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Artigos-->Por falar em Roberto Carlos (uma reedição) -- 06/07/2001 - 23:16 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"O importante é que emoções eu vivi"

(Roberto e Erasmo Carlos)







É sempre um acontecimento extraordinário, em nosso cotidiano, darmos de repente de cara com pessoas que, de tanto vê-las filtradas pela fotografia e pela televisão, quase não podemos mais imaginar feitas de carne e osso.

Nos grandes centros, nas grandes cidades, tais encontros deixam de ser impossíveis, mas nem por isso menos surpreendentes. É quando nos damos conta da nossa exclusão, da banalidade a que nos vemos relegados pelo sistema criador de mitos e de estrelas.

Me lembro de um texto magistral de Gabriel Garcia Marquez, em que o criador de "Cem Anos de Solidão" relata um desses encontros, com ninguém menos que Ernest Hemingway, em meio ao burburinho do Boulevard Saint-Michel, Paris. Depois desse texto, sempre vivi uma expectativa absurda, a de que um dia viria eu também a cruzar, ali mesmo, com Gabriel Garcia Marquez, mais não fosse, para depois poder dar continuidade a uma brutal sucessão de acasos. Tal não aconteceu. Lamento ainda.

Mas foi ali mesmo, em Saint-Michel, que eu pude viver um desses encontros. Foi no início de 1981, não me lembro ao certo, ao término de mais uma das minhas noitadas de "virtuose de la guitarre", segundo o Pariscope, atuando no histórico "Le Discophage", em pleno Quartier Latin. Nessa casa noturna e restaurante haviam atuado, antes de mim, Vandré e Tuca, quando no exílio parisiense, Teca Calazans e Ricardo, Les Étoiles (Luiz Antonio e Rolando), Nararé Pereira, alguns dos futuros integrantes do Quinteto Violado. Ali eu fiz um pedaço da minha história que durou oito meses, antes do meu retorno ao Brasil. Do jet-set parisiense e europeu, para não falar das presenças brasileiras, ninguém iria adivinhar que eu apenas encerrava uma etapa, bastante provisória, das minhas andanças. Nem eu tinha tanta certeza, mas já desconfiava de que não seria aquele o meu caminho. E nem por isso fui menos aplaudido e requisitado. Uma das grandes emoções foi, sem dúvida, ser convidado a me sentar à mesa com uma das vedetes da minha infância, a atriz italiana Lea Massari, cujos filmes nunca me foi permitido ver. Para ela, mais do que cantar, eu "falava diretamente ao coração das pessoas, quase sussurrava coisas aos seus ouvidos", eu me recordo. E em nenhum momento eu duvidei da sinceridade daquelas palavras carinhosas. Ela estava mesmo emocionada de falar comigo, que também estava emocionado de poder falar com ela. Em que língua falávamos, eu já não me lembro mais. Teria sido em italiano? Francês? Português mesmo? Quando Giulieta Massina me viu cantar em frente ao Duomo de Milão, foi em português que conversamos longamente enquanto Federico era assediado por uma multidão que ali se reunia.

Mas volto àquele fim de madrugada, em Saint-Michel, quando, já bastante sonolento, me dirigia a pé até a Île Saint-Louis, atrás de Nôtre-Dame, onde vivi algum tempo em casa de Georges Moustaki, com quem vinha trabalhando no projeto da tradução de alguns de seus sucessos para um disco em português que nunca aconteceu. Ali me orgulhava da vizinhança com Astor Piazzola e com uma das musas da minha adolescência, Françoise Hardy (quem ainda a conhece?). Ali pude passar um dia memorável em companhia de Jorge Amado e Zélia Gattai, para quem cantei durante algumas horas de uma tarde fria.

Mas voltando a Saint-Michel mais uma vez, para comprar um ou dois jornais do dia, me detive numa das grandes bancas ali existentes, uma que fica exatamente em frente ao Café aux Deux Magots. Distraído, de repente ouvi a meu lado alguém pedir o Le Monde, mas com um sotaque baiano daqueles inconfundíveis. Olhei e estarreci. Era Glauber Rocha. Ele me olhou e eu só soube lhe dizer que o conhecia. A resposta foi mesmo bem marota, bem Glauber: "Tem mais é que me conhecer mesmo". Depois trocamos algumas palavras rápidas. Queria saber o que eu fazia. Disse que iria, à noite, me ver no Le Discophage, mas acabou não o fazendo. Me perguntou por um personagem qualquer, com um nome muito estranho, algo assim como Epaminondas, que eu desconhecia. Disse que estava indo a Veneza, para o festival. Sabe-se que, de lá, o cineasta voltaria muito desgostoso com a fraca recepção do seu filme "A idade da terra". Glauber morreria poucos meses depois, em Portugal, de septicemia, conforme foi anunciado; ou de AIDS, como quiseram outros, a bem da verdade. Morreu de Brasil, diz a interpretação de sua mãe, repetida por alguns articulistas apaixonados pelo gênio e inconformados com o descaso com que se viu tratado nos seus últimos meses de vida.

Mas eu não pretendia falar desse encontro fortuito com o nosso cineasta maior. Queria sim, acabei me desviando, falar de um outro encontro em São Paulo, na Barão de Limeira, um pouco adiante do edifício de onde transmitia a Rádio Excelsior. Rua movimentada, poderia nem ter-me dado conta de que era ele. Espantoso, quase não acreditei nos meus olhos, era o Abelardo Barbosa, um ancião, o velho palhaço, o Chacrinha. Caminhava mesmo como um ancião, os óculos fundo-de-garrafa e o andar hesitante de quem já não enxerga um palmo adiante do nariz. Ao passar por mim, a piada quase sem palavras. Houve palavras, sim, poucas, porém suficientes para a compreensão do funcionamento de uma das nossas mais extraordinárias mentes criativas, de um dos nossos maiores gênios da comunicação. Ele se voltou para mim e perguntou: "Onde é?" E eu não precisei perguntar do que se tratava. "É ali" - respondi, ajudando-o a chegar até o portal de entrada do edifício. Mais alguns passos e o grande Chacrinha adentrava o seu reino, que também é o nosso, o das comunicações de massas. Foi na Rádio Excelsior, depois Globo, que ele comandou os seus vibrantes programas radiofônicos ao longo de muitos anos.

Às vezes, me pejo de seguir contando essas aventuras improváveis, tanto elas parecem ser mentiras, petas, histórias da carochinha. Mas, por outro lado, sei que não posso me furtar à forte emoção que me ficou desses momentos. São momentos em que, de repente, também damos de cara com a nossa humanidade. Ver e ouvir os nossos mitos, saber que também são feitos de carne e osso como todos nós, voilà, é um reconforto, nos faz sentir melhores em nossa irremediável humanidade, com todo o cabedal de ilusões que essa nossa condição requer e que os meios de comunicação de massas tão bem sabem explorar.

Massas de pessoas, é o que somos, mas momentos como os acima descritos nos devolvem a individualidade, como na vivência dos mitos, das lendas, das narrativas, das lorotas que inventamos para que a vida não seja tão sem graça.



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