Estando eu a passear sem preocupações mais graves, eis que avisto uma linda mulher, dessas a quem num primeiro olhar logo se apega um coração vazio, muito sedutoramente vestida, com os lábios em carmim, penduricalhos falseando jóias a enfeitar-lhe, sem necessidade, a bela aparência, e um brilho no olhar aumentado quando se cruzaram o meu e o dela.
Imediatamente busquei respostas na lógica, visto que muitas deficiências, não sei se reais ou imaginárias, levam-me a desconfiar que ela me queria mais como fonte de lucros do que como alguém com quem quizesse compartilhar suas intimidades.
E assim passou-se o tempo. Fomos nos acostumando a olhar um para o outro, a tocar um no outro, a falar-nos com ligeira ofegância de espírito, como se uma avassaladora paixão nos espreitasse, a fim de nos prender pra sempre na deliciosa reclusão do amor.
Contudo, mais do que impressão, revelou-se muito real minha suspeita... E ela requereu de mim algo que não lhe podia dar: amor incondicional, respeito além das circunstâncias, carinho que emudecesse diante de suas imposições. Quis de pronto suprimir minha consciência dos limites humanos, pondo em minha natureza uma falsa sensação de eternidade em relação a um sentimento que eu sabia não ser mais duradouro do que o ciclo de vida das formigas.
Resolvi então ir embora dali. Não quis mais saber dela. Ainda que suas investidas saíssem do estágio em que a prudência se confunde com a timidez, pressionando-me como se fora um deus a que tudo pode dar vida. Não, o que ela sentia por mim não era amor, e ao que eu nutria por ela nenhum nome pode ser dado. Paixão, amor, mero desejo sexual a ser satisfeito em poucos minutos?
Não ouso me arriscar a descobrir. Que o tempo me sirva de amigo, e me livre dessa mulher que maior ruína pode me causar do que algum bem me oferecer.
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