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Artigos-->Pensando em Jônatas (ou: quero ver não gostar de literatura) -- 07/08/2001 - 21:42 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Certa vez, em conversa com Uilcon Pereira, meu amigo e parceiro na promoção de inutensílios variados, comentei sobre a dificuldade que tinha em convencer os alunos a intervir durante alguns espetáculos por mim dirigidos e apresentados na faculdade em Araraquara.



Eu insistia para que lessem textos, por exemplo, com aqueles que diziam não ter nenhuma outra habilidade ou dom apresentável. Essa seria uma possibilidade bastante factível e eficiente. A leitura driblaria o problema maior alegado, que era ter de memorizá-los.



Os alunos, no entanto, eu dizia ao Uilcon, não conseguiam achar que ler textos fosse alguma coisa. E o Uilcon, com aquele seu ar zombeteiro de quem veio ao mundo para desafiar seus poucos semelhantes e inúmeros dessemelhantes, armou-se do olhar mais sacana de que dispunha e, cofiando a barba num gesto característico, disparou: "Mas -eu pergunto - é alguma coisa?" E eu nem sabia que tinha a resposta na ponta da língua: "Num país como o nosso, de maioria analfabeta, quem sabe ler já é um espetáculo." O Uilcon me deu a mão, reconhecendo, na frase para mim também inesperada, um lampejo de verdade.



Só que eu mesmo tive de morder a língua, de amargar coisas imsuportáveis, ao ver minha insistência recompensada, por exemplo, com a adesão de alguns péssimos leitores. Dois deles (eram dois, meu Deus!) acharam de ler (gaguejar seria mais apropriado!) "O operário em construção" (!) do Vinícius de Moraes, e isso para uma platéia de leigos absolutos, num lugarejo perdido nos confins da Califórnia brasileira, a um solitário microfone roufenho, com uma lampadazinha pendendo do teto à guisa de holofote, sobre aquilo que se convencionou ser o palco. O público em pé, não havia cadeiras, e a poeira a subir do chão de terra. Foram os 15 minutos mais dolorosos da minha existência como diretor de espetáculos-mambembe.



Escolher o texto apropriado é o passo decisivo. Pela escolha do texto, já é possível distinguir o bom do mau leitor. Esse ficou sendo o meu critério dali por diante. E, de tanto insistir com os outros, um dia achei de propor a mim mesmo aquele desafio, de tentar ser interessante para uma platéia de 500 pessoas com a leitura de um texto de prosa literária.



Escolhido foi um conto do livro "A máquina peluda" do Ademir Assunção, que acabava de ser lançado e nos chegava às mãos. Um miniconto chamado "curta metragem", de 16 linhas, construído com os mesmos requintes com que o poeta Ademir elabora seus versos. A justaposição como procedimento sintático privilegiado. Frases simples e diretas, na descrição nua e crua de uma felatio (gulosa, para os mais crus e diretos ainda), de um "intercurso libidinoso por via oral" (no melhor estilo das definições tucanas).



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Intervalo para mais uma do Millôr Fernandes: Um mudo também é capaz de fazer sexo oral?

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Vão ver que o que me propus fazer foi um desafio e tanto. Como elemento decisivo na intensificação das surpresas em que o texto já é pródigo, pesava o fato de ser eu um professor, com idade suficiente para não ficar por aí falando bobagens e inconveniências em público, diretor do espetáculo e etc. Tudo isso deve ter contribuído para que as gargalhadas iniciais fossem pouco a pouco se transformando em risos contidos, para desembocar num silêncio quase completo, quebrado, ao final, por uma explosão impossível de ser contida, um uôôôôÔÔÔH! em uníssono, como se tivesse sido ensaiado. Era tudo o que eu, o ousado leitor daquela noite, tudo o que o autor ou um eventual cineasta poderiam almejar ao final de sua performance.



Com vocês, o conto magistral do poeta Ademir Assunção, que se acha na página 77 de "A máquina peluda" (prefácio de Boris Schnaiderman), Ateliê Editorial, São Caetano do Sul, SP, 1997.



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curta metragem





sim: todos os músculos do corpo se estiram no sentido norte/sul. a mão, seda aveludada, desce até a altura da barriga, um pouco mais abaixo, e começa a abrir o zíper da calça, dedos delicados tiram para fora o pau enrijecido como uma pedra, a cabeça pronunciada, vermelha, sanguínea. os dedos envolvem o pau com firmeza, apertando, forte, como se quisessem fundi-lo ao próprio corpo, mão e pau, uma só carne. o vaivém, para frente e para trás, arranca suspiros, respiração cada vez mais forte, gemidos, princípio de uma explosiva loucura. quando o líquido viscoso, branco, grosso, quente, esvai-se pelo pequeno orifício, ela pousa os lábios na cabeça do pau, envolve-o inteiro, acaricia, suga com prazer e, com a faca na mão esquerda, corta-o bem rente à virilha.



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Para quem acha que ler um texto em público não é nada, fica aí a sugestão e o desafio. Um texto com o qual consegui alguns dos meus melhores resultados diante de qualquer platéia. 500 espectadores não conseguindo reprimir um grito de espanto ao final da leitura, convenhamos, é uma experiência inesquecível, para o leitor e para seus ouvintes.



Não, não me julguem pretensioso nem nada. O grande mérito, afinal, é do próprio texto. Mas, repito com toda certeza, o momento decisivo é o de sua escolha. E isso vale, na verdade, mesmo para a leitura individual e silenciosa. Digamos que os alunos brasileiros não têm tido tanta sorte com as escolhas que são obrigados a aceitar.



A verdade é que ninguém resiste a um bom texto. Falo do alto desse meu feito histórico. Seja uma platéia de estudantes de segundo grau ou de faculdade, com razão refratários a esse tipo de risco, que sempre pode redundar em massacre auditivo; seja o público de um show de variedades como OXOUNOSSO, instado a ser todo orelhas entre um número de dança moderna e um videoclip, entre um esquete humorístico e uma apresentação musical ou filme de animação.



Eis aí um critério em esboço: um texto literário que resista a esse embate com tantas outras linguagens, produzidas que são para a fruição coletiva, só pode ser um bom texto. Por isso, recomendo (recomendem) "A máquina peluda" do Ademir Assunção. Quero ver não gostar de literatura.
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