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Discursos-->Hércules Florence faz duzentos anos -- 03/03/2004 - 19:38 (Francisco A. Florence) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um pouco da história de Hércules Florence


Introdução


A família Florence no Brasil, como se sabe, teve sua origem por meio de um só homem que residiu, durante quarenta e nove anos, em Campinas onde teve todos os filhos de seus dois casamentos. Seu nome completo era Antoine Hercule Romuald Florence e ficou conhecido, entre nós, como Hércules Florence. Nasceu em 1804, em Nice e, órfão de pai, antes dos quatro anos de idade, residiu em Mônaco, durante quase dezesseis anos, com sua mãe e irmãos.
Dois importantes acontecimentos mudaram a trajetória de sua vida: o ingresso na Marinha Real Francesa e a participação na Expedição Langsdorff.
Ingressou na Marinha Real Francesa aos dezenove anos de idade, como aprendiz de marinheiro. E, em abril de 1824, como tripulante do navio francês “Marie Thérèze”, chegou ao Rio de Janeiro onde resolveu permanecer. Assim, deixava, definitivamente, a Europa sem saber que passaria o resto de sua existência no Brasil.
Se tivesse ficado em Mônaco sua vida tomaria rumo muito diverso e não enfrentaria as adversidades próprias do Novo Mundo que revelaram a sua genialidade.
Em 1826, durante os preparativos para a Expedição Científica esteve, por cinco meses, hospedado em Porto Feliz na casa de Álvares Machado onde conheceu sua filha, Maria Angélica, com quem se casaria em 1830.
Se não tivesse participado da Expedição chefiada pelo Barão von Langsdorff não conheceria Álvares Machado e nem viria até Campinas em 1829, após o término da viagem fluvial. Teria, muito provavelmente, permanecido no Rio de Janeiro, ou partido em algum navio francês, como quase acontecera em 1825 quando se sentiu tentado a embarcar.
Hércules foi, principalmente, artista, aventureiro, cientista e inventor.

O Artista

Seu pai foi professor de desenho em Nice. Seu avô materno estudou pintura em Roma. Um de seus tios maternos ganhou o primeiro prêmio de pintura na Academia da França. Outros membros da família de sua mãe também tinham predileção pela pintura.
Hércules, portanto, herdou a predisposição genética para a arte pictórica. E recebeu, também, influência do ambiente, pois a casa de sua mãe, onde havia muitos quadros e desenhos, era visitada por amigos que apreciavam a arte. Assim, cedo se manifestou sua inclinação natural para o desenho que aprendeu sem mestre.
No Brasil, em setembro de 1825, foi contratado para a função de segundo desenhista da Expedição Langsdorff e fez desenhos e aquarelas de índios, escravos, plantas, animais, rios, cachoeiras, cidades e lugarejos que visitou, durante a viagem.
Quando se interessou pela formação das nuvens, os céus de Campinas lhe inspiraram belas aquarelas. E elaborou, sob esse tema, um estudo que denominou “Atlas Pitoresco Celeste” ou “Tratado dos céus, para uso dos jovens paisagistas”. Desejava reproduzir exatamente as cores e os diversos aspectos do céu pois acreditava que era possível, através da pintura, transmitir todos os efeitos da luz como eles se manifestam na natureza.
Em 1832 desenvolveu alguns estudos que denominou "Tableaux Transparents de jour" que consistia em produzir pequenos furos em determinados espaços que representavam as luzes e os reflexos na tela. O efeito era conseguido quando se observava o quadro em um aposento escuro e com a luz de vela, ou do sol, incidindo apenas atrás da pintura.
Pintava também sob a óptica do cientista e isso pode ser conferido, por exemplo, na aquarela que fez dos Apiacás, cujas aldeias visitou em abril de 1828. Reuniu, numa só tela, vários aspectos da tribo. Cada índio, em primeiro plano, está com determinado tipo de ornamento e de pintura corpórea, feita com suco de jenipapo ou urucum. Em segundo plano, há uma gamela com farinha de mandioca e duas índias socando milho no pilão.
Hércules foi professor de desenho no Colégio Florence, destinado à educação feminina, fundado em Campinas, em 1863, pela sua segunda esposa, Carolina Krug, natural da Alemanha. Em 1876, o Imperador D. Pedro II visitou o Colégio e elogiou suas aquarelas.
A arte lhe inspirou algumas pesquisas como: ensaio sobre a impressão dos quadros a óleo ou estampas coloridas, emprego do óleo de rícino na pintura e o que denominou de: cellographie, aquarrélographie, pintura solar, pintura cisparente e estéreopintura que seria um processo de pintura a óleo para produzir os efeitos de luz como ocorrem na natureza.
Além de artista do lápis e do pincel comprovou, também, ter sido artista da pena. E, como escritor e poeta, seu diário de viagem se destaca pela correção e nitidez de suas descrições.


O Aventureiro

Esta fase de sua vida, representada pelas viagens que fez, por via terrestre, marítima e fluvial, iniciou na adolescência quando foi influenciado por algumas leituras como “ As aventuras de Robinson Crusoé”, do escritor inglês Daniel Defoe.
A leitura de Robinson lhe despertou o espírito de aventureiro e desejou viajar e conhecer o mundo.
Aos dezesseis anos, em navio fretado por rico comerciante de Nice, embarcou para Antuérpia e, sem conseguir emprego, logo retornou a pé e de carona para Mônaco. Aos dezenove anos foi aceito na Marinha Real Francesa e, como aprendiz de marinheiro, foi designado tripulante do "Aníbal" que era navio de guerra desarmado. Mais tarde, passou a fazer parte da tripulação de outro navio de guerra denominado "Marie Thérèze" e participou do bloqueio de Barcelona. Em fevereiro de 1824, partiu, nessa mesma fragata, para uma viagem de circunavegação. Após quarenta e cinco dias, navegando pelo Atlântico, desembarcou no Rio de Janeiro onde se empregou em loja de tecidos e resolveu permanecer.
Tinha vinte anos de idade e considerava que os verdadeiros bens da vida consistiam na simplicidade, no trabalho e na tranqüilidade da imaginação. Tinha avidez pelo saber, desejava conhecer o mundo, se instruir e progredir no estudo da ciência.
Aos vinte e um anos de idade foi contratado pelo Barão von Langsdorff para participar de uma Expedição científica ao interior do Brasil e, durante três anos e seis meses, viajou por terra, mar e grandes rios, percorrendo e conhecendo cidades como: Santos, Cubatão, São Paulo, Jundiaí, Campinas, Itu, Porto Feliz, Cuiabá, Diamantino, Santarém e Belém.
Sua fase de aventureiro foi interrompida antes dos vinte e seis anos quando se casou e se instalou em Campinas.


O Cientista

Tinha cerca de dezesseis anos de idade quando passou a se dedicar ao estudo de matemática e física. Nesta época, já fazia projetos sobre vastos canais de navegação e sonhava com máquinas hidráulicas e movimento perpétuo. Aos dezessete anos idealizou uma bomba para puxar água que denominou de Nória hidrostática e que foi melhor elaborada em 1838.
Tinha um bom conhecimento sobre química que lhe foi muito útil para a concepção, elaboração, pesquisa e execução da fotografia, entre os anos de 1832 e 1839.
Seu primeiro trabalho de estudo e pesquisa e que revelou seu pensamento científico foi sobre a Zoofonia que publicou em 1831 com o título de: " Pesquisas sobre a voz dos animais ou ensaio de um novo objeto de estudos, oferecido aos amigos da natureza ".
Era um artista com observação de cientista e um cientista com intuição de artista.
Em seu manuscrito descreveu os estudos e as pesquisas que fez sobre a descoberta da fotografia.
Escreveu também sobre outros assuntos, como: nória hidro – pneumática, estudos dos céus para o uso de jovens paisagistas, meios de imitar perfeitamente o luar e o brilho das estrelas nos quadros transparentes, a compressão do hidrogênio para ser usado na pilotagem dos aeróstatos, e um sistema para a fabricação de chapéus de palha.
Em 1841 publicou um folheto intitulado “Ensaio sobre a impressão das notas do Banco por um processo totalmente inimitável, precedido por algumas observações sobre a gravura das mesmas notas, e o modo de se conhecer as que são falsas”.
Em 01 de agosto de 1853 publicou um folheto poligrafado composto de 16 páginas sob o titulo “Descoberta da Poligrafia”.


O Inventor

A fase da invenção teve início em 1830 quando estava residindo em Campinas.
Para imprimir seu estudo sobre a Zoofonia iniciou as pesquisas relacionadas com um sistema mais simples e acessível de impressão que denominou Poligrafia. Uma das propriedades desse sistema era permitir a impressão de todas as cores simultaneamente. O objetivo de Hércules era, também, a reprodução de seus escritos e desenhos. Com o passar dos anos, fez uso prático da Poligrafia mantida em constante aperfeiçoamento até que em sua fase mais adiantada não havia necessidade da prensa para imprimir. Desejava obter a melhor impressão, da maneira mais simples possível.
E, se dedicando a essa nova atividade, concebeu a fotografia, ou impressão pela luz solar, em 1832. Sua primeira experiência fotográfica se deu em 15 de janeiro de 1833 quando improvisou uma câmera escura e obteve, depois de quatro horas de exposição, a imagem do que podia ser observado através de uma das janelas de sua casa em Campinas.
Usou o processo fotográfico para obter cópias por contato de diplomas maçônicos e de rótulos de farmácia, pois sua intenção era usar a luz solar como método de impressão.
Abandonou suas pesquisas depois que soube, em 1839, que Daguerre havia, na França, descoberto o modo de fixar a imagem em chapa de cobre.
Dificilmente a invenção da fotografia não seria anunciada naquela época, pois vários pesquisadores europeus estavam envolvidos com sua descoberta.
Todavia, ao contrário do que sucedeu na Europa, sua invenção no Brasil, mais precisamente em Campinas, se deveu quase que tão somente à genialidade de Hércules pois, segundo alguns autores, o meio social, econômico e cultural em que ele vivia não lhe oferecia, de maneira satisfatória, as condições apropriadas para seu trabalho.
Seus estudos e pesquisas relacionados com as invenções também incluíram: Nória Hidrostática, que seria uma bomba hidráulica de alta pressão destinada à irrigação, papel inimitável, emprego dos tipos – sílabas, quando emendou cada consoante com uma vogal para simplificar o trabalho da composição tipográfica, dicionário sinóptico que sempre é aberto na página onde está a palavra que se procura e pulvografia que é impressão por meio do pó.


Previsões e pioneirismo

Quando tinha apenas vinte e um anos já denotava sua grande capacidade de observação e dedução. Esteve com essa idade, durante alguns dias, em Cubatão e constatou que o clima naquela área nunca seria saudável, pois as montanhas ao seu redor não permitiam uma boa circulação do ar. E, de acordo com sua previsão, Cubatão, muitos anos mais tarde, foi considerada uma das cidades mais poluídas do mundo, com a produção de fumaça de suas fábricas.
Foi um dos pioneiros em trabalho de pesquisa no Brasil, ao publicar seu estudo sobre a Zoofonia, a nova ciência que havia descoberto e que no século vinte passou a ser conhecida como Bioacústica. Foi o primeiro a tornar evidente que o sinal sonoro de comunicação animal é especifico. Previu que florestas seriam destruídas pelo fogo e pelo próprio homem e, como resultado, animais seriam extintos ou dizimados. Essa seria uma das razões para que a descrição das características dos animais incluísse, também, o tipo de som vocal que produzem. Uma das comprovações atuais do que observou é o fato de que em florestas tropicais densas, que não permitem a visualização de pássaros, suas espécies sejam identificadas apenas pelo tipo de canto que emitem. O ornitólogo Jacques Vielliard o considera “Pai da Bioacústica”.
Sabia que a impressão teria a facilidade dos dias atuais, ao escrever: “deve ser tão fácil imprimir, como escrever com pena, tinta e papel ”. E com o uso prático da Poligrafia, introduziu a impressão gráfica no interior do Estado de São Paulo.
Foi um dos precursores mundiais da fotografia e o pioneiro da América, segundo Boris Kossoy. Foi pioneiro no registro do termo fotografia ( photographie ). Foi precursor no uso da amônia para auxiliar a fixação da imagem. Utilizou o papel em seus ensaios fotográficos antes de Talbot que historicamente é considerado o primeiro. Em 1833, aos vinte e nove anos, escreveu que seria possível retratar uma pessoa e, a partir da imagem negativa, obter a positiva. Em julho desse mesmo ano, citou que seria encontrado um meio de fixar no papel as cores dos objetos fotografados.
Pode ser considerado um pioneiro pesquisador das nuvens, segundo o meteorologista Rubens Junqueira Villella.
Foi quem instalou a primeira tipografia em Campinas onde foi impresso, em 1842, o primeiro jornal do interior do Estado de São Paulo, denominado “O Paulista” cujo idealizador e principal redator era o padre Diogo Antonio Feijó.
Foi o primeiro a fazer um relato detalhado a respeito dos índios Apiacás. Foi quem primeiramente ordenou e organizou o material da Expedição Langsdorff. Foi o responsável pela divulgação pioneira a respeito dos feitos da Expedição, com a publicação em 1875 de seu diário de viagem, traduzido pelo Visconde de Taunay que o considerava Patriarca da Iconografia Paulista.
Fez, em 1839, o primeiro desenho a lápis da cidade de Limeira.
Em seu diário de viagem fez detalhadas descrições das palmeiras que julgava belíssimas. Escreveu que elas representavam um pequeno templo onde se via a coluna, o capitel e a abóbada. E em 1852 idealizou uma sexta ordem de arquitetura usando a palmeira como modelo, lhe dando o nome de Ordem Brasileira ou Palmiana. Hoje um projeto desse tipo seria considerado uma aplicação da biônica na arquitetura.
Teve importante papel na etnografia e na iconografia do país, retratando a paisagem, os rios, a vida econômica, a mentalidade, os usos e costumes da população.
Para o historiador Komissarov que o considera o “Leonardo da Vinci” do Brasil, suas aquarelas, além do significado científico, se destacam também pela arte pessoal que, até o momento, não foi reconhecida. E o zoólogo Paulo Vanzolini menciona a fina qualidade artística de suas obras.
Enfim, segundo o escritor Mário Carelli, estudiosos contemporâneos reconhecem que Hércules foi o pintor, topógrafo, etnográfico, e naturalista mais fidedigno do Brasil do início do século XIX.

Conclusão

A possibilidade de realizar um sonho é que torna a vida interessante.
A existência da família Florence no Brasil se deve, principalmente, à realização do sonho de adolescente de Hércules que, desejando viajar pelo mundo, desembarcou no Rio de Janeiro e, dois anos mais tarde, participou da Expedição Langsdorff. Foi assim que passou a viver distante de sua terra natal, fixando residência em Campinas onde, depois de dois casamentos e muitos filhos, veio a falecer aos 75 anos de idade. Não conheceu todas as regiões da Terra, como pretendia, mas deixou aos seus descendentes uma rica herança genética.
O conhecimento da história de sua vida desperta a memória ancestral e permite a cada Florence identificar em si próprio o talento que herdou.
Talento que, de alguma forma, revela a sensibilidade e a intuição do artista, a coragem e a ousadia do aventureiro, a sabedoria e a perspicácia do cientista, ou, a criatividade e o engenho do inventor.

Fim


Discurso proferido em 29 de fevereiro de 2004 no Hotel Royal Palm Plaza de Campinas por ocasião da comemoração dos duzentos anos de Hércules Florence pelos seus descendentes


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