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Artigos-->A PUBLICIDADE, OS MEDIA E O DESPORTO(?) -- 16/08/2001 - 10:59 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando dos recentes Campeonatos Mundiais de Atletismo, realizados no Canadá, fomos mais uma vez alertados para a alteração de algumas regras e para a primeira tentativa de implementar outras. São medidas tomadas, não a bem do atletismo nem dos atletas, mas unicamente sob pressão das grandes cadeias de televisão que adquirem os direitos de transmissão por fortunas colossais e que querem espectáculos quase «esterilizados», sem pontos mortos .

Veio-nos à memória o caminho percorrido pelo desporto desde que o conhecemos. Ao princípio, pagava-se para praticar desporto. A pouco e pouco, os clubes forneceram os equipamentos, subsídios de transportes, subsídios de alimentação, ajudas de custo por horas de trabalho perdidas a treinar, subsídios para «alta competição», oferta de bons empregos e finalmente salários. Paralelamente, os atletas que - ao princípio - sentiam enorme orgulho em representar os «seus clubes», passaram a sentir sim a obrigação de trabalhar bem para os seus «patrões». Adeus amor às camisolas! Até as próprias selecções não escaparam à lei inexorável do mercantilismo ... Antes de cada grande competição ou jogo, é negociado o prémio a conceder, que variará segundo o resultado. Adeus à honrosa glória de defender as cores nacionais!

Quem resistiu ainda durante muito tempo foi o Comité Olímpico Internacional. Ainda nos lembramos de atletas castigados (às vezes com retirada de medalhas conquistadas) por terem feito publicidade a tal produto ou terem colaborado nos comentários em tal cadeia de televisão. Isto era, então, considerado – sob o ponto de vista olímpico – uma afronta às sagradas regras do amadorismo desportivo.

Que resta hoje de todo este passado ? A honra ainda de representar determinado clube ? Talvez mas, tal e qual, como aquele trabalhador que muda de uma empresa desconhecida para outra de renome. A honra ainda de representar o País ? Talvez mas, tal e qual, como qualquer outro cidadão que represente o seu país em qualquer outra actividade. Porque somos sensíveis, felizmente que ainda resta aquela emoção de ver subir as bandeiras nos mastros e escutar os hinos nacionais. Mas a emoção não é só do atleta ! – O próprio espectador vibra com o acontecimento. Valha-nos isso !

A única coisa ainda respeitada é a da proibição do uso de drogas, porque desvirtuam os resultados obtidos. Mas até quando? Sim, por este andar, até quando ?

Como se chegou a tal ponto ? Quem contribuiu para este estado de coisas ?

Em nossa opinião, foram os meios de comunicação social ( primeiro os jornais, depois a televisão) que começaram a intrometer-se no desporto quando, à partida, os media se deveriam limitar a aproveitar os diferentes eventos para cativar leitores, ouvintes ou espectadores ...

Mas ... acabada a época futebolística, por exemplo, como vender jornais? Muito simples. Organizaram-se provas de ciclismo e assim surgiram as «corridas clássicas» e as próprias «Voltas» de cada país. A mais célebre, a Volta a França, não foi mais do que uma organização do jornal L’Auto que mais tarde se tornaria no conceituado jornal L’Équipe. A imprensa aqui até se antecipava ao Desporto. Deixava de se limitar a relatar acontecimentos. Criava-os, duma ponta a outra, para melhor os relatar. A intromissão começava. A influência económica sobre o desporto abria as suas asas. Criara-se um acontecimento que dura um mês (ainda por cima de férias) e de que se fala o ano inteiro . A santíssima trindade desporto-media-dinheiro fazia a sua aparição meio século antes da televisão. Esta, mais tarde viria então mudar completamente as regras do jogo.

Mas a influência dos jornais no desporto sobressaiu ainda quando o saudoso jornalista Gabriel Hanot constatou que o seu jornal se vendia bem às segundas-feiras, para as vendas declinarem perigosamente a meio da semana. Que fazer ? – Talvez o primeiro gesto para a unificação europeia ! Surgiram as Taças Europeias, com jogos a realizar às quartas-feiras à noite. A partir daí, os media davam o «mote» e as federações nacionais e internacionais, para não perderem a face, iam atrás e organizavam.

Dois dos acontecimentos desportivos mais importantes a nível europeu tinham sido criados, com meio século de intervalo, sob a impulsão de lógicas que tinham pouco a ver com os princípios fundadores da competição desportiva.

A partir dali o desporto passava a ser concebido segundo imperativos comerciais e mediáticos, o desporto tornava-se atractivo pelos ganhos que cada um - desportistas, organizadores, media e patrocinadores – poderia granjear. Há alguns anos, este novo poder financeiro era ainda controlável mas, actualmente, as somas são já de tal modo astronómicas e os interesses em jogo tão grandes, que o controlo já não é possível.

Mesmo o Comité Olímpico Internacional teve de ceder. Adeus desporto desinteressado, impermeável a recompensas monetárias e em que as vitórias significavam apenas medalhas, renome e consideração ! Cada vez os Jogos Olímpicos se agigantaram mais, movimentando maiores somas. E todos têm de ganhar ! – Os organizadores, os media e os patrocinadores . Porque não também os «artistas» ?

A televisão baralhou completamente as regras do jogo, pois passou a pagar (caro) para transmitir um espectáculo e para ser veículo privilegiado de publicidade. E esta está por todo o lado ! – Nos cartazes publicitários que são filmados (agora até «movíveis», para render mais), nas camisolas dos atletas, nas botas, no restante equipamento, nas próprias bolas, nos pavimentos dos campos desportivos ... Tudo é vendável ... Tudo rende dinheiro ...

E as Federações e Clubes, segundo o seu maior ou menor valor, começaram a ver chover dinheiro . Já não eram só as bilheteiras e os subsídios oficiais. Agora eram os direitos de transmissão pela televisão e os patrocínios de marcas ... Estas querem rentabilizar o dinheiro que investem. Investem mais ou menos segundo o valor dos atletas ou das equipas. Fazem até contratos individuais, mesmo com treinadores. Não os viram já, nas conferências de imprensa, com bonés ostentando diversas marcas? E depois há os contratos publicitários com as selecções, com os clubes e individualmente com os jogadores...

Outrora uma manifestação tinha tanto ou menos notoriedade consoante o número de pessoas que ocorriam para a presenciar. Hoje essa notoriedade mede-se pelo número de pessoas que estão de olhos fixos no pequeno ecrã de televisão.

O futebol, por exemplo, transformou-se sobretudo num espectáculo televisivo (um estádio cheio representa uma ínfima parte do número de pessoas que assistem ao espectáculo) e transforma também jovens de vinte anos em estrelas com pretensões exorbitantes. Os clubes vivem muito acima das suas possibilidades ... E endividam-se ! E vão quase à falência ! E são vítimas de oportunistas farejando o dinheiro que circula em quantidade impressionante! E, no entanto, têm de continuar a investir, comprando novos jogadores, cada vez mais caros, para que a sua cotação não desça. Infernal ! – Círculo vicioso ou bola de neve?

Os patrocinadores em princípio não perdem, investem publicitariamente. Os jogadores também não, pois ganham para o pós carreira que chegará cedo... E os clubes afundam-se !

Os paradoxos sucedem-se : o tabaco cuja publicidade é proibida em vários países lá aparece nos fatos e nos carros dos corredores automobilísticos; as bebidas alcoólicas, desaconselhadas sobretudo aos jovens, patrocinam até selecções nacionais ... E insidiosamente tudo entra em nossas casas !

Os media têm o poder excepcional de transformar um desporto «desconhecido» num desporto de dimensão mundial ( e vice-versa). Eles não seguem o gosto do público, eles provocam o gosto no público.

Se os eventos desportivos não são transmitidos pela televisão, a publicidade vale muito menos... É mais um círculo vicioso em que os clubes se vêem envolvidos !

Se alguma modalidade se obstinar em manter a sua autonomia de decidir, elaborar ou modificar as suas regras em função de exigências apenas específicas, sem ceder às leis do «espectáculo» televisivo, está condenada a ser ignorada. Poderá ser pura, mas será pobre! A manter-se esta lógica, certas modalidades desaparecerão dos ecrãs, vítimas da guerra das audiências. O ténis, por exemplo, compreendeu a tempo o que estava em jogo e aceitou modificar a textura das bolas para que o Jogo não fosse tão rápido e se tornasse mais «visível»...

Com tantos interesses em jogo, com quantias exorbitantes envolvidas, os árbitros, principalmente do futebol, tornaram-se os bodes expiatórios. Não podem errar e estão sujeitos a todas as espécies de suspeições. Haverá porventura mesmo casos de corrupção. Quanto longe vai o tempo, em que os erros dos árbitros eram discutidos pelos adeptos e pelos media nos dias a seguir aos jogos! Agora, ali no segundo, há a repetição do lance, de vários ângulos, porventura alguns até não correspondendo à «visibilidade» que o árbitro teve no momento da jogada. Os árbitros pouco a pouco perdem o seu crédito, a sua autoridade e muitas vezes acabam por cometer erros, porque já estão de «cabeça perdida» ou porque querem compensar erros que cometeram anteriormente.

Há ainda a questão dos horários. A televisão quer impor o seu domínio sobre os calendários e horários dos acontecimentos desportivos e, mais uma vez, muitas instâncias desportivas cedem a estas pressões, deixando para segundo plano a integridade e respeito pelo atleta. Muitos dos jogos das competições europeias, que normalmente eram jogados nas noites de quarta-feira, são agora realizados à tarde ou mesmo na véspera à noite, para permitir uma melhor repartição das transmissões televisivas e multiplicar assim os espaços publicitários. Muitas provas de atletismo são realizadas a horas menos convenientes para os atletas, somente para que possam ser transmitidas a horas de maior audiência, nos países que compram essas transmissões. Provas realizadas nos momentos de maior calor (mesmo a maratona) são mais que muitas, desde que haja interesse em que elas sejam vistas àquela hora em determinado continente.

Será que o verdadeiro Desporto ainda existe ? Ou ter-se-á tornado em qualquer coisa que escapa ao controlo dos atletas, dos clubes, das federações, para ser dominado pelo poder dos media e da publicidade? Entretanto, os atletas, os treinadores, certos dirigentes, muitos intermediários, lá vão ganhando dinheiro «fácil», mas pondo em perigo a sobrevivência dos clubes, que se endividam até ao extremo para apresentar equipas fortes. Ainda um círculo vicioso porque, claro, sem boas equipas, não há receitas publicitárias nem bons contratos para as transmissões televisivas. Se não se conquistam títulos, não se ganham provas internacionais que trazem boas receitas. Assim todos investem e, como se sabe, nem todos podem ganhar... Agora já não se trata de perder ou ganhar determinada prova, determinada taça, determinada medalha ou determinado campeonato. São montantes fabulosos que estão em jogo. O Desporto tornou-se quase num jogo de Casino. Arrisca-se tudo e tanto se pode ganhar como perder. E perder muitas vezes pode significar a bancarrota !

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