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Artigos-->VAZAMENTO NO QUINTAL -- 16/11/2003 - 00:27 (J. B. Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VAZAMENTO NO QUINTAL

J.B.Xavier

15-11-2003



Imagine que você sinta um desconfortável mau cheiro vindo de seu quintal. Numa averiguação rápida, você constata que há um pequeno vazamento na rede de esgotos de sua casa. Considerando que o problema não é uma emergência, você promete a si mesmo que irá consertá-lo o mais rápido possível. Uma semana depois o mau cheiro aumentou muito e já afeta as casas próximas. Seus vizinhos começam a se queixar, cobrando-lhe uma solução para o problema. Numa nova averiguação, você descobre que o vazamento cresceu bastante, e que vai lhe custar mais do que você está disposto a gastar, para consertá-lo. Não estando disposto a se desfazer do dinheiro que você guarda há algum tempo para fazer a viagem dos seus sonhos, você decide jogar um pouco de terra sobre o vazamento. O Mau cheiro desaparece, os vizinhos param de se queixar e você sai para suas férias tranqüilamente.



Em seu retorno, porém, você encontra o caos. Seu quintal todo virou um lodaçal de águas pútridas, exalando um fedor insuportável que se sente a muitos quarteirões. Várias multas da vigilância sanitária estão sob sua porta, e logo aparecem os vizinhos dispostos a escalpelá-lo se não resolver o problema imediatamente. Nessa altura você já não tem mais o dinheiro para o conserto - que agora é de grandes proporções - e descobre que sua situação só pode ser resolvida de uma maneira: mudando-se dali rapidamente.



No Quintal Brasil, há um vazamento semelhante, que não foi consertado ao tempo em que era bem pequeno. Há época o mau cheiro era suportável e ocasional. Volta e meia uma atrocidade ou outra abalava a nação, porém eram raros e quase sempre muito menos graves do que os atuais.



Mas os donos do quintal Brasil – seus governantes – sempre ignoraram os avisos insistentes de que a sociedade brasileira adoecia de maneira inexorável. Resultado: o vazamento jamais foi consertado e há muito a nação enveredou para o caos social.



Hoje o fedor da podridão dessa lepra social é quase insuportável, mas os governantes não se preocupam com isso, porque vão-se embora a cada quatro anos. Mas os cidadãos comuns, não podem gritar “parem o país que eu quero descer!”. Eles tem que ficar, trabalhar e suportar as conseqüências da profunda irresponsabilidade de seu governantes.



O recente assassinato do casal de namorados em São Paulo é emblemático: o Brasil está doente. Seriamente doente. Não o Brasil das bolsas de valores, ou dos que gravitam em torno dos altos investimentos e da dinheirama – pública e privada – que se queima em nome de “altos ideais” patrióticos. Assim como um vírus causa a doença, mas ele próprio não fica doente, assim também o sistema perverso de distribuição de renda no país causa a maioria de suas doenças sociais, mas ele próprio não adoece.



Aí somos obrigados a ouvir o Ministro da Justiça dizer que “não podemos colocar um menor num sistema prisional deficiente”. Concordo. Concordo também que nenhum país que gaste mais com o sistema repressivo do que o com sistema educacional, como o Brasil, pode aspirar ser chamado de Nação. O aparato repressivo de São Paulo, o Estado mais rico da União, é impressionante. Só na Polícia Militar são 80.000 homens! O Exército Brasileiro inteiro tem 200.000. São cães, cavalos, avançados carros off-road, sedans de última geração, helicópteros, lanchas, e até bicicletas, tudo para tentar conter o vazamento social que espalhou-se pelo Quintal Brasil, por não ter sido consertado a tempo, com medidas sociais preventivas.



Os governantes brincam de governar, e a sociedade brinca de obedecer.



Desde o primeiro dia de governo, o foco do governante eleito é um só: como ganhar a próxima eleição e se perpetuar no poder. Os discursos, as inaugurações, as aparições em público, não têm outra intenção do que a de pedir votos.



Então somos obrigados a engolir a humilhação de um programa como o Fome Zero, até agora a coisa mais criativa que o governo atual foi capaz de idealizar, quando todos sabemos que é apenas uma forma de levantar fundos para a próxima eleição. Isto depois de 20 anos de oposição dando idéias “brilhantes” para resolver os problemas do país. Após a eleição, parece ter sido afetado, como todos os que o antecederam - pela “amnésia pós-eleitoral” fenômeno que apaga definitivamente da mente do governante todas as suas promessas de campanha.



É incrível que um governo proponha essa humilhação à sociedade: dar ao faminto um prato de comida, ao invés de gerar emprego que lhe dará a refeição de todos os dias. É incrível que um governo pense seriamente que irá resolver os problemas sociais, ou mesmo acabar com a fome, através desse artifício hipócrita. Mas mais incrível ainda é uma sociedade que aceita isso com tanta candura, esquecendo-se de cobrar ações concretas de combate à pobreza, como por exemplo uma reforma tributária séria capaz de promover uma distribuição de renda justa e de diminuir a profundidade do abismo social que separa ricos e pobres.



Não se vê um pingo de criatividade na maneira de governar. Os comícios eleitorais atuais tem o mesmo tom, as mesmas balelas, as mesmas técnicas de comunicação que aqueles que eu assistia sentado nos ombros de meu pai, molequinho ainda. Nada mudou, nem na retórica, nem na intenção, nem na ambição, nem na ação.



Mas a sociedade mudou. Ora, um problema sem solução é um problema resolvido! Então à falta de solução para os problemas sociais, a sociedade vai resolvendo por si mesma os problemas que tem, e promovendo suas próprias soluções – nem sempre as mais favoráveis.



À falta de emprego, o pai não consegue arcar com o essencial para sua família sobreviver. À falta desse essencial, os filhos não freqüentam uma escola. À falta de estudo vem o sub-emprego com salários miseráveis e altamente desmotivadores, o que acaba desaguando na criminalidade, nas drogas e na inutilização de grande parcela da mão-de-obra do país.



No outro lado na moeda, há uma casta de abastados que erguem muros ao redor de suas mansões, na tentativa de se proteger dos “bárbaros”, miseráveis, famintos, e, por isso mesmo, perigosos.



Esta casta não pode ser tampouco responsabilizada pelo fedor do Quintal Brasil, porque, afinal de contas é ela que empreende, que, por bem ou por mal, gera oportunidades e riquezas. O que ela faz é exatamente o que se espera de um empreendedor num país capitalista: ganhar dinheiro. Ela simplesmente se aproveita – eticamente ou não – do que lhes faculta a lei. Paga uma montanha de impostos e raciocina que não lhe diz respeito a maneira como o governo vai gastá-lo.



Fala-se muito em “governante” mas não se fala em “estadista”. Há uma diferença notável entre um e outro. Segundo Mestre Aurélio, governante é “quem ou o que governa” e estadista é “pessoa de atuação notável nos negócios políticos e na administração de um país”.



Neste quesito nossa história não ajuda em nada. Nosso último estadista, talvez tenha sido D. Pedro II – homem culto e de visão abrangente, a despeito do que digam os fãs de Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek.



Ao ver chorar o delegado que investigou a morte do casal de namorados em São Paulo – um homem de 60 anos, calejado policial com 22 anos dirigindo delegacias na Grande São Paulo e mais de 3.000 casos investigados – tem-se uma idéia da atrocidade do crime. Palavras dele: “O que mais dói é saber que esse garoto ficará na FEBEM somente até os 21 anos. Depois estará livre!”



O fedor do Quintal Brasil extrapolou os limites do suportável. Tanto que já começamos a nos acostumar com o mau cheiro e já quase nem o notamos. Já nem olhamos curiosos ao ver os garotos com o rosto enfiado num saco de plástico cheio de cola. Uma moça mandou matar os pais em S. Paulo. Semanas depois, um pai matou toda a família no rio e em seguida suicidou-se. Já não se fala mais nisso. Convivemos com siglas do mundo do crime como se fossem meras siglas de nosso dia-a-dia. É como se estivéssemos de volta á Chicago dos anos 30, só que perto de nossa violência, Al Capone era um anjo.



Morrem em média 50 pessoas em S. Paulo, entre sexta feira à noite e segunda feira de manhã. Apenas baleados! É muito, até mesmo para Capone! A polícia Já matou, somente em 2003, mais de 700 pessoas em S. Paulo! E ainda se fala nos 111 de Carandiru... No Rio de Janeiro os números são ainda mais alarmantes.



Enquanto isso vê-se os governantes, ministros e quetais dando entrevistas sorridentes, rechonchudos e felizes.



Vale lembrar o que disse o pai da garota assassinada em S. Paulo: É preciso que aconteça com a filha de um deles, para que eles saibam o que estou passando!”



Eu acrescentaria: Eles têm uma eleição à frente para se preocupar, por isso não prestam atenção à sua dor. Já o senhor terá uma sepultura para visitar e muito a chorar, pelo resto de sua vida!





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