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Artigos-->LEMINSKI: o bandido que sabia latir -- 02/07/2001 - 22:47 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Passo diariamente pelo chamado "corredor das artes uilcon pereira , onde, entre outras pichações, e juntamente com uma caricatura que remonta à epoca do bigode famoso, se lê: "O Leminski é um cachorro-louco".



Vem daí o título para esta resenha de um livro ainda em leitura. "O bandido que sabia latim", de Toninho Vaz, é a história de um brasileiro incomum. Imperdível para quem gosta e para quem não gosta de Paulo Leminski. Inestimável para quem está a caminho da poesia. Imprescindível para quem ainda não se descobriu poeta, e brasileiro.



Em boa hora esse livro me caiu nas mãos. Foi há poucos dias, quando, por um acaso dos acasos, passei pela única livraria em Araraquara. Periférico por opção, raramente vou ao centro da cidade. E não é que o Leminski me espiava ali do canto mais à esquerda do mostruário? Não sei se apenas por acaso, pois o livreiro não é lá flor que se cheire. Atende pelo sonoro apelido de Ipiranga. E a livraria tem o nome de Machado de Assis.



E a ironia de que o cachorro-louco ali estivesse, perdido entre tantas outras bobagens mais vendidas (mais vendáveis), livros de auto-ajuda, esoterismos, literatices calhordas, tantos figurões e muito poucos figuraças. Dali, daquele cantinho mais à esquerda, ele me espreitava, da bela foto usada para a composição da capa.



Ele, que não teve como se furtar ao confronto, do qual sempre saiu vitorioso, com todos os mídia. Ele, que abraçou decidido todas as possibilidades de se exercitar como poeta ("entre o óbvio e o nunca visto"). Ele, que diz ter chegado a ponto de, a cada chute, colocar a bola no fundo das redes. Ele, que acabou sendo um dos poucos a ver seus versos com tanta insistência espalhados, grafitados pelos muros e paredes de campus e cidades.



Na noite anterior eu começara a arquitetar mais uma aventura teatral, a ser incluída na IV Semana "Paulo Leminski", que alunos de Letras criaram e continuam promovendo a cada novembro na faculdade de ciências e letras da UNEP em Araraquara. Imaginava um novo monólogo/poema/ensaio nos moldes de "sonhos de fausto" (o leitor conhece alguns fragmentos publicados no site). Pensava um espetáculo que reunisse poemas e canções, e que se costurasse a partir de declarações (pensava nas cartas ao Régis Bonvicino, em algumas entrevistas que guardo comigo), de alguns poucos textos de cunho ensaístico ("anseios crípticos").



Eu acabava justamente de ler "Sol e Aço" de Yukio Mishima, que ele traduziu, e havia me encantado com o posfácio de fôlego (e de tirar o fôlego).



Queria fazer uso da memória que guardo das cinco aulas que tive oportunidade de vê-lo ministrar no Teatro da FAAP em São Paulo, num daqueles famosos cursos oferecido nos anos 80 pela finada Brasiliense (em Curitiba, antes do sucesso nacional, ele já era um ídolo com professor de cursinho, constando mesmo como o talvez criador da aula-espetáculo - e tudo isso você vai conhecer no livro de Toninho Vaz com riqueza de detalhes).



Pensava puxar ainda pelo único contato pessoal que tive com o poeta, ao participar, com ele e a tradutora Irene Aron (USP) de uma mesa-redonda sobre tradução (na época, eu festejava o sucesso da minha tradução de "Ensaio sobre a puberdade" de Hubert Fichte, também para a Brasiliense) na Biblioteca Municipal de Curitiba.



No livro, a revelação de que a Brasiliense, que o lançou, que ajudou a criar o mito nacional que ainda nos comove, a Brasiliense que tanto ficou devendo ao seu sucesso, nem ela soube ou pôde lhe valer no momento mais cruel do seu calvário etílico, mas de uma lucidez, suponho, leio no livro de Toninho Vaz, insuportável.



Eu que, antes da leitura, esperava encontrar ali um pouco da imagem que vejo sobreposta a todas essas facetas que o livro agora me revela, e que a Brasiliense ajudara a construir, naquele momento em que ela como que se confundia com o caderno Ilustrada da Folha de São Paulo. E eu esperava reencontrar a imagem que a mídia dele habilmente construíra, que o sucesso espantoso que ele obteve ajudou a construir. E fui saber que a mídia não fez senão ampliar algo que sempre havia se revelado impossível de conter nos limites estreitos de Curitiba, a sua personalidade contagiante, se impondo desde a infância, entre familiares, ele ainda muito pequeno, entre os contemporâneos na escola, no mosteiro, na universidade, nos cursinhos, nas redações, nas editoras, na TV, na vida.



E eu esperava a beleza solar da maioria de seus versos, que tanto já repetimos e que ainda vamos repetir tanto. Só em "La Vie en Close" iriam surgir, em versos, agora sei, os sinais da estação final disso que ele próprio chamava "self-destruction".



A leitura, ainda pela metade, já me faz (precipitadamente talvez, mas há coisas que me parecem urgentes, e são) dizer a todos que não deixem de ler "O bandido que sabia latim".



Como diz o Ademir Assunção, num dos 27 depoimentos de pessoas do convívio do poeta anexados ao volume, Paulo Leminski não foi apenas um poeta, ele viveu a poesia.



Pelo livro, e é essa a grande mudança, em mim, para tudo o que eu já havia lido dele e sobre ele, a consciência de que ele o fez até o limite de suas energias físicas.



Uma vida de menino-prodígio, de candidato a monge beneditino, de intelectual poliglota como poucos neste país, de estudante e professor, de faixa-preta kami-quase, de hippie, junkie, alcoólatra. Tudo isso desembocando, no plano da criação poética, da escrita, para que se produzisse a melhor poesia de sua geração. Mas, no plano pessoal, lamentavelmente para que se consumasse a tragédia de quem nunca fez por menos, de quem sempre só soube fazer escolher (e encolher) a porta estreita, por onde a poesia e a vida como que têm de passar juntas, e como que de perfil, e é aí que elas, sempre com resultados geniais, mas sempre também muito perigosamente, se confundem. Ele que, num poema memorável, anunciava: "dia virá / em que / tudo o que disser / será poesia" (cito de memória).



Além de uma bibliografia e de uma discografia completas, o livro traz ainda um apanhado iconográfico sugestivo, alguns poemas e textos inéditos.



Entre inúmeras revelações, o livro oferece ainda ao leitor o ensejo para muitas descobertas, como a do prazer indizível de localizar, a cada passo dessa biografia exemplar de poeta brasileiro da segunda metade do século XX, o momento da gênese de muitos dos poemas que, hoje, já como que se confundem com o nosso "ruidurbano" (cito uilcon pereira), central de energia poética capaz de iluminar o nosso (sim, ele também existe! Cf. a entrevista com Ademir Assunção) obscurantíssimo apagão poético.



O meu monólogo/poema/ensaio, o espetáculo que eu projetara antes da leitura de "O bandido que sabia latim", já não será o mesmo. Mas, se acontecer, terá adquirido a consciência de que, na vida desse poeta, a força da poesia foi tanta, que ele próprio não teria como resistir, imolou-se. E, ainda, que a tão decantada onipotência das instituições sociais, e falo especialmente no caso da instituição literária, o mundo editorial e seus tentáculos, os jornais, e toda a recepção severamente controlada pela mania da leitura obrigatória nas escolas, nunca será capaz de superá-la. E isso nos dá esperança. E isso nos redime.



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