filha e sua mulher "são católicas cristãs, e, ainda que eu não o seja tanto, tenho mais de cristão que de mouro e sempre rogo a Deus que me abra os olhos do entendimento e me dê a entender como o tenho de servir".



Sancho conta, então, a saída da esposa e da filha de Ricote da aldeia em que viviam. A filha "ia chorando e abraçava todas as suas amigas e conhecidas, e, a quantos a viam pedia que a encomendassem a Deus e a Nossa Senhora sua mãe; e isto, com tanto sentimento, que a mim me fez chorar, que não sou muito chorão. E confesso que muitos desejaram escondê-la, porém o medo de ir contra o mandato do rei os deteve".



Não são diferentes - no mais das vezes, até mais dramáticos - os relatos atuais, após 400 anos, das vítimas da perseguição protagonizada por intolerantes das variadas seitas, religiões e credos. Pior: a barbárie se aprofunda. Do lado dos que detêm o poder do Estado e da parte dos que, inspirados no fundamentalismo religioso, querem destruir a ordem imperante, aumenta o terror sobre a população indefesa - sejam os agressores as tropas estadunidenses ou inglesas em Bagdá, sejam os fanáticos que explodiram trens em Madri.



Cervantes encerra o capítulo em que tratou de coisas referentes à história de Dom Quixote, "e não a nenhuma outra" com a despedida do cristão nato e do cristão convertido: "E deixa-me partir daqui, Ricote amigo, que quero chegar esta noite onde está meu senhor dom Quixote. Deus vá contigo, Sancho irmão, que já meus companheiros acordam, e também é hora que prossigamos nosso caminho. E logo se abraçaram os dois, e Sancho subiu em seu rocim, e Ricote pegou sua bengala, e se apartaram".



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