Num sábado desses à noite passou um filme
na Rede Globo, “Clone”, no qual se conta
a estória de um óvulo fecundado por uma
Empresa de Manipulação Genética americana
(todos os filmes que tratam do assunto
são norte-americanos) para atender a uma
desesperada mulher em busca de ser mãe.
Do embrião foram feitos doze clones, indo
parar cada qual dentro de doze barrigas
diferentes.
A criança gerada a partir do
embrião “original” veio a morrer quando
tinha oito anos, afogada. A mãe,
empregada da tal empresa, ao descobrir um
bilhete no qual estava escrito o nome de
uma cidadezinha turística e um nº
qualquer numa rua do lugar foi até lá,
levada pelo instinto maternal e sexto
sentido feminino, coisas exclusivíssimas
das mulheres.
Observando uma loja de conveniências
indicada pelo nº do bilhete, quase
desmaia ao ver uma criança, pelo seus
nove anos, saindo da loja, sorrindo e
falando com outros dois amiguinhos. Era a
cara do seu filho morto. Ali começava sua
luta por descobrir o mistério. Como
poderia haver uma criança idêntica ao seu
filho?
Embaraçada, foi à Empresa, falar com o
cientista que fecundou os óvulos,
perguntando se, por engano, uma outra
mulher havia recebido um desses óvulos,
tendo gerado um irmão gêmeo.
A resposta foi negativa. Investigando por
conta própria, ao saber que a mão da
criança idêntica ao seu filho foi tratada
pelo mesmo médico, colocou na WEB uma
foto de seu filho. Qual não foi a
surpresa ao receber vários e-mails, todos
respondendo à mensagem, com outras
mulheres perguntando: “como você
conseguiu a foto de meu filho?!”
Ao receber um prêmio em função de sua
contribuição para a ciência, na área da
genética, o cientista foi desmascarado,
quando todas as famílias levaram seus
filhos clonados à cerimônia. O médico foi
preso, e a mão original contentou-se em
saber que havia filhos seus felizes por
todos os EUA.
A explicação do cientista para a prática
ilegal, condenada por todos os códigos de
conduta médica, foi que as experiências
feitas a partir daquela clonagem, que o
permitiu, em outra experiência, criar
órgãos a partir de uma mesma célula,
iriam possibilitar a substituição,
sem qualquer risco de rejeição, de órgãos doentes na pessoa
de cujas células foram criados. E isso,
reiterou, era um enorme avanço da ciência
em favor da humanidade, que salvaria
milhões de vidas. Aliado à conduta anti-
ética desse “bem-intencionado” cientista,
estava muito interessado nas pesquisas o
dono da Empresa, que investiu bilhões de
dólares, e, óbvio, queria a recompensa
que a venda de órgãos, num futuro próximo
quando as leis permitissem esse tipo de
comércio, propiciaria.
Esse resumo um tanto desajeitado, dado
que não sou crítico de cinema, é o pano
de fundo para o caso da utilização de
gravações clandestinas de conversas,
verdadeiras ou montadas, pela revista
ISTO É. A revista lança mão dos mesmos
argumentos do cientista da nossa estória.
Com a suposta boa intenção de informar o
público, a revista jogou no lixo o
conceito de ética jornalística se aliando
ao submundo das escutas clandestinas,
algumas das quais sob sérias suspeitas de
terem sido forjadas nos diálogos, uma
cena armada para atingir alguém que
contrariou os interesses daqueles que
mandam na revista.
Se a lógica segundo a qual os fins
justificam os meios para se atingir
determinado objetivo é o que norteia as
ações da ISTO É, a revista pode se
preparar para as conseqüências, e a
primeira delas é o choque na
credibilidade. É perigoso colocar em
risco esse conceito por objetivos tão
pequenos. Enquanto os interesses de
Orestes Qüércia em sua pretensão de ser
governador de São Paulo não encontravam
resistência alguma, muito bem. Bastou que
Jader Barbalho se posicionasse a favor de
Michel Temer que o senador paraense
tornou-se persona non grata, e todo o
escudo armado pela revista para protegê-
lo da saraivada de balas que a
concorrente VEJA sobre ele despejava
desapareceu como por encanto. A própria
ISTO É, súbita guardiã da moralidade
pública, preparou uma bomba e jogou no
colo de seu antigo protegido. Estranho,
não?
Essa análise pode parecer superficial. Vá
lá que seja; não sou jornalista. Sou
apenas um estudante de Letras. Alberto
Dines pode falar da questão com mais
profundidade. Porém creio que na essência
as perguntas minha e a que deduzo de seus
artigos se igualam: jornalismo sério,
imparcial e independente convive
harmoniosamente com a ética? Que a ISTO É
responda.
P.S., inobstante o uso das fitas, sou
plenamente a favor de que as denúncias
contra Jader sejam rigorosamente
apuradas, e que, confirmadas, seja ele
punido exemplarmente - cassação, prisão,
o que seja, para que os brasileiros ainda
possam acreditar nos políticos enquanto
representantes legítimos dos anseios da
população miserável e abandonada pelo
Poder (político e econômico).
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