Presságio
Fernando Pessoa
[607]
O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
(24-04-1928)
***
A razão por vezes engraça-se : a tentativa de explicação do vago , as vezes dos mitos , de ilusões retóricas , outrora até mesmo por litografia no próprio olhar já é uma razão sublime para nunca se dizer o que pensa , já foi dito !
Bruno César Artuzo . |