O efeito de vinte anos
Vinte anos depois nos encontramos. Avistei-a de dentro do ônibus, no interior da padaria da esquina. Decidi descer na parada seguinte — que não era o meu ponto final. Ao vê-la, lembrei-me da época do ginasial, em que nossas carteiras eram vizinhas: conversávamos de tudo, éramos, até certo ponto, confidentes assíduos.
Era uma menina alegre, de olhar esperançoso e brilhante. Foram essas memórias que me convenceram a descer do ônibus antes da hora. Queria abraçá-la, reviver alguns daqueles momentos, e tirar algumas pérolas de dentro do baú velho e empoeirado.
Todavia, vinte anos não são vinte dias. Nascemos límpidos, transparentes — como uma bola de cristal. Mas o vento do tempo atua em nós, depositando grãos de poeira sobre nossa superfície e, ao longo dos anos, a poeira acaba ofuscando o brilho que tínhamos no cristal de nosso olhar.
Abordei-a por trás, por meio de um belisco macio na cintura. Disse-me “Oi”, sem dizer meu nome; “talvez nem lembre mais de mim”, pensei. Mal me olhou — conversava com uma senhora que comprava torradas.
Me fez poucas perguntas — protocolares: “Como vai?”, “Tudo bem?”. Uma expressão austera maquiava-lhe o rosto. Pouco restava: poucas palavras, sorrisos escassos; no cristal do olhar — pouco brilho, um brilho fosco, sem vida.
Friamente, despediu-se: “Um abraço” — sem abraço.
“Tchau!”
Não vi mais nela a menina do olhar brilhante, mas tão somente o efeito corrosivo do tempo, o efeito de vinte anos que, aparentemente, tinham depositado espessas crostas de amargura e frustação sobre seu cristal.
E ganhei, de gorjeta, um longo trecho de caminhada — por nada. Aliás, por uma coisa: pela consciência do efeito do tempo sobre nosso cristal.
Rio de Janeiro, 02 de novembro de 2017.
Por Leandro Tavares.
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