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Contos-->Sonata para Emanuel -- 17/04/2000 - 22:56 (Marilene Caon pieruccini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SONATA PARA EMANUEL

Você saiu tão depressa, que nem mesmo todo o meu amor foi capaz de lhe impedir a partida. A pressa foi tanta, que esqueceu sua guitarra, sua música, seus afetos. Esqueceu-se de olhar para a vida, dar uma piscada e rir seu riso maroto de menino travesso, irrequieto, inconformado. Esqueceu até mesmo de fechar a porta!
Deixou tudo o que era seu espalhado pela casa, como se algum dia pretendesse ainda voltar... Ao olhar para suas coisas, assim jogadas, lembrei de como você vivia sempre apressado... Aliás, você sempre tinha muita pressa para tudo! Tanta pressa que, quando quis seus cabelos compridos, não esperou, os fez crescer em reluzentes tranças, pretas e longas, (que mais tarde se mecharam em dourado colorido), produto da moderna tecnologia. E sentiu-se tão feliz, que pela primeira vez na vida substituiu sua infalível calça de abrigo e camiseta por um smoking. Participou, então, do baile de final de ano... Todos seus amigos foram lá, só para lhe ver e brincar consigo por estar assim, tão bonito naquele traje social... que encobriu, por momentos, sua rebeldia secreta. E, quando enfim seus cabelos naturais cresceram (após dois longos anos), tornaram-se seu orgulho; porém, testavam sua paciência para serem mantidos, encaracolados como eram, num manto suave e macio, descendo pelas costas morenas. E que paciência você demonstrava, então... Quase a mesma da que os outros tinham, esperando que você comesse, quando era pequeno! Também, comer nunca foi seu forte; talvez por isso era tão elegante..
Parecia ter que fazer tudo rápido, porque o seu tempo não andava paralelo ao nosso; estava sempre adiantado! Havia em você a febre dos grandes homens, daqueles que vivem para além de si mesmos; havia em você a febre de um grande músico, o dom de um compositor... E que músicas lindas você fez para mim! ... Para nós!... E que ternura você demonstrava então... com o rosto calmo, suave, sereno, esperando, como nunca foi capaz de esperar outras coisas em sua vida, que eu as escutasse e lhe dissesse: “Gostei demais!”.
Havia tanta pressa!!! Fecho os olhos e lhe vejo correr, pequeno, adolescente, adulto. Tinha que fazer tudo rápido, pois o seu tempo... acho que sabia que não o conseguiria domar jamais. Sentia em você o desejo de viver tudo, viver para além de si mesmo, num lugar para nós desconhecido, mas para si, aconchegante e cheio de paz. Procurou-o na música: em todas as que compôs sozinho, numa melodia sincera, sentida, solitária, plena de enleios e devaneios. Descobriu nos acordes um caminho... o caminho do seu amanhã!
Em tudo a que se dedicou de verdade, conseguiu sempre conquistar o primeiro lugar. Foi assim com as “feiras de ciências” de sua escola, com os campeonatos de futebol de salão, (campeão até numa categoria acima da sua); com os torneios escolares de duplas, onde seu par era o Cláudio, seu melhor amigo... Para os estudos, para os jogos ou para as estrepolias, tão comuns aos adolescentes, era ele, sempre ele, e que nunca lhe faltou. Só uma única vez você não conseguiu vencer, meu anjo. Foi quando decidiu-se ir embora de uma hora para outra... e se foi, assim, num repente de segundo, como um segundo dura o estrondo de um trovão...
Fui sua amiga secreta num desses poucos Natais, em que esteve conosco (foram apenas vinte e um natais) e eu lhe dei sua primeira guitarra. Simples, vermelha, comum, meio desafinada, mas foi nela que você começou....Por isso ela se tornou tão importante! E quando lhe trouxe de São Paulo a sua Yamaha!!! Foi uma das vezes em que lhe vi mais feliz... Começaram, então, os treinos. Seu amor era tanto que, na calada da noite, treinava com o som ao mínimo, para não incomodar os que dormiam. Aliás, você gostava de dormir de dia. Dizia que à noite, ficando sozinho, tinha mais inspiração para tocar e compor... seu pai brincava com você, chamando-o “homem da noite”. Quanto treino! Quantas horas! Quanto tempo dedicado à música...Eu gostava de olhar para nossa casa e senti-la vibrando com o som que você fazia... Você gostava de dizer na guitarra, o que não dizia nas palavras, mas guardava no coração. Quem o quis ouvir, compreendeu, quem não pode lhe ouvir , chorou... Teve até que mandar consertar aquela guitarra, pois a gastou, tanto e tanto treinava. Suas mãos tornaram-se tão leves e ligeiras naquele instrumento, que flutuavam, quase invisíveis, por sobre ele!... Pareciam um sopro de vento, como num sopro de vento você se transformou!... Depois veio o desejo, quase um sonho impossível: uma guitarra de sete cordas! E você conseguiu isso também. Não foi fácil. Foi preciso até, que a buscasse em outro país, qual um lendário tesouro de piratas. Mas valeu a pena, porque eu vi o brilho em seus olhos, quando abriu o pacote, com o mesmo carinho e emoção, que tem o apaixonado por sua amada em sua primeira vez, e a dedilhou: uma Ibanez preta, brilhante e com sete cordas! Dedos ágeis naquele movimento contínuo, alucinado, elétrico, eles eram como sombras alucinantes. E como o vento é, às vezes uma brisa suave, outras, um vendaval assustador, assim se tornaram eles: às vezes, um doce carinho, outras, um vulcão de paixão!
Emoção era vê-lo tocar guitarra do jeito que o fazia: às vezes terno e sentimental, fazendo-a chorar sob seus dedos afogueados; outras vezes, forte e violento, arrancando gritos de guerra de suas cordas, que se quebravam tão depressa, como depressa você partiu. Quem sabe, buscou a sua vitória de um outro jeito, no jeito louco de dizer seu querer, seu sofrer, seu sentir, sua paixão!... Porém, levou consigo nossa alegria, embrenhada em seu olhar de incompreensível despedida e estranha esperança de que eu o entendesse, ainda mais esta vez, como você sempre me dizia: “Você me compreendeu, não é?”...
Deixou perguntas sem respostas e promessas que não mais poderá cumprir.... Como talismã, ficou o pedacinho de aço, que levou você daqui, porque, no paradoxo de toda dor, ele foi a última coisa que lhe tocou vivo, símbolo de sua única e fatal derrota.
Aí todos nós perdemos no perdido jogo da vida!
Hoje, a amargura da saudade no peito escorre em lágrimas quentes e salgadas, que não posso conter. Penso em você e vejo as palavras que não disse, os beijos que não dei, a tristeza que não compartilhei... Tanta vida perdida numa vida! Mas quem sabe, agora, onde você estiver, Mano, tenha encontrado suas respostas, tenha se encontrado a si mesmo, cheio de paz e de luz. E num dueto sonhado, eu e você continuamos companheiros, construindo uma nova história de amor! E outra vez você criança, e outra vez você menino, e outra vez você homem, e desta vez em todas.... e sempre....meu anjo, Emanuel, pele morena, crespos cabelos, sorriso iluminado, ternura imensa.
Não foi só alguém que partiu cedo demais, foi um amigo muito especial, que saiu cedo desta vida. E como você sabe disso, agora! Eu deveria ter adivinhado, que uma alma tão pura e sentimental, não agüentaria ficar por aqui, muito mais do que ficou...
Emanuel, continue a compor a sua música, porque, de algum jeito, tanto você quanto eu sabemos, que irei ouvi-la em meu coração, da mesma forma que ouço o sopro do vento, quando penso em você. E da mesma forma, como algumas vezes fomos cúmplices nas brincadeiras que aprontávamos para os outros, continuaremos, ainda que em dimensões paralelas, vivendo estranhas histórias de loucas esperanças. Mano, meu filho querido, vá com Deus. Que Ele Lhe abençoe e Lhe de a paz e a felicidade pela qual tanto ansiava, sem sequer imaginar!... Eu o amo muito; tanto, que me será quase impossível seguir meu caminho, distante de você!.... Contudo, em lágrimas, ainda agradeço a Ele por o ter tido Adair Emanuel!... Mesmo que por tão pouco tempo, doce anjo dos olhos travessos, cuja estúpida fraqueza foi ter amado quem não soube lhe merecer!...
Sei que em algum dia, talvez distante, talvez não, novamente estaremos juntos, você a compor suas fantásticas melodias e eu a completá-las com cascatas de poesias, ambos enchendo os espaços com a rima, que sempre soubemos encontrar, Mano, meu amigo. E aí, então, toda a mágoa, toda dor desta triste e insólita separação, se desfarão no nosso imenso abraço carinhoso, que transcenderá a nossa eternidade. Meu filho adorado, escondido entre as estrelas, sinto que me espreita, enquanto meu coração é trespassado pela espada aguda e dolorosa da saudade, que hoje nos separa... E então, pela primeira vez, igualo-me a todas as mulheres, compreendendo que você não é mais meu filho, e sim, o filho de todas as mães, porque você se tornou filho do universo!...




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