Nos últimos anos os homens gaúchos têm sido grosseiramente atingidos por uma forma sutil de discriminação, ainda que revestida de humor, em sua virilidade, por um programa de televisão da Rede Globo. Quase todas as semanas no Casseta & Planeta tem uma piada sobre a sexualidade do homem gaúcho. Alguém já disse que, brincando, as pessoas falam aquilo que talvez não tivessem coragem de dizer sob a forma de seriedade ou oficialidade.
Não faz muitos dias o presidente da argentina comparou, em tom de brincadeira, o presidente Lula ao ex-presidente argentino Carlos Menen. Os analistas políticos brasileiros imediatamente suspeitaram que não se tratava de mera gracinha, mas já de um diagnóstico pouco promissor sobre os rumos que o governo Lula está tomando.
Pois bem, em relação às piadas dos humoristas do Casseta & Planeta é possível perceber uma ação pensada do programa em questionar não apenas a virilidade dos riograndenses como também sua histórica e conhecida atitude de resistência quando seus interesses são de alguma forma ameaçados.
Foi assim na farroupilha. E à parte de uma suposta tendência meramente separatista, foi louvável a tentativa dos gaúchos de fincar a bandeira de uma nova república, tendo em vista a submissão dos governantes brasileiros aos interesses da metrópole.
Tal momento foi o marco inicial dessa postura política de contestação à ordem, não somente em termos revolucionários, como também em relação ao fruto óbvio dessa postura que foi o estabelecimento da alternância do poder, que é um dos pilares de qualquer democracia sadia.
Por conta disso, o Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado brasileiro a ser governado por um representante da chamada esquerda. E desde então tem alternado sua escolha entre representantes desse espectro político-ideológico, resistindo, dessa forma, em entregar o poder àqueles reconhecidos como representantes da direita. Também a capital, Porto Alegre, foi a primeira no país a ser governada por um partido de esquerda. Ou seja, dentro desse entendimento de engajamento contestador, o povo gaúcho é conhecido como o mais politizado no Brasil. Será esse postura política dos gaúchos uma ação inconsciente? Ou, ao contrário, trata-se de um processo consciente de afirmação de sua histórica postura contestadora?
Não sei como surgiu o mito do homem gaúcho como sendo o mais viril dentre os brasileiros. Porém, quanto às piadas do Casseta & Planete tenho a impressão que se trata de uma transferência dessa postura ímpar em assuntos políticos do homem gaúcho às demais esferas do comportamento dos riograndenses. E não se deve desconsiderar que a tentativa dos humoristas do program em questionar a virilidade dos gaúchos possa ser, em sentido inverso de transferência, a tentativa mesma de negar o fato de serem eles as pessoas mais politizadas no Brasil.
Se fosse gaúcho, eu simplesmente faria um boicote à Rede Globo, cuja ênfase em privilegiar apenas o que atende aos interesses comerciais de seus programas, desconsiderando qualquer outro aspecto, repassa a discriminação a outros setores, como o esportivo, por cuja lógica ela só transmite os jogos do Flamengo, time de maior torcida no país, ignorando os demais torcedores que gostariam de ver seus times pela televisão.
