Hoje estou feliz, dentro e fora de mim, como é feliz a felicidade.
Não sei.; estou calmo, não tendo vontade de revoltas e a luta do mundo paira na distância.
É estranho que eu esteja a escrever.
Eu, um ser talvez, uma vibração
que sente a existência.
Tudo parou de repente.
Sinto o peito morno, quase quente,
uma agradável sensação de bem-estar,
quando não há dor nem amor,
apenas existência.
E sou feliz, profundamente.
Não estou preocupado com deveres nem com problemas.
A pena é ágil sobre o papel.
E tenho um único desejo.;
o desejo de adormecer, de descansar.
Não quero sonhar.; quero apenas transcender,
na comunhão da paz de mim mesmo,
a recordar coisas que não aconteceram
e que não poderão acontecer.;
coisas vagas, dispersas.
Invade-me a felicidade
e tudo toma a forma de ser,
forma intangível,
como a própria felicidade que não compreendo.
Meu desejo mais profundo,
aquele que está sempre comigo,
que me ensinaram,
é que eu gostaria de o mundo,
ou parte dele,
pudesse fruir da mesma felicidade,
nem que fosse da felicidade que transmito,
ou conto,
ou tento comunicar.
Realizo-me na felicidade,
dentro da inconsciência geral do ser,
consciente dessa inconsciência,
sem paradoxos, sem sofismas.
Agora poderia abranger o mundo, porque respiro e penso, porque sinto e vibro.
Compreendo agora o sentido profundo de ser agnóstico,
mas agnóstico que sabe esperar,
sem esperanças,
Assim como algo que se percebe ao longe,
indefinido, incompreendido,
que não se crê,
que se teme, mas que se acha que deve estar lá, porque não podemos fugir a isso.
Hoje estou feliz,
muito feliz, e não procurarei nada: tudo virá por si mesmo.; tudo aqui estará!
Perdôo o mundo que me fez sofrer,
perdôo tudo,
até mesmo minhas fraquezas,
que deveriam ser forças.
Sou feliz, sinto-me feliz.
Não quer dizer que estou alegre, nem triste:
a felicidade independe do homem.
Estou apenas feliz,
porque me sinto feliz
e acho que assim devo estar.
Não quero me aproveitar da felicidade para elogiar o ser.
Não sei fazer conceitos quando estou feliz:
agora eles não existem.
Tudo que me cerca está mudado,
porque eu mudei
e o santo que me olhava por baixo
já se tornou um bom homem:
talvez chegue até a santo.
O relógio que marca o tempo passante apenas faz isso: perdeu seu sentido metafísico.
A energia que move a caneta, refugiando-se na natureza, cumpre apenas sua missão.
Tudo é, e sou feliz
e não sinto nenhum prazer,
nem tormento:
sou simplesmente feliz,
tão feliz quanto qualquer pássaro,
ou som, ou átomo.
Sou feliz, feliz, feliz, feliz, feliz,
dentro da imensa felicidade que sempre existiu.
Penso que, se sofresse, permaneceria feliz,
ou se amasse,
ou se me angustiasse,
ou se cresse,
ou se sofresse.
Nem mesmo o cansaço e o desejo de repousar conseguem desfazer minha felicidade.
Ela se tornará imanente ao meu ser.
Assim o prometo.
Hei de cumprir,
nem que me torne infeliz...
18/19.12.57.
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