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cronicas-->O FOGARÉU DO URUBU - ou como se sentir pequena -- 05/09/2012 - 00:50 (Tânia Cristina Barros de Aguiar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma da tarde. Sol de rachar.
Dia de frutos. Desde as oito, entre outras coisas, fiz umas trinta estacas de amora espinhenta, mergulhei no enraizador, espetei no composto... tomara que vinguem. Quando vier a chuva, encho a cerca de amoras perfumadas. Aqui tem doce, entre espinhos.
Tó inspirada, fiz moqueca de filhote, com azeite de urucum, à moda capixaba. Mãe fica alegre, adora, com pirão. Filha também.
Almoçamos e vou fazer o kilo. Meio quebrada, os espinhos venceram as luvas, mas... ulaláááá. Essa é minha vida. Amo plantar.
Dia bom, este. Finalmente arrumei uma secretária. Meio turrona, mal humorada, ouve pouco. E eu falo nada. Seremos uma dupla terrível.
Dia bom, mesmo. Fiz o primeiro terraço no desnível, depois de tirar milhares de pedras que vieram rolando, rolando, ao longo de décadas. Quero acabar isso antes das chuvas, para acalmar as águas que vêm na encosta. E ter muita terra fértil para plantar ipês, ingás, capitães do mato, moringas e... claro... hortênsias. Amo as hortênsias.
Ainda, algum hortelã pra curar as cólicas da Lara, um manjericão aqui e acolá, uns girassóis para atrair as lagartas do milho doce que vamos ter pra um curau da Jack, que mãe adora.
Não vai ter o kilo hoje. Leonardo liga. Pede para pegar todo mundo e ir passear no shopping. Logo eu, que não gosto de shopping. É que ele acha que vai queimar tudo, parece que uns grileiros atearam fogo no cerrado, perto da torre digital, pra forçar um loteamento.
Filho, vou sair não, a gente vai ter que ajudar , aqui tem brigada da comunidade, vai dar tudo certo. Ele fica preocupado, mas tem que desistir. Sabe como eu sou. E Lara anda às turras com umas gritarias que ninguém pode afirmar que sejam birra. Vai ao médico.
Puxa, olho pela porta da cozinha e vejo o fumaceiro no alto do morro. Ligo pra Tinho, brigadista voluntário e o ponho em alerta. Ele quer ir ver o fogo comigo, de carro.
Resolvo consultar uma vizinha mais do alto, me preocupo com Dona Cila. Ela me acalma - não, chega aqui não, os bombeiros tão cuidando. Somos pequenos pra esse fogo.
Sossego, confio. Não devia. As pessoas se enganam.
Tinho, que é tinhoso, não se conforma e vai simbora. Nem vi a hora.
Passam uns minutos e lá vem carro desembestado, Tinho na janela gritando - Tània, Tània. A pobre vizinha, que veio trazer o Tinho pra pegar o abafador, a bombona, volta de ré e estoura um carro parado na porta do vizinho. "Desculpa, desculpa". - Vai embora, pode ir -; aí, não lembro de abrir o portão, ela grita, a diarista do outro vizinho repete o apelo - abre o portão. Abri.
Corro pro quintal e peço pro diarista ir ajudar o povo lá em cima - vai pro Renato, vai pro Renato, se acabar o fogo, cê volta, fica lá enquanto precisar.
Aí, eu começo a chorar... Amanda, o fogo tá na Araguaia, vou com o Tinho. Amanda - vou também.
Penso - o que levo? Só lembrei da pá. Já vi em filme que se joga areia. Treinamento eu tenho de CIPA, com extintor.
Lá vem Tinho com o abafador, nervoso. Subimos. DEUS! Fogaréu.
Sobe a banda de rock, os donos do estúdio. Céus! Da mangueira, sai de fio de água, na casa do João de Deus. E lá vem o fogo, o povo enchendo balde, - graças, tem torneira boa - o barulho dos abafadores. Quebra o da mocinha, filha da outra que dizia que éramos pequenos mas estava lá, jogando água no fogaréu. Quem pensava... Só o Leonardo. Leonardo é fibra. Pode apostar. Sabia que chegava.
Arrisco umas pás, mas quem acha areia nesse cerrado pedregoso. Me distraio e me vejo no meio duma fumaça... agora entendo o que é incêndio. Impossível respirar. Corro pra Araguaia, enxergo nada, uso o chapéu para tentar respirar, depois pra abanar a fumaça. Dou de cara com o cinegrafista, corro pro outro lado, pego a pá de novo, volto e desisto. Muito quente. Mas o povo não desiste e lá vou ajudar e pegar balde, me sinto uma tonta, inútil. IMPOTENTE. Aí um espinho de sansão agarra no meu braço e o galho vai subindo, parecia cena de filme de terror... Respiro, seguro o galho e desenrosco ele do meu braço. Incha na hora. Cruz.
Ó gente de fibra. Dominam o fogo que já adentrava a chácara do João de Deus. Mas lá vem ele, o vento muda, vai descendo... ai meu Deus. Corro pra casa, pego mangueira, garrafão de 20 litros, volto... tudo torneira com água fraca no vizinho de cima. Quando finalmente chego adiante... ai, viva... tá tudo dominado...

Volto pra casa, quando olho de novo pela porta da cozinha, lá longe o fumaceiro e o vento forte na nossa direção. Pensei... pensei...putz, a mina dos vizinhos, tá tudo queimando... o coração aperta, mas vamos correr e molhar o capim da chácara em frente ao nosso quintal. Eu fiz acero, mas o terreno vizinho não fez. Fogo alto, acero não segura. Mas, sem acero, é pior. Sorte que eu tirei as pedras e o capim, aqui não propaga. E se o fogo chegar aqui , não passa. Isso feito, litros e litros de preciosa água jogados no capim seco do outro lado, subo no terraço e vejo o fogaréu vindo, uma vizinha gritando - vem todo mundo ajudar, o fogo vai passar...

Deus, tá chegando no córrego, vai queimar tudo. Chamo Amanda, a gente sai correndo com dois baldes e um facão, a pá... entramos de sapato e tudo e vamos subindo pelo córrego. Do outro lado, um pessoal olhando, logo fala - é, vão molhar pra o fogo não alastrar. E somem... Tá... mas logo aparece gente e nos pega os baldes, vai enchendo, aparecem cestos de lixo vazios, um furado... putz. O que eu faço? Desnorteada, pego o facão e vou cortando os bambus secos, o capim seco, me enrolo nos espinhos, sai sangue pelas mãos. Não posso cair, não posso cair nas pedras, quebra tudo, tenho osteospore... quase rio de mim mesma. Só tenho o facão, o que posso fazer é isso, tirar o mato seco e jogar na água, para o fogo não atravessar o Sagui... neste ponto é estreito demais, mato seco dos dois lados, se o povo lá em cima não segurar, o fogo vai passar. De novo, o povo segura o fogo. Eu tenho orgulho de morar aqui, no meio dessa gente.

Então, o cara de camisa verde, que tava carregando balde aparece com uma filmadora - desta vez não posso correr pro outro lado - , me ouviu comentando que o fogo teria sido provocado por grileiros, quer me entrevistar, jura que não vai sair em jornal. Nem viva, moço! - Ah, moço, entrevista a Amanda, ela é atriz. Eu nem falo! - A amiga dele entende minha agonia e me salva - isso aí, a Amanda já falou pra você. Ele fica meio decepcionado e vai embora. Ela me conta onde mora e que um dia volta para conversar. Tão bacana, a moça, alto astral, cheia de intenções e boas energias pra doar.

De repente, pànico, desconfiei que tinha fogo perto de casa, pensei em mãe sozinha, o pessoal que tá fazendo o tanque de ferrocimento já deve ter ido embora - Amanda, pega os baldes, vamos pra casa. Desembesto córrego abaixo, paro adiante, nada de Amanda. Ai Deus, será que o fogo recomeçou... grito, grito, Amanda, Amanda e nada... vou seguindo devagar, olhando pra trás, gritando, sem saber se volto ou sigo!

Vislumbro a cachoeira, dois meninotes puxando seu fuminho... atravesso o córrego, uso o facão e a pá pra me equilibrar nas pedras que escorregam... não posso cair, tenho osteospore.. Ai, que saco. Amaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaannnnnnnnnnnnnnda!
Nada.
Fico parada, olhando, vejo o balde furado, os restos de fogueira antiga e, finalmente, ela surge. Voltamos pra casa.

Que dia. O fazedor de caixas dágua, talvez para se desculpar por não ter ido ajudar, me diz - eu não sei o que farei quando chegar minha vez. E eu - como? É, diz ele, fogo lá em Pirenópolis sempre tem, os hippies se queimam todos, os cabelos compridos incendeiam, porque eles se desesperam para apagar e aí eu já vi muita gente queimada. Tá, digo. É. Vou falar o que? Pànico é pànico. Eu sei.

Dou tchau, aviso que uma vizinha quer falar com ele. Volto pra casa, tomo meio litro de água, vejo se mãe quer mingau e penso o que vou fazer de petisco pra reunião das 7. É , temos reunião aqui dos moradores sobre o processo de regularização. Decido - pão de queijo, café, água gelada e chega, que tó acabada.

Ah, péra, vou ver o jornal, deve ter noticia sobre o fogo.
PQP.
Lá estou eu, no vídeo, correndo da fumaça, estabanada. Ufa, acabou. Ninguém vai me reconhecer. É. Aí, apareço eu de novo, com a pá, olhando pro fogaréu. Mas, enfim, ninguém viu minhas lágrimas.








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