A única coisa que pode tornar melhores os homens deste mundo, à parte da misericórdia divina, são a imaginação e a criatividade dos escritores. Se, acompanhando Miguel Torga na sua tentativa de questionar, pela boca do corvo Vicente, o arbítrio de um Ser supremo que divide a humanidade entre salvos e condenados, criarmos mundos nos quais a figura de um Deus justo a quem deveremos prestar contas de nossos pecados esteja totalmente ausente, assumiremos a condição de inapelavelmente imersos em uma fantasia da qual nem em nossos momentos mais lúcidos conseguiremos extrair benefícios que satisfaçam nossa inquietude espiritual.
Como disse Santo Agostinho, esse genial e santo homem, nossas almas não descansarão enquanto não repousarem em Deus, seu único e verdadeiro refúgio. Muitos fogem dessa constatação abrigando-se em fortalezas mentais forjadas com base em teorias de inegável engenho e sutileza, contudo obstinadamente vazias quando comparado o conforto que elas propiciam às angústias das quais procuram fugir os homens em sua interminável busca pelo sentido da existência.
Segundo a ciência demos saltos evolutivos do decurso dos tempos, indo da posição primata àquela em que avistamos o horizonte sem precisar erguer a cabeça; o mesmo não se pode afirmar da posição antiga, espiritualmente falando -- desde que o primeiro homem resolveu se apartar de Deus, seguindo aos tropeços seu destino -- de não olharmos um pouco mais acima, ao céu, de onde nos observa Aquele de quem estamos fugindo.
O problema, aos que permanecem nessa fuga, é que um dia suas esperanças quanto à suposta mentira sobre a existência de Deus, do diabo, do céu e do inferno, que suas teorias materialistas tão ferozmente combatem, revelar-se-ão em uma poeirazinha soprada por toda a eternidade pela boca de Quem sempre rejeitaram.
Não diz o néscio em seu coração: “Não há Deus?” Pois bem, naquele dia, Ele perguntará: “E agora, o que tens a dizer?”
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