Percorro a rua Augusta. Chego à zona do meretrício. O monte de Vênus eleva-se dentro das casas noturnas. O relógio marca onze e cinco da noite. Entro em uma boate de nome “Sino’s Love”. O porteiro de gravata preta me informa as regras e o preço da “massagem”. Não ouço a tabela. Penetro o local. Encontro um enorme salão coberto por tapetes roxos. De um lado o balcão das bebidas, cujas luzes mal iluminam o recinto e do outro cerca de quinze prostitutas sentadas sobre o sofá estreito que contorna o estabelecimento. Muitas garrafas de whisky foram organizadas nas prateleiras do bar. As garrafas estão bem iluminadas. As mulheres estão escondidas. O sofá é uma péssima prateleira.
O Bar-man oferece-me uma pequena porção de amendoim. Cortesia do puteiro. Encosto-me no balcão e examino as prostitutas. Duas conversam com os clientes. O lugar está vazio. Outras duas fumam. As demais conversam entre si e uma delas come um espetinho de carne. Está sentada no canto do sofá com um prato de farinha apoiado nas pernas. Um homem sai do banheiro.
A mulher deixa cair farinha no queixo, passa a mão na boca e ajeita o cabelo. Chupa o polegar esquerdo e segura o espeto com a mão direita. Olha rapidamente o esmalte das unhas. Gordura de carne bovina estraga o trabalho da manicure.
O apetite da piranha é uma incógnita: quem confiará naquela boca para um sexo oral. A prostituta termina o espeto e diz: “Vou escovar os dentes”. Profetizo: “Ainda hoje um pênis incauto sairá daquela boca cheirando a menta”.
Pergunto ao bar-man o nome da mulher. Seu nome é Priscila. Obviamente é o nome de guerra. Priscila do Espeto, concluo. O apelido excita-me e os amendoins salgam-me a língua. Nem sabem torrar essas porcarias. Carvão não é afrodisíaco. Engulo a porção. Peço um refrigerante e, porque pedi algo tão destoante do ambiente, reflito: “O que planejo nesta casa de tolerância? Aqui eu não posso condenar o subgerente que, aliás, dispensou testemunhas”.
A mulher espeto retorna da escovação. Senta, olha para mim e sorri. Retribuo o gesto. Resolvo chamá-la. Ela se levanta e a gerência informa. “Priscila, o seu marido chegou”. Ela levanta os olhos fingindo surpresa e sai apressada.
Imagino estar diante de um tipo raro de fetiche. O marido prostitui a própria mulher para em um dia incerto procurá-la na zona. Fingir que é um cliente qualquer, entrar na fila de espera. Especular o preço, o nome e a idade da profissional. Nasceu em São Paulo. Gosta dessa vida de mulher perdida?
O bar-man me explica não se tratar do verdadeiro marido, mas um cliente tão constante e fiel, que a prostituta gosta de tratá-lo desta forma. Era o marido.
Desisto do sexo. Peço um copo de água. Saio do local. Mentalizo a boca da puta, os maridos do mundo e que a salvação da minha alma passou pelo sal dos prostíbulos.
DO LIVRO:"DEUS, A FERIDA E A PERIFERIA" (já exposto neste site)