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Contos-->Favela da maré -- 04/09/2001 - 01:38 (Eduardo Henrique Américo dos Reis) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Amanhã vai ser outro dia. Amanhã vai ser outro dia. Amanhã vai ser dia.” Apesar de você – Chico Buarque

De repente, ouviu-se tiros. As crianças já sabiam o que fazer. Para atrás do sofá, de baixo da mesa, deitados no chão. E ela tapava as orelhinhas sujas do bebê que chorava.
A morte é uma rotina tão constante como sentir fome. Pelas manhãs as crianças brincam com as latas no esgoto navegando através de sonhos naquele mar de realidades. Ali é onde tudo fede e o cheiro da carniça da morte do gato falecido de morte morrida passa a ser sinônimo de comida na mesa. Uma mesa metafórica que somente na expressão existe.
A musica rola alta. A senhora lava a roupa. O vizinho dá a notícia. Mais um barraco caiu. O aparelho de TV vai para a praça no sábado de sol. Tem Raul Gil. Motivo de alegria para a molecada. Talvez muito mais alegria do que a bola furada achada no lixo.
O homem do centro comunitário veio avisar que tem carta. Bem que poderia ser da prima corajosa que foi para o Rio. A felicidade acaba quando a luz é cortada e a dona de casa diz não saber o porquê. Se subesse lê as palavra inscrita.
Apareceu um homem. Forte e bonito. Ofereceu os serviços. Num dá, num tenho dinhero. Mais deve de tê uma cama quentinha! Pronto, em meia virada de sol o gato estava feito.
A panela brilha vazia. O cachorro não consegue mais andar. O político, no rádio, disse que as coisas vão melhorar. O vento balança a bandeira branca do terreiro. O vizinho aparece com mais notícias. Uma menina caiu na água. Quase morreu afogada. Um barqueiro foi quem salvou. Tá no hospital. Contaminação, foi o que disseram.
Amanheceu chovendo. Para a casa da tia só de barco. O telhado da venda foi arrancado. Um dos garotos matou um policial na invasão de ontem. Um rapaz da Rua 9. Boa gente. Trabalhador. Levou um tiro no joelho. O compadre da Rua de trás pendurou uma placa escrito VENDE-SE.
Na semana que vem tem Festa de São Cosme e Damião. As bandeirolas estão quase prontas. Todas coloridas. Feitas de sacolas e panos velhos. Vai ter bolo. Cerveja. Milho assado. A igreja que vai dar.
Uma menina voltou da escola. Chorava. Disse para a mãe que recebeu apelidos. Favelada. Puta. Trombadinha. A mãe engoliu o choro. As coisa vai melhorá.
O rapaz bem vestido deu um aparelho de som para a filha do dono do bar. Uma negra. Gostosa. Cintura perfeita. Dentes brancos. Prostituta. Víciada em pedra.
A senhora lava roupa. Na ponte. O vizinho oferece um cigarro. Trás novas notícias. A menina morreu. No corredor. No hospital. O pai tomou todas. Bateu na mãe.
A capoeira começa no campo de terra. Meia-lua. Mortal. Ése dobrado. As crianças gritam de felicidade. Cambalhotas no ar. O som do berimbau faz brilhar o olho da velha. O atabaque faz bater o coração do víuvo. Beira-mar beira-mar. A capoeira não é só para quem sabe jogar.
A cerveja já está para gelar. Pronta para confraternizar o futebol. O catador de latas senta-se para ver. Mostra um sorriso. Bonito. Apesar da falta de dentes. A roupa está posta no varal. O time do filho joga hoje. As mãos rachadas. As bandeiras nas mãos. Os garotos discutem. Num sei quem tá jogando um bolão. Aquele golerinho é ruim como o quê.
Os times entram. Olha lá meu filho. Aquele outro é o meu. Um belo jogo. Dois a um. Isso não é motivo de tristeza. Tudo vira festa. O importante é competir. Assim como é na vida.

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