PERSEVERANÇA E DEDICAÇÃO
Vera Linden
Minhas tias eram professoras e desde os meus quatro anos, adorava acompanhá-las à escola. Eu ficava quase todo tempo em silêncio e prestando muita atenção em tudo, não por ser exatamente uma criança muito educada, mas para que os alunos não percebessem o meu crucial problema: não conseguir articular bem as palavras.
As duas madrinhas-tias me incentivavam muito e se encantavam com a minha habilidade em decorar versos e até textos maiores, após ouvi-los. O tempo passou e continuei carregando livros, réguas, pastas, mapas e sendo a auxiliar das “soras,” que eram muito estimadas por alunos, pais e diretores. Eu amava o cheirinho dos livros. Tinha especial carinho por um grossão de capa azul, cujo título era: “Admissão ao Ginásio.” Será que eu faria o exame tão temido e conseguiria ingressar no ginásio ?
Tia Dani e tia Edy tentaram me alfabetizar, quando completei sete anos. Minha grande barreira era a minha dificuldade de falar, a articulação errada das palavras e ainda a terrível gagueira, que eu enfrentava a cada tentativa de leitura. Tia Edy nunca desistiu de mim e de me fazer aprender a ler. Ela dizia que quem carregava livros com tanta dedicação e amor, merecia conviver intimamente com eles, lê-los, partilhar tudo de bom que há neles.
Tenho a maior admiração pelas professoras primárias da zona rural dos anos 50/60, que em uma pequena sala, às vezes, só com telhado e paredes, ensinavam sozinhas alunos da primeira à quinta séries. Além de lecionarem, ainda eram: a diretora, a secretária, a tesoureira e iam de casa em casa, angariando fundos para manter a escola, quase sempre esquecida pelo prefeito, secretário da educação, governador e demais políticos.
A minha maior felicidade acabou, quando minhas duas tias casaram-se e foram morar na cidade e lecionar em escolas bonitas, bem diferentes da nossa acanhada escolinha do campo. Mas, no julho gelado de 1957, uma grande tristeza abateu toda a minha família: meu tio Ivo faleceu em um acidente. Ele era o marido da tia Edy e pai de minha priminha Rose, ainda um bebê. A tia voltou a morar com os sogros, meus avós, para economizar com aluguel. Voltei à escola dela.
. Em uma noite muito fria de agosto, ela tomou uma decisão, que mudaria a minha vida. Pegou jornais, revistas, livros de histórias infantis e me fez copiar palavras e a escrever em cartolina todas as letras do alfabeto e juntá-las, formando palavras; depois ler em voz alta, cada uma delas. Tia Edy teve uma paciência infinita comigo. Dizia-me que se não aprendesse a ler, abriria a minha cabeça e colocaria o livro lá dentro.
Apesar do momento difícil que vivia com a perda do marido, a minha amada professora era carinhosa e bem-humorada com cada aluno. A presença dela trazia à nossa humilde escola, um aspecto de integridade e beleza. Nem percebíamos a falta de conforto e o vento frio, que entrava pelas frestas das tábuas sem as ripas. Foram semanas de muito estudo e dedicação, à tarde na escola e à noite na casa de minha tia, de segunda à segunda. Então, quando a primavera chegou, eu comecei milagrosamente, a ler e a falar corretamente.
A grande dificuldade do disléxico é a silabação e a soletração. Para este aluno, unir as letras é um mistério quase insondável. Entretanto, aos serem alfabetizados, estes estudantes, geralmente são dedicados, estudiosos e disciplinados. Modernos métodos pedagógicos e a fonoaudiologia têm facilitado muito a vida da criança disléxica e dado muita esperança aos pais e familiares. Porém, a dedicação e a perseverança serão valores a serem incutidos e cultivados. Nada é maior que a força de vontade e, as dificuldades serão vencidas, se enfrentadas com coragem e otimismo. Minha professora primária me ensinou muito mais que aprender a ler, me fortaleceu, me fez acreditar em mim mesma e a amar os livros, incondicionalmente.
Vila Velha, 19 de setembro de 2011.
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