Tantos anos...tantos anos...
e só agora percebo:
ainda estou brigando com a morte...
estacionada naquela madrugada.
Naquela gélida madrugada.
Mil pensamentos em minha mente.
Pensamentos que nunca me atrevi a repetir em voz alta,
ou a colocar no papel.
Mas hoje...hoje eu preciso.
Preciso dessa catarse.
Vomitar o que me envenena desde então.
Olhava para a caneta em minhas mãos...
símbolo de um amor que não pôde ser entregue.
O que escrevo com ela?
O que assino?
O atestado de óbito?
O cheque para o caixão e as coroas?
Ou assino a revogação de mim mesma?
Rasgo meu diploma, e ficamos assim...
Faz de conta que nada existiu.
Tenho que sair...ir junto...
Dirigindo sozinha,
seguindo o carro do necrotério.
Cortando a noite fria...
menos fria do que a lâmina
que me atravessa o coração.
Resolver tudo sozinha...sozinha.
Como agora...como sempre.
Quer este modelo, ou aquele?
Estas flores ou aquelas?
Aqui está a sacola com as roupas.
Volto para casa.
O frio é intenso.
Sob o chuveiro,
água o mais quente possível,
tento me aquecer.
Impossível aquecer a alma.
Tantos anos...tantos anos,
e o desejo novamente...
de me colocar sob a água quente.