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Contos-->O TIÃO NOSSO DE CADA DIA -- 22/08/2001 - 11:28 (Maurilio Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sebastião era o que se podia chamar de um crioulo esperto. Carioca da gema, nascido no morro do Urubu, batia um futebol de primeira. Jogava nas onze e dava trabalho nelas todas. No samba era um bamba. Fazia de tudo.
Um dia alguém na rua lhe deu um prospecto que mexeu com a sua cabeça. Nele havia a seguinte chamada: “Entre para a Marinha Mercante e ganhe dinheiro conhecendo o Brasil e o mundo”. E foi através de um anúncio como este que Sebastião - vamos apenas chamá-lo de Tião - ouviu falar pela primeira vez em Marinha Mercante. Conversou com alguns amigos e as informações foram as melhores possíveis, embora nenhum dos informantes tivessem sido marítimos. Mas todos foram unânimes em que todo pessoal da Marinha Mercante estava bem de vida e com histórias mirabolantes para contar.
Totalmente motivado Tião compareceu a um órgão da Marinha e ficou sabendo que com o seu grau de instrução ( primário incompleto) somente poderia se candidatar às categorias de Ajudante de Cozinheiro, Taifeiro, Moço de Convés e Carvoeiro. Como declarou já haver trabalhado como auxiliar de mecânico de automóveis, lhe aconselharam a optar pela carreira de Carvoeiro, pois esta tratava diretamente com máquinas. A princípio Tião se assustou com o nome Carvoeiro- que, diga-se de passagem, realmente não é nada convidativo e por isso mesmo já esta sendo substituído por Moço de Máquinas, que soa melhor. Mesmo assim o funcionário da Marinha lhe garantiu que o nome carvoeiro nada mais tinha a haver com carvão, pois os navios atuais são todos modernos e automatizados e que tudo era resolvido na base do botão.
O salário era tentador. Mais do que ganhava qualquer funcionário público estadual e até mesmo federal. Isso sem contar os dólares e os pró-labores.
Num curso que durou umas poucas semanas, ensinaram ao Tião onde ficavam a proa e a popa de um navio, a hierarquia da Marinha Mercante e rudimentos de máquinas. O emprego veio logo após o curso e lá se foi o Tião embarcar num navio em Santos, todo empolgado com a sua nova profissão: Carvoeiro da Marinha Mercante. Desculpem-me! Moço de Máquinas.
Ao se apresentar ao Chefe de Máquinas do navio, Tião teve a sua documentação meticulosamente examinada e pode notar a expressão de indignação estampada no rosto do Chefe, que exclamou irritado:- Eu já cansei de falar para esses camaradas que não me mandassem Carvoeiro carioca para cá. Carvoeiro tem que ser do norte e de preferência analfabeto. Porém como você já esta aqui, tudo bem. Troque de roupa e se apresente ao Segundo Maquinista de serviço na Praça de Máquinas. Tião saiu do camarote do Chefe meio atordoado, pois não esperava uma recepção tão desagradável como aquela. Trocou de roupa e desceu para a bendita máquina cuja porta de acesso levou um bom tempo para descobrir, e que quando descobriu se arrependeu profundamente. Nunca havia estado num lugar tão desconfortável e sujo como aquele. Havia óleo e graxa por todas as partes, mas o que mais impressionou o Tião foi o tamanho do motor do navio. Eram mais de três andares só de motor e um emaranhado de escadas escorregadias que iam do piso inferior até a chaminé do navio.
Perguntou a um homem que passava com uma ferramenta enorme onde poderia encontrar o Segundo Maquinista. O homem apontou para um grupo que estava trabalhando no piso de baixo, porém o difícil mesmo era identificar o dito cujo em meio aquele pessoal completamente coberto de óleo e graxa. - Bom dia! Eu sou o novo carvoeiro e gostaria de me apresentar. Antes mesmo de concluir a frase um dos homens esbravejou: Deixe de conversa fiada! Pegue aquele balde com estopa e ajude o outro cavuca a dar uma geral na praça de máquinas. Aí então Tião começou a desconfiar de que algo não estava se encaixando com as informações recebidas anteriormente. Onde estavam os botões? O automatismo que o funcionário da Marinha havia lhe falado?
Foi um dia de cão para Sebastião. Um sobe e desce de escadas que não acabava mais. O macacão branco com o distintivo da Brabham, igualzinho ao do Nelson Piquet, estava irremediavelmente perdido para o uso social, de tanta graxa.
À noite o navio sairia de Santos para Salvador e então viria o merecido descanso do jovem trabalhador. Tremendo engano. Às nove horas da noite do mesmo dia Tião foi acordado aos gritos pelo Cabo de serviço. - Como é Cavuca? Vamos descer porque o negocio lá embaixo tá feio. Tião pulou do beliche meio grogue, assustado e saiu correndo em direção à máquina. Alcançou a porta de acesso e quando a abriu quase morreu de susto. Desta vez o quadro era ainda pior. O barulho e o calor eram infernais. Havia um vazamento na rede de óleo combustível que o pessoal estava tentando conter a todo custo. Essa “brincadeira” durou ate cerca de meia noite. Tião voltou para o beliche e quando ia fechando os olhos o navio apagou. Nesse momento ele se interrogou: Será que eles vão me chamar de novo? E não deu outra.- Como é que é Negão? Você já devia estar lá embaixo há muito tempo- reclamou desta vez o mecânico com uma lanterna acesa bem no seu rosto. E lá se foi novamente o cavuca cambaleando de sono. Só que desta vez os corredores estavam na mais completa escuridão e Tião foi obrigado a pegar uma carona num facho de lanterna que passava. Esta faina se estendeu durante toda a madrugada. Tião estava moído. Bateu na cama às cinco e meia e foi acordado às seis da manhã. Agora era hora de passar o café da manhã para a equipe de serviço que iria reiniciar os trabalhos rotineiros da máquina. Às sete da manhã começou tudo de novo com o expediente normal de sete às quatro da tarde. O navio era bem velho e pegava tudo o que tinha direito. De Santos para Salvador o navio boiou ( ficou à deriva) umas dez vezes, sendo na maioria das vezes pela madrugada. Tião nunca trabalhara tanto em sua vida como havia trabalhado naquela travessia. O navio parecia um campo de concentração em alto-mar. Muito pior do que uma penitenciária, onde se podia tomar um banho de sol e bater uma bolinha numa boa. Aos trancos e barrancos o navio depois de seis dias de viagem( o normal são dois) conseguiu chegar a Salvador, terra que Tião sempre desejara conhecer. Pelo menos a parte relativa a conhecer o Brasil estava começando a se concretizar. Tião colocou a sua melhor roupa e quando ia saindo do navio foi travado pelo Chefe de Máquinas já na escada de saída. - Onde é que o senhor pensa que vai? Negativo! Pode voltar e trocar de roupa porque temos de receber trezentas toneladas de óleo combustível daqui a pouco. Essa foi demais. A gota que faltava. Tião perdeu as estribeiras por completo e discutiu a valer com o seu superior. A guerra estava declarada, mas mesmo assim recebeu o óleo combustível o dia todo. À noite, finalmente surgiu uma chance real de ir a terra. Então ele não titubeou. Foi e foi fundo. Em poucas horas já havia arranjado uma baianinha e brincou a noite toda. Ufa! Até que enfim algo de agradável estava acontecendo com este pobre sofredor. Terminou o programa indo dormir no barraco da baiana numa das muitas ladeiras de Salvador, porém antes de adormecer teve o cuidado de pedir a mulher que lhe acordasse às cinco horas da manhã, sem falta, pois o navio partiria às seis horas direto para a Europa. A baianinha murmurou entre um bocejo e outro: - “Deixa comigo painho! Durma com os santos!” O cansaço agora acumulado se encarregou do resto e Tião apagou. Dormiu o sono dos justos. Ao acordar notou por entre as frestas do barraco que o sol parecia demasiado forte para as cinco horas da manhã. E estava certo. Conferiu a hora no pulso da mulher que estava toda esparramada a seu lado e constatou que era meio dia. O coração então disparou. Parecia que ia varar o próprio peito.Na sua mente surgiu logo a imagem do Chefe urrando de raiva. Na mesma hora começou a suar frio.Vestiu-se o mais rápido possível e saiu em desabalada carreira, ladeira abaixo, esquecendo mesmo de remunerar a mulher pelos serviços prestados. Entrou no cais como uma bala, e em lá chegando qual fora a sua surpresa quando descobriu que no lugar onde outrora estava atracado o seu navio, agora havia um navio japonês. Sem ter mais o que fazer ,Tião sentou-se na calçada do porto e chorou, chorou e chorou .

Maurilio Silva - silmaster@yahoo.com.br
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