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Artigos-->U-News (1) -- 05/11/2003 - 17:40 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
U-News

Ibitinga, quarta-feira, 04 de novembro de 2003.

O Primeiro Caderno de Notícias Escrito do Jeito que eu Quero.



U-News

(Com o Perdão de já Nascer sem o Trocadilho)



Em homenagem à ZPA, professor, polemista, escritor, usineiro, tradutor, poeta, crítico, viajante de longa data, de alheias e longínquas plagas, que, diferentemente do que se imagina, existe, sim, de se pegar, como diria Drummond a propósito de Guimarães Rosa, e que, apesar de prerrogativas em contrário, garanto que é um sujeito bacana, simpático, contador de causos, criador de casos, com seus acordes dissonantes, desafinando o coro dos contentes, numa escrita errante, às vezes tímida - feito elefante em Liliputi -, altissonante, mas que, não há negar, desafia os rumos da inteligência média, da literatura séria, confinada nos desvãos das mãos devidamente autorizadas de tantos chupins desmemoriados. Em homenagem à ZPA – que alguns, oficialmente, chamam José Pedro Antes, outros José Pedro ou Zé Pedro, e que já pode reivindicar para si o direito de ser só uma sigla, signo, quem sabe: esta fábrica de notícias.



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Marcelo Mirisola está lançando seu novo romance, “Bangalô”. Só pude espiar alguns trechos, fragmentos, excertos, passagens, frases, pedaços, que me chegaram através do amigo garimpeiro ZPA. O Mirisola é o escritor contemporâneo que a crítica contemporânea ama odiar. Não é para menos. Desde os livros de contos “Fátima Fez os Pés Para Mostrar na Choperia” (1998) e “O Herói Devolvido” (2000), passando pelo “romance de deformação” “O Azul da Filho Morto” (2002) até esse “Bangalô” (2003), Mirisola não faz nada que não seja azucrinar uma classe-média subserviente, idiotizada e patética, asfixiada pelos subprodutos oferecidos pela mídia, pela sociedade de consumo, fundamentada sobre a égide da publicidade e da propaganda, esfregando na cara dela o lixo cultural que nos circula diariamente, há mais de vinte anos: a cozinheira Ofélia Anunciatto, os apresentadores Flávio Cavalcanti, Bolinha, Blota Jr., Amauri Jr., Xuxa, Uma Thurman, Carla Carmurati, Trio Parada Dura, todos personagens incidentais de uma literatura que se faz como um soco bem dado na boca do estomago, violenta e agressiva, em que o sexo transparece como a componente mais patética e frustrante de nossa alminha minúscula, combustível de nossos enganos pessoais e intransferíveis.



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“Vera fazia uns trambiques para sobreviver, exalava uma catinga de loura aguada na hora da foda e, poucos meses antes de morrer de AIDS, a vi atrás do balcão de um boteco sórdido. Se deu mal. O tipo da mina que boqueteava com o olhar, foi a primeira que eu comi no leasing. Eu explico. Uma língua pequena, dentes amarelados e pernas compridas, cometia uns erros de português quase toleráveis e me chamava de “Pai” antes, durante e depois de chupar minha pica, embora eu estranhasse sua dicção a chamava de “Mãe”, em primeiro lugar por força do nosso contrato de leasing, depois para descontar os erros de português e para retribuir o obséquio e, por último, evidentemente pra não gozar”. (“O Azul do Filho Morto”)



“Creio que são duas opções nesta vida. ou o sujeito é um bunda-mole. Ou tem colhões. O problema é a semelhança entre a primeira e a segunda opção. Ou seja, é na babaquice e na ignorância – em se tratando de mamilos envelhecidos – e no preconceito velado, na hipocrisia e na covardia, que eu alimento minhas taras de generosidade e misericórdia. Um dado cristão. Aprendi, ao longo do tempo, a respeitar e ter medo do Cid Moreira, enfim, pelo canalha que ele é. A mesma coisa vale pro Sílvio Santos, pro Caetano Veloso e o Show do Milhão. A redenção via “boquete”. Optei, em suma, por ser um bunda-mole”. (“O Azul do Filho Morto”)



“Começava o outono e a praia mal gerida pela natureza do explorador, bem como a morte depois da morte, em nada o surpreendia. O céu s esvaziava de areia. Domingo é dia de macarronada e de televisão. Um beijo de cigarro e uma tristeza infinita. Não pertencer. O contrário de não saber. E não explicar o porquê. Longe da terra, assim é quando a gente conhece pela primeira vez a língua da fumante. A terra é pequena e redonda lá de cima. é a impressão perdida. é o beijo não dado. De que se tem notícias. Ambos, enfim”. (“Longe da Terra”. In: “Fátimas Fez os Pés Para mostrar na Choperia”)



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Mirisola também é capaz de cenas líricas. De uma certa e estranha fé no ser humano, que quase tem a ver com amor, compaixão, ou autopiedade, não importa, isso quando é capaz de irromper camadas e camadas de cinismo calculado. Nossa impostura. Essa indiferença que vai baixando na luz que nos confrange. Mas não fala em amor, nem fodendo. A paixão é a última estação no inferno que, segundo Sartre, já foi e acredito mesmo que ainda é os outros. Mas Sartre tem vários infernos memoráveis: o da peça Hui-Clos, por exemplo, em que um homem está condenado a partilhar a eternidade com duas mulheres. O inferno do Mirisola, além das gôndolas do Carrefour, do restaurante por quilo e do McDonald’s, é povoado pela sombra difusa de incontáveis mulheres. As mulheres que, ao longo dos anos, foram nos dizendo não, e das quais o narrador – um alter ego do próprio Mirisola? – se vinga sem raiva, fúria ou cabala. Embora não dispense nunca um certo desprezo – deliberada provocação.



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Dos contos do cara eu recomendo: “Fátima Fez os Pés Para Mostrar na Choperia”, “Longe da Terra”, “Hildegard”, “Pepê, um Cara Legal” e “Basta um Verniz Para Ser Feliz”, o melhor: um raio-x irônico e mordaz da vida conjugal, familiar e profissional do Casal Duarte, em que o pai é um veado enrustido, a mãe Lésbica, o filho mais velho uma bichinha que quer fazer Escola Superior de Propaganda e Marketing e a filha mais nova uma biscate. Ah, ia me esquecendo: o cachorro do casal, o Elton John, também não escapa e vive levando uns pontapés do narrador, amigo íntimo do Casal Duarte, que nunca perde a oportunidade de pedir dinheiro emprestado e de oferecer seus serviços de conselheiro sentimental. É do narrador o conselho para que a mulher do Duarte enfie o dedo na bunda do marido – “Enfia, enfia que ele vai gostar!”. Em “Basta um Verniz Para Ser Feliz”, tudo recende à ressentimento barato, à falsidade e dissimulações: a vida minúscula de uma classe-média fodida, estropiada, pagando a conta do analista para não ter de necessariamente saber quem é.



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Para quem quiser conferir, soube hoje pelo ZPA (Valeu, Zé!), o Mirisola estreou como colunista do AOL Notícias, ao lado de Maria Rita Kehl, poetisa, escritora e psicanalista que, para quem não sabe, lançou o Mirisola depois de ler os originais de “Fátima Fez os Pés Para Mostrar na Choperia”, enviados pelo autor a Marcelo Coelho, o colunista da Folha de São Paulo. O prefácio de “Fátima...” é da própria Maria Rita, que afirma, logo no início, que quando descobriu o envelope junto as coisas do marido e foi verificar o conteúdo, descobrindo um livro do contos, pensou: “Contos... Que coisa mais anos setenta”. A Maria Rita é um luxo! E escreve bem pra caralho. Vale a pena ler ela também.



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“Aí eu parei pra respirar. Há muito tempo – desde que li Roddy Doyle, em 1995 – eu não era surpreendida por um escritor muito bom. Continuei lendo, e só me ocorriam avaliações banais, chavões desses onde o leitor se diz sob o impacto de um novo escritor. Literatura. Uma voz forte. Uma liberdade impressionante. Não se parece com ninguém, não é “nova geração”, não tem truques para “prender o leitor”, crimes, suspenses, ação, sexo. Por outro lado, só trata disso. Crimes e sexo. Só que nada acontece, como pode?”.



-Do Prefácio de Maria Rita Kehl



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Mas não pensem que os crimes narrados por Marcelo Mirisola tenham alguma coisa a ver com os nefandos crimes de Sir Arthur Conan Doyle, Dashiel Hammet, Agatha Christie, Rex Scott, Patrícia Melo ou Rubem Fonseca. Os crimes de Mirisola não envolvem cadáveres, assassinos, policias em crise de consciência, bêbados e perdidos. Os crimes de Mirisola são de ordem moral, porque transcendem os limites da ética, daquele conjunto de valores, em larga medida artificial, estabelecido pela sociedade para manter os homens sob controle. Os crimes de Mirisola têm mais a ver com pulsões inconscientes, com taras, com desarranjos de foro íntimo, com tesão, em suma. Os instintos básicos do ser humano. Conflitos e frustrações. Cinismo e mendacidade. A impossibilidade e a impotências absolutas para qualquer tipo de redenção. Somos todos fajutos! Inconsistentes, mordazes e perdidos. O ser humano, afinal de contas, também faz mal.



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“Não vá pensar o leitor que ficaremos no terreno pentelho da “literatura crítica” que se espalhou pelo Brasil na obra dos contistas dos anos setenta, onde o escritor fala sempre a partir de uma espécie de lugar nenhum, um lugar que é de simples “denúncia”, convidando o leitor a uma cumplicidade esperta “contra o que está aí”. A literatura de Mirisola não é “crítica”, é exasperada. Se nenhuma estória se conta, embora muitas comecem a ser contadas, é porque o narrador, sujeito da enunciação, tropeça o tempo toda na verdade irredutível de seu desejo, sua “doencinha” (“que é a doencinha, que é o meu amor, que é a doencinha, que é o meu amor...), e engasga de fúria diante da facilidade com que os outros, “os tais sãos”, abrem mão dela para “viver uma vidinha de armarinhos”.



-Do Prefácio de Maria Rita.



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Mirisola pode ser filho de Luciano de Samósata, de Petrônio, de Rabelais, de Lawrence Sterne, de Jonathan Swift, de Marquês de Sade, de D. H. Lawrence, de Henry Miller, de Louis Ferdinand Céline, de Mempo Girardinelli, de John Fante, de Jack Kerouac, de William Brurroughs, de Georges Bataille, de Robert Musil, de Thomas Bernhard, de Machado de Assim, de Dalton Trevisan, de Ruben Fonseca, de João Antonio, de Nelson Rodrigues, de Plínio Marcos, ou de tantos outros benditos malditos da história da literatura. Mas não duvido que há de ser, um dia, o avô de todos nós.

O caminho está aberto, mas é preciso ter colhões para andar impunemente por aí. Para descobrir que a literatura, como já escrevi em algum lugar, é uma maldição que também cansa!



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Caro ZPA,



Espero, de alguma forma, ter contribuído para uma certa visão de Marcelo Mirisola. A idéia do U-News, nem preciso dizer, tomei de empréstimo – roubei, assaltei, plagiei descaradamente mesmo - ao U-Zine.

A primeira notícia aqui dessas bandas, bem como o primeiro número desse caderno de notícias fica em tua homenagem, do Jônatas Protes, do Alexandre da Silva Biaziolli, e de alguns poucos corajosos que desafiaram os padrões do gosto, do bom-mocismo, essa impostura filha-da-puta que alguns carregam por aí como fossem porta-estandartes da inocência e da moralidade mais desbragada, do falseamento e da mascaração mais grotescas, e se aventuraram pela escrita hiperbólica, violenta e agressiva do Mirisola.

Assim, corrijo uma gafe quase imperdoável que cometi há algum tempo, quando escrevi um artigo sobre o Marcelo para A Tribuna Impressa em que afirmei acreditar que pelos lados de Azaraquara, apenas eu e o Alexandre havíamos compreendido o cara. Gafe corrigida. Afinal de contas, você também compreendeu muito bem o cara.

Atenciosamente,

Márcio Scheel.



P.S – Esse primeiro número também vai para o Ricardo Oliveira e para o André Luis Aquino, dois leitores atentos que encontrei aqui nessas paragens. Um abraço, moçada! E como diria o Pernalonga: “That’s all, folks”.



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