Como refere Queiroz, “o jogo caracteriza-se pela aplicação de certos procedimentos antagánicos”, organizados de uma forma bem definida e complexa “a que chamamos lógica interior do jogo”.
Estrategicamente deverá procurar desenvolver-se uma dialéctica desportiva em moldes de engano, pela sistematização das imprevisibilidades técnico-tácticas (individuais e colectivas) estimulantes do erro adversário, a par do desenvolvimento da consciência individual do prazer da responsabilidade na estrutura colectiva do jogo.
A afirmação competitiva pretende-se, então, a exteriorização intelectual de mecanismos gestuais variáveis e independentes que se relacionam colectivamente no estímulo ao erro adversário, na simultaneidade de evitar o erro que esse adversário lhe procura estimular.
Esta componente de oposição permanente exige da atleta uma antecipação das decisões momentâneas de análise, resolução e execução de procedimentos individuais em que a cumplicidade do grupo (equipa) ditará a exequibilidade das condições de sucesso num dado momento, num determinado jogo e ao longo da época desportiva.
A atleta deve estar, no tempo exacto de antecipação da decisão, na plenitude das suas aptidões técnicas, físicas e volitivas, para vencer uma vontade colectiva contrária; essa aptidão encontra a sua substância na dialética comum das imprevisibilidades, na afirmação plena da vontade e na disponibilidade física esencial.
A antecipação intelectual das nuances de engano adversárias (cognição do imprevisível, por absurdo) torna-se ela mesma no próprio advir (serei a partir do que fores) o que define, claramente, a panóplia imensa dos gestos individuais e colectivos, na simultaneidade inversa quando na posse de bola (procurarei que não consigas ser a partir do que sou).
A complexidade de dialéctica colectiva, em todas as suas variáveis internas e externas, reside no inter-relacionamento que se constitui, a cada instante, como jogo (associação-oposição) e dentro do código de regras do próprio jogo.
Ambos os conjuntos de elementos (o colectivo e a parte) devem responder, no imediato, a situações surpreendentes (e constantes) numa sincronia de conceitos abstractos de antecipação de resposta e acção de engano que se constitui, por si mesma, como a “lógica interna do jogo”.
Para tal, evidencia-se a dificuldade primeira, a meu ver, numa qualquer estrutura colectiva - o surpreendente, novo a cada instante prático, trabalhado consciente e metodicamente nas Unidades de Treino.
A jogadora deve responder, ou, preferencialmente, antecipar a decisão da acção, a uma oponente, enquanto o colectivo tem de decidir, por antecipação, a qualquer situação de jogo, exterior a si, sendo pela coerência das decisões reactivas individuais que se estabelecem as condições favoráveis ao gesto mais ácil, o golo.
Temos, então, a afirmação de uma vontade sobre outra, o estímulo ao erro adversário pelo engano que intelectualmente lhe promovemos.
O desporto de competição alicerçou os seus fundamentos de sucesso no trabalho, na humildade, na disponibilidade física, na inteligência direccionada, na qualidade dos gestos técnicos individuais e colectivos e na antecipação das decisões espontâneas que diferenciam a aptidão volitiva nos confrontos desportivos.
Para que tal se evidencie será indispensável a estabilidade emocional das atletas, confinadas ao seu papel na estrutura, a par do cumprimento rigoroso do plano de treinos, organizado numa tendência progressiva, adjacente aos patamares evolutivos do indivudual e do todo e em que as vertentes física, técnic, táctica e volitiva deverão ser figuradas numa base ondulatória e integrada.
Uma jogadora de futebol é uma atleta de elite que pratica uma modalidade para a qual sente atracção e treina de forma metódica.
Um indivíduo é diferente do outro, encarando o substantivo como assexuado. Nessa diferença reside o encanto do comportamento individual e colectivo nas suas diversas vertentes.
Também a sensibilidade, a estética, a afirmação atlética, a capacidade de sofrimento, o estímulo evolutivo, entre tantas outras formas de análise, diferem de indivíduo para indivíduo, de atleta para atleta.
Esta constatação leva-nos a compreender a necessidade de uma leitura diferenciada dos gestos técnicos, mesmo ao acesso a um novo costume pela sistematização de suportes competitivos complementares e eficazes.
Acreditamos que o futebol feminino, como qualquer outra actividade ainda no limiar da sua existência organizada, reúne as contrapartidas atléticas e estéticas para um desenvolvimento rápido e sustentado.
Para tal, devem os agentes desportivos reunir em si mesmos essa compreensão e as particularidades próprias do sector, a saber:
- Um leque etário alargado, onde as capacidades desportivas devem ser cuidadosamente trabalhadas, numa perspectiva abrangente e positiva;
- A afirmação de um outro tipo de sensibilidade, numa postura competitiva igualmente ambiciosa;
- A natureza cíclica da sua afirmação orgânica.
“Um facto nada é em si próprio; só vale pela ideia a que se liga ou pela prova que fornece” (Bernard – 1783)
Pela objectivação de uma ideia, pela estruturação sistemática dessa sistematização, pela prática integrada de comportamentos colectivos (técnicos, físicos e psicológicos) se processam os mecanismos essenciais ao desenvolvimento das múltiplas nuances parcelares (os gestos individuais consequentes ao plano estratégico colectivo) que constituem a natureza do jogo.
Para tal é necessária a adaptação da ciência do treino às particularidades de cada situação concreta, sendo que, definitivamente, o nível óptimo de activação do comportamento se caracteriza pela vontade inovante, desencadeadora de processos de tensão interna e reagente (Nideffer, McClelland e outros investigadores das Ciências do Comportamento), sendo ainda que, a nosso ver, o prazer da responsabilidade se constitui o móbil regulador do processo de auto controle da motivação, fundamental ao sucesso de qualquer actividade social, ou desportiva.
No futebol moderno, para além da técnica individual da atleta, é determinante, então, a inteligência direccionada, a educação da vontade, a gestão correcta da da concentração, o inter-relacionamento desportivo, a potência física, os acordos técnico-estratégicos de grupo, entre outros inúmeros factores ponderáveis.
Sendo que o todo (o colectivo) é uma realidade para além da simples adição das partes (o individual), devem ser pesquisados, intelectualizados e treinados os acordes inovantes de aptidão a cada instante prático competitivo.
O Prazer da Responsabilidade traduzir-se-à no Prazer de Si, enquanto Som de Um Todo, numa afirmação plena de consciência e identidade colectivas.
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