No dia 10 de fevereiro o Diário Oficial do Rio de Janeiro publicou o resultado do primeiro concurso público realizado em 18 municípios do Estado para o preenchimento de vagas de docentes para ensinar religião nas escolas públicas. Dos 3.154 candidatos, foram contratados 342 católicos, 132 evangélicos e 26 cultores de outros credos. Pajés e pais de santo, dentre outros, ficaram de fora.
O concurso resulta da Lei nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, assinada pelo então governador Anthony Garotinho (evangélico, como sua esposa e atual governadora, Rosinha). Os pregadores devem ser "credenciados pela autoridade religiosa competente", com "formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida"; o conteúdo das aulas "é atribuição específica das diversas autoridades religiosas". Já o pagamento desses doutrinadores "obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual" e será arcado pelo Estado. A lei é de autoria do deputado católico Carlos Dias, do PPB, elaborada em conjunto com o Conselho de Educação da Arquidiocese do Rio de Janeiro e com o bispo auxiliar dom Filippo Santoro.
A lei institui prédica religiosa e discrimina vários credos, além dos que não adotam religião ou as analisam cientificamente. Dom Filippo não escondeu seu entusiasmo com a medida: "Ora — citando um hipotético exemplo que envolve dois ilustres analistas do fenômeno religioso —, Marx e Freud com certeza ganhariam um concurso público para o ensino religioso; mas, com pleno direito, as instituições religiosas negariam o mandato a quem tivesse o objetivo de destruir ou alterar uma determinada religião" (O Globo, 3/11/2000).
O problema não é fluminense. Em São Paulo o ensino religioso está instituído desde 2002 como disciplina obrigatória nas escolas estaduais do ensino fundamental e disponibilizado "às instituições religiosas das mais diversas orientações" horários para ensino confessional na rede pública. E corre no Senado o Projeto de Lei Nº 43, de 2002, do ex-senador Artur da Távola (PSDB/RJ), que cria e regulamenta a profissão e a atividade de astrólogo. O projeto determina o ensino, em estabelecimentos públicos, dessa atividade. Delibera que cabe aos astrólogos "calcular e elaborar cartas astrológicas de pessoas, entidades jurídicas ou nações, por meio de utilização de tabelas e gráficos relativos ao movimento dos astros". Vários testes foram realizados, de diferentes formas, em diferentes partes do mundo, e a conclusão foi unânime: não há comprovação científica da astrologia.
Mesmo advogando o ensino religioso, Dora Incontri, pós-doutoranda da FEUSP, e o pedagogo Alessandro César Bigheto lembram que "a abolição da dimensão religiosa na escola laica não foi mera obra de ateus endurecidos, mas fruto da justa indignação contra o domínio das consciências. Ainda hoje, em diversos setores religiosos do mundo ocidental e oriental, há remanescentes poderosos dessa tendência doutrinante que as religiões sempre tiveram. A discriminação contra outras formas de crença que não a sua ou mesmo contra os descrentes; a pressão do grupo para adotar determinadas idéias, práticas e comportamentos; a obrigatoriedade de se participar de ritos ou práticas religiosas da maioria; e acima de tudo, a permanente violência que as maiorias e as ortodoxias praticaram sobre as minorias e as heresias — tudo isso traumatizou de tal forma as consciências livres, que o tema do ensino religioso provoca fortes reações em algumas pessoas".
Verbas e instituições públicas não devem estar destinadas à propagação e sustentação de seitas que devem ser respeitadas e restritas aos indivíduos que por elas optarem. As crenças e escolhas individuais e os espaços privados para o seu exercício são garantidos pela Constituição. No seu artigo 5º, parágrafo VI, reza: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". Quanto ao conteúdo escolar das instituições de ensino, deve estar o mais possível isento de interferências partidárias ou religiosas. As aulas de religião são simplesmente a pregação e defesa, não raro fundamentalista, de preceitos e dogmas de algumas seitas, como claramente expressou o bispo Fillipo, com sua ojeriza por Marx e Freud.