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Artigos-->Trilogia suja de Havana -- 10/03/2004 - 16:18 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Trilogia suja de Havana



Félix Maier (*)



Aproveitei as últimas férias – um pleonasmo, já que aposentado está em férias permanentes... – para ler alguns livros (e reler “Os Irmãos Karamázov”, de Dostoiévski): “A Obsessão Antiamericana”, de Jean-François Revel; “Egito – um olhar amoroso”, de Robert Solé (livro que pedi e recebi de meu amigo oculto); “Tiranos – de Hitler a Pol Pot”, de Antonio Ghirelli (o autor incluiu Franco e Pinochet na lista, mas omitiu Fidel Castro; por que será?); “As Seis Lições”, de Ludwig von Mises (sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, inflação, investimento estrangeiro e política e idéias); “Politicamente Corretíssimos”, de Ipojuca Pontes. E, emprestado por um amigo, li “Trilogia suja de Havana” (Companhia das Letras, São Paulo, 1999, com tradução de José Rubens Siqueira), do escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez. É sobre este último livro que farei alguns comentários e algumas transcrições.



“Trilogía sucia de La Habana” – nome do título original (1998) – é um livro de crônicas dividido em três partes – daí o nome de “trilogia”:



1) Ancorado em Terra de Ninguém – 22 crônicas, pg. 9 a 122;

2) Nada a Fazer – 18 crônicas, pg. 123 a 215 – Havana, 26 Mar – 4 Nov 1995; e

3) Sabor a Mí – 20 crônicas, pg. 216 a 358 – Havana, Abr – Out 1997.



Nessa obra densa e polêmica, em estilo grosso e curto, Gutiérrez desenha um formidável painel sobre a Cuba atual, destroçada por 45 anos de tirania comunista. Sem atacar diretamente Fidel Castro e seu regime comunista, as simples descrições do que é um típico dia-a-dia cubano vale por mil teses acadêmicas que porventura já tenham sido escritas sobre a “Ilha do Dr. Castro” – desde que não feita pela esquerda. Quem não usufrui diretamente do poder em Cuba, nem consegue abocanhar algumas migalhas deixadas sob a mesa pelo apparatchiks caribenho, tem como única saída a busca frenética pela comida diária, a qualquer preço, para literalmente não morrer de fome.



Com alguma gororoba na barriga, convém ao habanero descolar também um rum barato, falsificado, com gosto de querosene. Nada de mojito, luxo de turista, de petista em visita a Cuba e da cúpula comunista. No máximo uma chispa de tren, aguardente doméstica, barata, muito forte, que consiste em álcool filtrado em pedras de carvão, sem mais nada. E praticar muito sexo, para esquecer a condição humana, ou melhor, desumana que a população enfrenta diariamente em Cuba. Muita ginástica sexual, muita bebedeira – eis o que Gutiérrez faz com grande profissionalismo, para esquecer que vive naqueles quintos dos infernos. Diz ele: “Um amigo sempre me dizia: ‘Pedro Juan, o único jeito de viver aqui é louco, bêbado ou dormindo” (pg. 35). É o que Gutiérrez procura fazer, dormir sempre que pode, depois de se embebedar completamente e praticar orgias sexuais que levam horas – sem ingerir viagra... De modo geral, o horizonte é bem pequeno para o cubano comum, ele não espera muito da vida: “Eu estava de bom humor. Com um pouco de dinheiro no bolso, uma garrafa de rum e um maço de cigarro, o mundo já começava a mudar de cor” (pg. 58-9).



Não é que não exista comida e bens de consumo em Cuba. O problema é que hoje há duas classes de cubanos: os que possuem dólares (os turistas e o “apparatchiks”, ou seja, a “nomenklatura” cubana) e os que não possuem (o cidadão cubano comum): “Como não tem nada (quer dizer, tem de tudo, nos shoppings, em dólar e a preços de Tóquio), a gente vende esferográficas, isqueiros, envelopes, qualquer miudeza” (pg. 114).



Gutiérrez, em seus escritos, nos fornece uma indicação de suas inúmeras habilidades, que foram muito úteis para sua sobrevivência dentro do regime desastrado de Castro, que se estende por mais de 4 décadas: já aos 11 anos começou a trabalhar como vendedor de sorvetes e de jornais. Depois foi soldado, instrutor de natação e caiaque, cortador de cana-de-açúcar e trabalhador agrícola. Foi também técnico em construção e desenhista técnico, chegando ao invejado cargo de jornalista e locutor de rádio e televisão. Enquanto se dividia nessas diversas tarefas, nunca abandonou a pintura, a escultura e a poesia. Quando se cansou do engodo jornalístico, onde só se pode elogiar o regime de Fidel, Gutiérrez “chutou o balde” e, fora do esquema estatal, passou a exercer as atividades mais execráveis para sobreviver: foi catador de lata de cerveja e refrigerante, para vender a uma fábrica de sorvete, foi cáften, garoto de programa (com as turistas estrangeiras), “pequeno comerciante” de lagostas e de produtos agrícolas comprados no interior, em viagens de trem em que os vagões eram contêineres adaptados, com buracos servindo de janelas, e assentos duros, e que levavam uma eternidade para chegar ao destino, Matanzas, local de nascimento do autor. A velocidade não passava de 20, 25 km por hora, “senão os vagões sairiam dos trilhos” (pg. 120).



Sobre a guinada de 180º que deu à sua vida, assim se expressa Gutiérrez: “Por isso eu estava tão desiludido com o jornalismo e comecei a escrever uns relatos muito crus. Em tempos tão dilacerados não se pode escrever com suavidade. Sem delicadezas a nossa volta, impossível fabricar textos refinados. Escrevo para cutucar um pouco e obrigar os outros a cheirar a merda. É preciso baixar o focinho até o chão e cheirar a merda. Assim aterrorizo os covardes e fodo com todos os que gostam de amordaçar a nós, que podemos falar” (pg. 82). Dizem ao autor: “ ‘Não vejo mais você na televisão, nem leio na revista. O que há de novo?’ E eu respondo: ‘Não há nada de novo. Essa é a questão: não há nada de novo’ ” (pg. 84). É de admirar que o Corvo do Caribe não tenha encarcerado também Gutiérrez junto com os 72 jornalistas e ativistas presos nas masmorras cubanas – além dos 3 fuzilados – ao mesmo tempo em que Bush invadia o Iraque, no início de 2003.



Sobre política, o ceticismo é total: “Eu não agüento nem comigo, imagine se me envolvo também com os políticos, que são uns filhos da puta e sempre fazem o que lhes dá na telha. É assim em todo lugar. A política é a arte de enganar bem” (pg. 91). Até parece que está se referindo ao Brasil dos FHC, dos Sarneys, dos ACM, dos Lulas, dos Waldomiros e dos Zés Dirceus...



Veja essa do autor, sobre os diplomatas: “Ser diplomata é o máximo. Tem-se imunidade diplomática e mala inviolável. E isso é bom. É como dizer: faça o que lhe der na telha. Para você não tem prisão, nem polícia, nem fiscais. Nada. Você é o Super-homem” (pg. 118). Há na Ilha outros tipos de diplomatas: “Os médicos são diplomatas. Jamais exibem sua ignorância e seus erros. Bom, os erros eles enterram. E a ignorância sempre podem dissimular” (pg. 127). Petistas e demais defensores do Corvo do Caribe nos afirmam que o sistema de Saúde, em Cuba, é coisa de Primeiro Mundo. Vejamos, porém, o que Gutiérrez diz a respeito, quando foi fazer um curativo num hospital, ao mesmo tempo em que aproveitou para “faturar” uma enfermeira: “Era o pior hospital de Havana. O mais sujo e abandonado de todos. E o rapaz e um professor estavam ali fazia duas horas e ninguém atendia. Tinha quebrado o pulso” (pg. 35).



Nos escritos de Gutiérrez há muita ironia, uma profusão de palavras chulas, sensualidade escancarada, sexo sempre - que ninguém é de ferro -, nenhum sentimento de culpa ou remorso. Gutiérrez utiliza palavrão com a desenvoltura de um técnico de futebol brasileiro. Um de seus livros não foi editado no estrangeiro porque tinha a palavra “caralho” logo na primeira linha do texto. Ao editor disse que, se lá estava “caralho”, era lá que “caralho” iria ficar, e fim de papo. Porém, junto do estilo ultra-realista, muitos dos textos da “Trilogia” transpiram poesia e alguma filosofia prática:



“Seja o que for, a gente resolve com uma garrafa de rum e desabafando com alguém: com uma mulher, com Deus, com um amigo” (pg. 37). “Há uma luz coada por uma névoa de chuva, salitre e iodo” (pg. 99) – o autor no Malecón, a esmo, durante uma tempestade, provocada pelo tornado “Gordon”, que matou 2.000 pessoas no Haiti e 300 em São Domingos. “É como viver com um velho ferimento de bala, que dói quando o tempo está úmido” (pg. 99). “A arte só serve para alguma coisa se é irrelevante, atormentada, cheia de pesadelos e desespero. Só uma arte irritada, indecente, violenta, grosseira, pode nos mostrar a outra face do mundo, a que nunca vemos ou nunca queremos ver, para evitar incômodos a nossa consciência” (pg. 102). “Os jovens não se preocupam. Para os jovens, a morte não existe. Está longe demais” (pg. 110) – diz o autor. Mas, não é bem assim. Existe alta taxa de suicídio entre os jovens em Cuba, uma das maiores do mundo. Um caso narrado é o de Angelito, que, no Natal de 1994 (auge do êxodo dos “balseros”), subiu até a cobertura do prédio onde morava, pediu para ver a caixa d’água, dizendo que há dias não havia água em casa, e voou até a rua, 45 metros de queda livre. “É preciso aproveitar a crise: com rio revolto, ganham os pescadores” (pg. 114). “A crise era violenta e penetrava até o menor cantinho da alma da gente. A fome e a miséria são como um iceberg: a parte mais importante não se vê a olho nu” (pg. 115). “O jornal de hoje trazia, na primeira página, uma entrevista com um ministro importante e fanfarrão. O sujeito, muito sorridente, gordinho, dizia: ‘Cuba não é um paraíso nem um inferno’. Eu teria perguntado: ‘E o que é então, o limbo?’ ” (pg. 127). “Uma mulata assim desorganiza a paisagem. Não só pela bunda. Ela inteira. Cálida, sensual, com seu vestido justo mostrando a pele canela. São mulatas que caminham com cadência. Sabem que controlam tudo e têm um porte prodigioso. Avançam pela vida transtornando e desmanchando. Junto dela o marido, um neguinho bem vestido. E no meio dos dois a menina, de três anos mais ou menos. Por isso é difícil para o cubano viver em outro lugar. Aqui se passa fome e se afunda na miséria. Mas as pessoas são outra coisa. Como essa mulata” (pg. 128-9). “Gosto de me masturbar cheirando minhas axilas. O cheiro de suor me excita. Sexo seguro e perfumado. Principalmente quando estou com tesão de noite e Luisa anda por aí, ganhando os pesos” (pg. 131). “Assim é. Só uns poucos sobrevivem: os muito estrelas e os muito covardes” (pg. 134). “Está vendo isto aqui, habanero? E nós achamos selvagens os angolanos que comem ratos assados. E os da Etiópia comendo as tripas podres das vacas. Agora é a nossa vez. Aqui não sobrou nem gato. As pessoas comeram. Me consiga um gato que eu compro de você. Os ratos estão acabando com a casa” (pg. 135). Hortência: - Olhe o que virou a Revolução. Autor: - É, os chineses dizem que tudo na vida é circular. Que sempre se volta ao princípio” (pg. 161). “A miséria destruía tudo e destruía a todos, por dentro e por fora. Era a etapa do salve-se-quem-puder, depois daquela outra do socialismo e do não morda a mão de quem lhe dá comidinha” (pg. 170). “Definitivamente, os psicólogos são sempre de classe média. Mas a classe média nunca se dá conta de nada. Por isso está sempre apavorada e quer saber o que vai bem e o que vai mal e como se pode corrigir isto e aquilo. Tudo lhe parece anormal. Deve ser terrível pertencer à classe média e querer arrazoar tudo, assim, de fora, sem molhar a bunda” (pg. 195). “Sei que é embaraçoso dizer isso em voz alta, mas a verdade é que uns mandam e outros obedecem. Eu não consigo obedecer a ninguém. Nem a mim mesmo. E isso me custa caro. Pago bem caro” (pg. 207). “Sempre acontece isso com os bobos. O que lhes falta de cérebro, lhes sobra de pau” (pg. 196) – a respeito de Juan, o bobo. “Era o que faltava, extraterrestres de verdade fodendo por aí” (pg. 212) – a respeito de Tony, jornalista, antigo colega do autor, que vai a Matanzas investigar um óvni que lá teria aterrissado. “Dinheiro atrai dinheiro, e miséria atrai miséria” (pg. 239). Uma frase que vale por um tratado de economia.



No Brasil, Gutiérrez teria problemas com os “movimentos negros”: “Agora só querem se misturar com os brancos. Dizem que ‘para melhorar a raça’. E estão certos. Os mestiços são muito melhores do que os negros puros e do que os brancos puros, sob todos os pontos de vista. É um bom negócio, isso de mesclar” (pg. 136).



Além de sedutor, o autor posa também de galo-de-rinha: “Gosto de ficar belicoso, como um bom filho de Ogum. Quando me virem sossegado é porque já vou estar fedendo” (pg. 292).



Diz Gutiérrez: “Se você tem idéias próprias – mesmo que sejam só umas poucas idéias próprias -, tem de compreender que estará sempre encontrando caras feias, gente que vai fazer questão de lhe dar o contra, de discriminá-lo, de ‘fazer você entender’ que não tem nada a dizer, ou que você deve evitar aquele sujeito porque é louco, ou efeminado, ou um verme, um vagabundo, outro porque é punheteiro ou voyeur, outro porque é ladrão, outro, macumbeiro, espírita, maconheiro, outra porque é canalha, indecente, puta, sapatona, mal-educda. Eles reduzem o mundo a uma poucas pessoas híbridas, monótonas, aborrecidas e ‘perfeitas’. E assim querem transformar você num excluído e numa merda. Jogam você de cabeça na seita particular deles para ignorar e suprimir todos os outros” (pg. 14-5).



Há espaço para Gutiérrez falar sobre o Brasil. Diz ele que Caridad, ex-jogadora de tênis cubana, foi convidada a “passar um ano treinando brasileirinhos em alguma cidade perto de São Paulo” (pg. 22). O autor também fala de uma brasileira que participou de um seminário de cinema em Cuba: “Rita de Cássia: uma brasileira de pele dourada que queria ganhar muito dinheiro escrevendo roteiros de telenovelas” (pg. 30). O autor-galã, que não refuga rabo-de-saia, disse que houve uma química entre eles, e que “passou a vara” em Rita no hotel em que ela se hospedara. Quando a farra caribenha acabou e a brasileira voltou ao país, Gutiérrez não deixou de levar para casa a rica “xepa” deixada por Rita: sandálias de borracha usadas, meio frasco de xampu, balas, blocos de anotações, pedaço de sabonete, aparelho de barbear descartável. Um luxo.



Prossegue Gutiérrez: “Esse rapaz que se enforcou era bicha. Desde menino sempre comeram ele. No Centro de Reeducação de Menores. E ele gostou” (pg. 26). Cópia fiel de nossas odiosas Febens espalhadas por aí. A diferença é que no Brasil somente os transgressores da lei são recolhidos para casas de correção. Em Cuba, basta discordar do regime, ou ser filho de figurão caído em desgraça.



O autor teoriza sobre o que é um bom caldo cultural para um jovem ficar entretido: “O caderno estava cheio de citações extraídas, suponho, de todos esses livros de Hermann Hesse, García Márquez, Grace Paley, Saint-Exupéry, Bukowski e Thor Heyerdhal. Boa mistura. Num rapaz de quinze anos essa combinação, mais o rock, consegue que não se aborreça e que viva bem atormentado. O que é bom. Creio eu. O importante é não se aborrecer” (pg. 36).



De professores e críticos, Gutiérrez quer distância: “Conversamos um pouco e eu lhe disse: ‘Não dê ouvidos aos professores de literatura, nem aos gramáticos, críticos e teóricos. Podem prejudicá-la muito. Escute só a você mesma. Vai levar tempo, mas é melhor’ ” (pg. 36). De gurus, então... assim ele filosofa: “Isto foi o pior: me recolher para estar comigo mesmo. Me fazer companhia. Conversar um pouco comigo mesmo. E talvez tenha me feito muito mal, essa busca insistente de paz interior. Não sei quem me enfiou essa porra de idéia na cabeça. Para viver com paz interior tem de ser um imbecil. Ou não?” (pg. 36). E arremata: “Bom, eu nunca me importei com a opinião dos outros. E nas poucas vezes em que me importei com ela foi para me foder, me equivocar e no fim ter de largar tudo e mudar de rumo” (pg. 39). O autor não deixa de ironizar os gurus indianos: “Eu tinha inveja do swami Nirmalananda, que me manda seus livros da Índia e não faz nada. Só meditar e cheirar incenso nas colinas de Karnataka, entre as árvores e os animais selvagens” (pg. 95).



Com o fim da mesada soviética, Cuba foi desmascarada, o fracassado regime comunista trouxe a público a horda de deserdados famintos, vinda do interior para Havana, e a debandada de fugitivos para Miami, em frágeis embarcações, às vezes em simples bóias de pneus de caminhão ou troncos de bananeira, arriscando a vida no mar de tubarões. Por isso, o regime de Fidel permitiu a existência de pequenos “restaurantes de família” e mascates na rua. Camelôs vendem pizza, hambúrger, refresco gelado, coquinho e amendoim - ou trocam dólares, sempre vigiados por policiais. “De vez em quando um policial ‘confiscava’ um saco cheio de pizzas ou de hambúrgueres, e de quebra limpava todo o dinheiro do camelô. O sujeito entregava apavorado porque do contrário vinham as multas, o tribunal e os antecedentes penais. Quem mais se parece com um delinqüente é um policial. Os extremos se tocam” (pg. 115). Nada a ver com a situação atual do Rio de Janeiro...



Prossegue o autor: “Em Centro Havana as pessoas vivem de ar. Ninguém tem dólares e já se acostumaram a viver de água com açúcar, rum e tabaco, e muito tambor. É assim que é” (pg. 265).



Com o aumento dos turistas, aparecem os doleiros: “Tinham baixado de cento e vinte pesos para cinqüenta em pouco mais de um mês. O governo queria controlar a crise recolhendo tudo: pesos e dólares. Para mim, a miséria e a fome tinham aumentado. Lógico: estavam guardando todo o dinheiro nas arcas do rei” (pg. 94.). Sobre dólares falsos, Gutiérrez dá uma lição: “O golpe é bom, mas as pessoas já sabem e é difícil passá-los: cola-se uma xerox de um cinco ou de um vinte, feita de uma nota desse valor, em cima dos números um impressos em cada canto. Passa bem se for entregue depressa, num lugar com pouco luz, e se o Washington for tapado com o polegar” (pg. 94).



Poucos, até hoje, sintetizaram tão bem a atual situação da “socialista” Cuba, que aos poucos vai entrando na dura e competitiva economia de mercado para sobreviver, depois que a mesada soviética teve fim: “Não tínhamos nem idéia de como era a batalha na selva. Mas era preciso enfrentá-la. Ficamos trancados trinta e cinco anos nas jaulas do zôo. Nos davam alguma comidinha e algum remédio, mas nem idéia de como era todo o resto além das grades. E de repente é preciso saltar para a selva. Com o cérebro adormecido e os músculos frouxos e débeis. Só os melhores podiam competir pela vida na selva. Eu estava tentando. Fazendo força. Muita força” (pg. 137).



A velha mãe-de-santo Esperanza, já sem poderes e sem clientes, armou jogo de dominó e de dados em casa, cobrando 2 pesos a entrada. “Os gozadores do bairro já chamam de ‘Casino Esperanza’ ” (pg. 284). O autor propõe a Esperanza ampliar os jogos no “cassino” com black jack e pôquer. Argumenta o autor: “Não se preocupe que eu sei fazer as coisas. Já passei dois anos preso e é difícil eu voltar pra trás das grades”. Responde Esperanza: “Eu sei que você é muito inteligente. Ser branco é uma profissão” (Cfr. Pg. 286). O negócio não progrediu porque a polícia fechou o promissor “cassino”.



Gutiérrez foi preso com outros cubanos pela polícia, que operava à paisana, atrás do Hotel Noiba, onde trabalhava como garoto de programa, mostrando os “documentos” (“balançando um pouco para ganhar volume”) a uma turista “cheia de grana, com colar de pérolas”. “Quando me vi encarcerado, a fúria cresceu dentro de mim e comecei a gritar e a soltar espuma pela boca. Bati em dois guardas que tentaram me amarrar e ali mesmo me deram uma surra até me deixar inconsciente. Quando acordei foi pior: tinham me trancado numa leoneira. São umas jaulas pequenas, com barras de seis lados. Não dá para ficar de pé, nem para deitar de comprido. É preciso estar sempre encolhido. Ficam na cobertura do edifício das celas. E ali fiquei no sol e no sereno muitos dias” (pg. 221).



O autor quase pegou 5 anos de xadrez, mas, como tinha uns dólares obtidos na prostituição, contratou um advogado e baixou a pena para 2 anos. “Na prisão não há amigos. E é preciso manter todo mundo a distância. Que ninguém se aproxime, porque quando você menos espera querem comer seu cu” (pg. 222).



Na luta pela sobrevivência, Gutiérrez fez de tudo, como já foi dito. Numa fábrica de “picadinho de soja” afirma que a comida era feita com “peles podres, beiços de rês, tripas, sebo, olhos, orelhas, toda a merda fedorenta que ninguém imagina” (pg. 139) – e, obviamente, soja. “ ‘Proteína. Muita proteína para o povo, companheiro’, o sujeito da dosagem me gritava por cima do ruído do moinho. E ria, com sua cara de gordo chupador” (pg. 139-40).



Durante certo tempo, o autor usa sua fértil imaginação para não morrer de fome: instala armadilha de pombos na cobertura. Usa um pombo-isca, que busca pombas para namorar, as pega e as revende por 20 pesos a um sujeito que as revende para o candomblé. Isto é que é empreendedorismo, o resto é conversa fiada...



Muitos conseguem ficar remediados à custa da miséria alheia. É o caso de Roberto, que compra por uma pechincha objetos das velhas, que precisam comer e viver um pouco mais: colar de pérolas, broche de ouro, lampadazinha de mesa, boneca de porcelana, tapete, móveis de cedro. Roberto dava muitas festas a amigos, porém, ao descobrir que lhe roubavam cinzeiros, roupas, talheres de prata, jarras, bibelôs de bronze, disse: “Todo mundo que é elegante, distinto, de classe, foi embora de Cuba. O que sobrou é o rebotalho, a plebe... a merda, porra! Só fica a merda! Por isso não dou mais festas” (pg. 313).



Outros dão duro para melhorar de vida: “Luisito tem arroz e dólares, porque ele planta muito e vende. De forma que tem comida e dólares, e é isso que as mulheres querem. Amor não existe mais! É só comida e dólares para o shopping” (pg. 85). Luisito havia se juntado com uma mocinha de apenas 15 anos e, depois de 6 meses de convívio e muitas “chifradas”, embrulhou as roupinhas dela numa toalha e a expulsou de casa.



Há tipos nas crônicas de Gutiérrez que parecem terem saído de uma seleção de contos fantásticos. Um desses casos se trata do negro Superman, que possuía uma superpica de 30 cm, que trabalhava no Teatro Shangai. Todas as noites, Superman sentava no tablado do teatro, com o “instrumento de trabalho” totalmente mole. Uma loira, postada atrás dos bastidores, começava a se masturbar; depois, um homem se juntava a ela e faziam de tudo. Superman começava a se excitar e, durante a ejaculação, o jato de esperma jorrava até as primeiras filas do auditório, onde algumas bichas disputavam a “chuva” gosmenta. Turistas de todo mundo iam ver o “canhão” de esperma, que começou a trabalhar com 20 e poucos anos e, depois dos 32, os “jatos” começavam a minguar. Aí passou a tomar pó de pau de tartaruga e ginseng. Não teve filhos porque nunca gozou com a mulher. “Eu tinha de acumular toda a porra de 24 horas para o espetáculo de Superman” (pg. 60) – repetia Superpica no final da vida, quando teve as pernas e o sexo amputados por conta de uma diabetes.



Em Havana, a falta de moradia é crucial. Mas há uma artimanha segura para conseguir um teto: tomar conta de velho ou velha, esperar que morra e ocupar a casa. Simples, não? O Movimento dos Sem-Teto do Brasil já sabe dessa facilidade? O autor conta a história da viúva Berta, de 76 anos, que tem uma pensão de fome e passa seu apartamento, em cartório, a Omar, de 23 anos, depois de algumas noites de farra sexual. “Ela reza muito para a Virgem das Mercês e se habituou ao silêncio, à fome, a estar muito magra e sem dinheiro, trancada em seu apartamento, que cada dia está mais sujo, por duas razões: não tem dólares para comprar sabão e detergente, e não tem forças para limpar” (pg. 298). Para sorte de Omar, a viúva morreu pouco tempo depois de fazer o testamento.



Sobre os melodramáticos mexicanos, Gutiérrez tem opinião mordaz: “E era fabuloso ouvir as atribulações de gente endinheirada no meio da Revolução Mexicana, e os espíritos noturnos de bisavós escoceses, e as tias solteironas. Não é à toa que os filhos das putas dos mexicanos são bons escritores: têm muita matéria-prima de boa qualidade e sempre foram os vencidos” (pg. 170).



Na crônica “Os canibais” (pg. 325-332), há outra história quase tão fantástica quanto à de Superman. É a história de Baldomero, o sujeito que vendia fígado de porco aos vizinhos, a baixo preço, e até dava de graça alguns nacos. Depois, porém, foi pego em flagrante, ao sair do necrotério, onde trabalhava, com fígados humanos. O autor consola a prostituta com quem convive: “Olhe, Isabel, já está comido e cagado. Esqueça. Além disso, estava uma delícia. Muito saboroso” (pg. 332).



Apesar de ser mulherengo, eternamente na “idade do urubu” (de “comer” qualquer coisa), Gutiérrez faz uma crítica ao maior defeito das mulheres, o ciúme: “Enfim, esses ciúmes de mulher. Que eu nunca entendo porque são polvilhados de um egoísmo vulgar, de bolero barato. Só se deve ter ciúme do que vale a pena. Do que é verdadeiramente importante. Não devemos desgastar-nos sentindo ciúme de tudo. Mas as mulheres não pensam assim. São capazes de sentir ciúme ao mesmo tempo e com igual intensidade e veemência do marido, do amante e de dois namorados. Têm muita habilidade para a vida. Ou muito sentido pragmático” (pg. 22). Na verdade, não são as mulheres em geral que são assim tão pragmáticas. Pragmático, pra valer, é Gutiérrez. Talvez seja pela grande oferta de mulheres na Ilha, pois, na época do grande êxodo cubano, em 1994, uma amiga diz a ele: “Estão indo embora todos os homens e os jovens. Ah, vai ser um problema para nós, mulheres” (pg. 10). Está explicado...



As mulheres são muitas em Cuba, disponíveis às pencas para quem possui dólares. Jack Nicholson, o garanhão que afirmou ter faturado mais de 2.000 mulheres, fez a festa quando esteve em Cuba, que qualificou de “paraíso”, provavelmente melhorando sua estatística donjuanesca ao farrear com as “jineteras” – segundo se lê na obra de Corinne Cumerlato e Denis Rousseau, “A Ilha do Dr. Castro – a transição confiscada”, Editora Peixoto Neto, São Paulo, 2001 (Tradução de Paulo Neves). Porém, são passionais e muitas vezes ferozes, como Carmencita, que cortou o pênis do marido, que foi levado às pressas para o hospital: “Deixaram aquela pele fálica no chão, mas uma velhinha recolheu, enfiou dentro de um saquinho plástico e foi correndo atrás dele: ‘Levem isto para ver se pregam de novo! Que Deus o proteja!’ ” (pg. 156).



Desde o início do “período especial”, iniciado após o desmanche da União Soviética, com a abertura do país à busca frenética dos dólares dos turistas, para não sucumbir de vez, Cuba se tornou a meca da prostituição universal, com vôos charters chegando lotados ao país, vindos principalmente da Europa: “Ah, o trópico esplêndido, úmido e luxurioso. O trópico ao alcance dos bolsos” (pg. 114). É o “socialismo dos 3 S”: “sable, sexe et soleil”, como dizem os franceses, ou “sand, sex and sun”, como repetem os “malditos yankees”, hoje bem-vindos e muito úteis para a perpetuação da tirania de Castro, ao gastarem milhares de dólares nos modernos hotéis que começaram a proliferar na Ilha. Praia, sexo e sol. É por isso que Nicholson e os petistas fantasiados à la Che Guevara gostam tanto de Cuba e seus mojitos e suas lagostas, de preferência saboreados na Bodeguita del Medio, outrora freqüentada por “papa” Hemingway...



A decadência cubana também é vista nas ruas de Havana, como a Malecón, Avenida de 15 km à beira-mar: “Por ali existem outros loucos e loucas, vagabundos sem casa, pedintes, mulheres que tentam vender qualquer porcaria aos transeuntes, dois ou três punheteiros que mostram seus artefatos meio eretos para as loucas e pedintes e se excitam com elas” (pg. 346-7).



Diz Chicha: “Isso aí é uma merda. Deus não existe. Se existisse não haveria tanta fome no mundo e tanta miséria...” Tita, irmã caçula de Chicha, responde: “Lá vem você. Você começa com o comunismo e a política e as ofensas. E o que adiantou isso, mulher, vamos ver, diga? Deus não resolveu, certo, mas o comunismo também não, basta ver como nós estamos” (Crf. pg. 343).



Uma espiada de Gutiérrez no cômodo miserável onde vive a policial aposentada Chicha, de 64 anos, apelidada de “La Capitana”, nos permite conhecer uma típica “prateleira socialista”: “Em um canto havia uma pequena estante cheia de obras de Mao, Lenin, Marx, Kim Il Sung, discursos, revistas ‘Sputnik’, velhas ‘Seleções’. Olhou todos aqueles livros empoeirados, suspirou profundamente, pegou uma revista de 1957 e abriu ao acaso. Uma entrevista com Frank Lloyd Wright: ‘Quanto tempo duraremos se o princípio poético nos abandonar? Quanto tempo pode durar uma civilização sem alma? A ciência não pode nos salvar: ela nos levou à beira do abismo. Isso teria de ser feito pela arte e pela religião, que são a alma da civilização’. Fechou a revista de um golpe e jogou-a de lado: - Esses americanos desgraçados!” (pg. 344).



Cuba é uma Bahia em miniatura, o importante é garantir o “corpo fechado”: “Robertico tinha três correntes de ouro penduradas no pescoço. Com medalhas enormes de Santa Bárbara, São Lázaro e da Caridade do Cobre. Além do colar branco de Obatalá e do vermelho de Xangô” (pg. 153). Robertico é um privilegiado: passou anos na Alemanha, onde obteve estudos e um contrato de trabalho, casou com uma alemã, com quem tem 2 meninos, e esporadicamente faz uma visita a parentes em Cuba.



A decoração do candomblé é comum em muitas casas, como vista na de um finado recente: “Tinha a cabeça feita para Ogum. Num canto do quarto ficou a caixa com os ferros, os guerreiros, os copos de aguardente e os charutos, os pratos com abacate, mandioca, pimenta, pimentão. As ‘piedras de rayos’ e os ‘palos de jocuma, carne de doncella, camagua, jagüey y calalú’. Uma corrente, uma peixeira, uma bigorna, uma faca” (pg. 334).



Aos poucos, principalmente depois da visita do Papa João Paulo II, a fé passou a ser mais ostensiva em Cuba, como a peregrinação a El Rincón, onde fica o templo de São Lázaro. A respeito dessa procissão, feita com suplícios – pessoas vestidas de saco, arrastando correntes, pedras, trilhos, cruzes de madeira, ou avançando de joelhos, esfolando a pele – assim fala Gutiérrez: “Tivemos uma grande fé. Depois nos disseram: ‘Ah, isso é merda, e quem disser o contrário a gente põe de lado, e talvez receba umas porradas’. (...) Pois bem, passei anos assim. Triunfalmente. Com toda a verdade em uma mão e a bandeira vermelha na outra. Depois veio o crash e, em dois anos tudo se transformou em sal e água. (...) E o cúmulo é que agora se descobre que até o chefe do governo tem os seus santos protetores e os seus colares e dez babalaôs cuidando dele. Ah, caralho” (pg. 96). Parece que o cético autor também se rende à religiosidade que volta a brotar na Ilha, demonstrando uma fé e uma esperança vista hoje em dia em poucos, mesmo fora de Cuba: “Mas comecei a recuperar a fé e agora, às vezes, vou a El Rincón. (...) E me surpreendo escrevendo como se já tivesse chegado ao fim. E Deus não me ajuda a esclarecer totalmente o meu espírito para aceitar tudo do jeito que é” (pg. 97).



Há uma constante em toda a obra de Gutiérrez: os cortiços, onde famílias se amontoam em salas de 3 ou 4 por 4 metros, os banheiros coletivos para 50 e, às vezes, até 200 pessoas, as escadas sujas, pichadas e com cheiro de latrina, a permanente falta de água nos andares mais altos, os elevadores que não funcionam há décadas. “Mesmo que você esteja se cagando, tem de entrar na fila. Muita gente, eu entre eles, nunca entra na fila: caga num papel e joga o embrulho de merda na cobertura de um edifício ao lado, que é mais baixo. Ou na rua” (pg. 78). Por isso, o autor gosta de visitar sua mãe, onde pode defecar sossegado enquanto lê uma revista: “Fui ao banheiro. Gosto de cagar comodamente, com sossego. Mas onde eu moro não posso. Temos um banheiro partilhado por todos os vizinhos da cobertura e é uma desgraça porque tem sempre alguém cagando na calça que bate na porta e grita para você acabar logo e sair” (pg. 85). A mãe do autor, aposentada, também tem seus negocinhos para sobreviver: “Sua aposentadoria de sessenta pesos é zombaria com uma velha de sessenta e oito anos” (pg. 83).



Edifícios portentosos e assombrosos por fora, em Havana, escondem a decadência dentro: “Mas por dentro está caindo aos pedaços e é um labirinto incrível de pedaços de escadarias sem corrimãos, escuro, cheiro de ranço e de baratas e de merda fresca” (pg. 80). No interior dessa decadência se lê um letreiro quase ilegível: “Uma Revolução sem perigo não é uma Revolução. E um revolucionário sem capacidade de assumir o risco não tem decoro” (pg. 80) – frase que, segundo o autor, devia ser de Fidel ou de Raúl.



A falta de água por 4 dias leva uma mulher a ficar histérica: “Pensei em dar-lhe um pouco de café. Mas me segurei. Aqui ninguém toma nada na casa de ninguém. Têm pânico de bruxaria” (pg. 152). Paradoxalmente, o autor, cético o tempo todo, mostra-se apegado a crendices, muito comuns em Cuba, onde existe um sincretismo religioso muito semelhante ao do Brasil, com medo de que alguém faça um “serviço” contra ele, pegando algum objeto de uso pessoal, como camisa, lenço, qualquer coisa que tenha o suor dele. Quando o autor sentiu “cheiro de mulher” no seu cômodo, não teve dúvida: chamou uma mãe-de-santo para fazer um descarrego com carqueja-amargosa. Gutiérrez não acredita em santería (candomblé), nem em maus-olhados e “serviços”, mas que los hay, hay...



E o cheiro de merda que se desprende do livro durante o tempo todo, que você já acaba cheirando à força e até se acostumando: “Era insuportável o cheiro de merda e urina que emanava dos banheiros. Quatro dias sem água em um cortiço onde vivem duzentas pessoas, e com esse calor, é para ficar louco igual à velha gorda” (pg. 152-3). “Consegui dormir um pouco entre pesadelos e angústias e o tremendo fedor de merda que vem do banheiro coletivo, porque faz dois dias que não sobe água” (pg. 322).



Um “habanero” típico jamais morrerá de infarto do miocárdio: “Desci a escada. O elevador estava quebrado havia anos. Doze andares” (pg. 162).



É proibido fazer modificações nos edifícios cubanos, sem autorização do Governo, porém ninguém cumpre a lei: “O homem trazia os tijolos de algum edifício derrubado e os acumulava em seu quarto para fazer uma parede clandestina ou um andar intermediário. Todos faziam isso. Acrescentavam muros por aqui e por ali. Derrubavam paredes, abriam buracos, agregavam quartos, usavam tábuas podres, pedaços de plástico, pedaçõs de tijolos, o que aparecesse. Sempre mais e mais gente nos pequenos quartos de três por quatro ou quatro por quatro. Como baratas. Às vezes, conseguiam viver até doze ou treze pessoas nesses quartinhos sujos e escuros. Era proibido fazer modificações nos edifícios. Mas todos os faziam” (pg. 345). E as obras continuam: “Apartamentos, nos cortiços, são subdivididos em vários quartos, com divisórias de tijolo ou madeira bichada, à medida que novas famílias aparecem, ou cresce a prole” (pg. 298). Noutra passagem, a repetição do amontoado de baratas humanas: “Eram treze pessoas, entre negros, mulatos e sararás, morando no mesmo quarto” (pg. 333).



Para sobreviver, é comum moradores dos cortiços de Havana criarem animais dentro dos apartamentos: “Na cobertura, tinham uma criação de galinhas e dois porcos. (...) Desde que começou a crise, em 1990, muita gente criava galinhas e porcos nos quintais, nas coberturas, no banheiro. Assim tinham alguma coisa para comer” (pg. 91). “Os velhos do outro quarto também tinham um pombal e uma criação de galinhas. Os pombos, eles vendiam para o candomblé. (...) Não tive problemas ali enquanto fez frio e havia vento forte do mar. Em abril, quando começaram o calor e a calmaria, vieram o cheiro de merda, os mosquitos-pólvora e os pernilongos” (pg. 92).



Na coluna “O que estou lendo” (revista Veja nº 1820, pg. 114, de 17/09/2003), o deputado federal Babá disse que estava lendo a “Trilogia” de Gutiérrez. Dizia o defensor do Corvo do Caribe: “O autor viveu no meio da prostituição e da bandidagem e fez um relato cru da realidade de Cuba – sem ser anticomunista e sem querer abandonar Havana, por ser apaixonado pela cidade”.



Babá mente ao dizer que Gutiérrez nunca quis fugir daqueles quintos dos infernos. O antigo professor de caiaque e natação tentou a fuga, com seus irmãos, em uma embarcação improvisada. Como o barco ameaçava afundar, Pedro Juan Gutiérrez, o caçula da família, foi obrigado a pular na água e voltar a nado para a praia.



Babá tem alguma razão quando diz que o autor não é “anticomunista” – ao menos abertamente. Nem adianta sê-lo, em um país onde todos são obrigados a ser comunistas. Quanto ao que o autor realmente pensa sobre o comunismo, o leitor deve ter depreendido das transcrições feitas acima. Não é preciso dizer que se é “anticomunista” ou “antifidelista” para condenar a crueldade de um regime fracassado, defendido por um tirano narcisista, senil e louco. Que, para subsistir em seus últimos suspiros, persegue opositores de modo cada vez mais feroz, com prisões e torturas. Não existem crimes nem miséria em Cuba porque elas não podem ser mostradas, como no caso da mulher que foi morta violentamente pelo marido traído e jogada na rua: “Era mero crime passional. Como em qualquer lugar. Mas aqui isso não é publicado na imprensa porque faz trinta e cinco anos que não convém falar nada de desagradável nem preocupante nos jornais. Tudo tem de estar bem. Uma sociedade-modelo não pode ter crimes nem coisas feias” (pg. 82). Eram 35 anos de tirania quando o autor denunciou a censura. Hoje, são mais de 45 anos.



Essa é Cuba, essa é a “Ilha do Dr. Castro”, esse é o país defendido por embusteiros como a senadora Heloísa Helena e Frei Betto, guru do presidente Lula, também admirador do Corvo do Caribe. Você, que defende Fidel Castro e seu tirânico regime, por que não vai viver lá, plantar e cortar cana para aquele canalha?





***





Obs.: Para obter informações sobre Cuba, que não seja pela boca de petistas, dos Fernando Morais, Zés Dirceus e Freis Bettos da vida, ou pelo Granma, órgão oficial do PC cubano, acesse: www.cubanet.org, www.cubafreepress.org, www.cubdest.org, www.bpicuba.org e www.midiasemmascara.org.





P.S.: Segundo Jesse Helms, co-autor da Lei antifidelista Helms-Burton, um dia Castro sairá do poder, “na vertical ou na horizontal”. Na vertical está difícil, o tirano está cada vez mais feroz, o cão não quer largar o osso, cercado por um aparato policial que faria inveja a César. Quando será que o Corvo do Caribe finalmente sairá de cena, “na horizontal”? Algum pai-de-santo já previu esse feliz dia?



O livro “A Ilha do Dr. Castro” descreve várias histórias de humor, tendo como personagem principal Fidel Castro, a exemplo da “piada da tartaruga”. Como se sabe, tartarugas vivem de 200 a 300 anos. Fidel Castro recusou uma tartaruga que estava para ser-lhe presenteada, dizendo: “Não, sinceramente. Sabe, a gente acaba por se afeiçoar a esses bichinhos, eu sofreria muito quando ela morresse” (Op. Cit., pg. 294).





(*) O autor, natural de Luzerna, SC, é ensaísta, militar da reserva e membro do Instituto Liberal de Brasília. E-mail: ttacitus@hotmail.com.













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