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cronicas-->O último baile do império -- 09/01/2011 - 18:03 (MAURO DELLAL) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Essa aconteceu em 2009. Mais exatamente em 11 de novembro. Voltava eu da "cidade sem esquinas". O voo fora tranquilo até chegar ao aeroporto da "cidade maravilhosa (?)". Junto com o peso do Boeing, uma chuva torrencial caía sobre a cidade; daquelas chuvas bíblicas que lavam os espíritos bons, arrasam os maus e fazem renascer a terra. Bom, no caso do Rio, apenas causava transtornos.


Cheguei ao pátio do estacionamento e notei que precisaria de um barco, tão grande era a massa de água que cobria o chão: um tapete líquido e sujo; escuro e mal cheiroso. Já não chovia mais. Precisava ir para o carro; precisava chegar a casa em determinada hora. E já passara, e muito, do meu lastro de garantia. O jeito foi enfrentar o "mar". De repente, notei uma figura, não muito longe, caminhado sem rumo pra lá e pra cá, como um animalzinho encurralado. Era uma moça, uma jovem mulher vestida como quem vai ao último baile do império. Ela me olhou; eu a olhei. Entendi logo: ela queria um último cavalheiro do baile império. Fiquei com pena dela... Aquele vestido bonito, tão delicado e branco, com um brilho de farol que deixava os cabelos de sol dela mais luminosos, parecendo feito de açúcar, destinado a se desfazer naquela água... Aproximei-me como o último cavalheiro do baile do império. Estendi os braços como os últimos braços do baile do império. Afinal, já estava me sentindo o último mesmo. Peguei-a. A moça não era pesada, em absoluto. Tinha um cheiro doce que eu não sabia se vinha dela ou do vestido. Dei um jeito de fazê-la passar pelo oceano, abrindo caminho com minhas pernas a rasgar a água. Senti-me bem, de todo modo.

O caminho não era longo. Na verdade, a carruagem dela estava próxima ao meu barquinho. Tudo seria ótimo se não fosse um detalhe: por que será que as pessoas quando estão numa situação de ajuda insistem em querer conversar com quem está lá ajudando e sofrendo? Pois é, a donzela tratou de iniciar uma conversinha de baile. Falou do tempo: que tinha sido pega de surpresa, que demoraria horas para chegar a casa, que não esperava aquilo, que tinha ido ao aeroporto deixar uns parentes os quais tinham assistido a um casamento de que fora madrinha, blá, blá, blá... O que ela não sabia é que existe uma lei na natureza que rege as relações carregador/carregado: quanto mais se fala, mais pesada fica a "carga". E ela não parava de falar. O que era apenas um rio caudaloso se transformou no mais bravio dos oceanos. As marolas, ondas gigantes; os pedaços de destroços que me tocavam, dentes de tubarões. Não respondi a nada, nem a nado... Apenas estava com a força da minha nobre missão. A última do baile do império.

Depois de muita água e palavras, baixei àncora e desembarquei a moça. Ela parou de falar. Olhou-me com sinceridade e abanou a cabeça numa reverência, como a última do baile do império. Foi a primeira vez que "escutei" algo dela com sentido. Ela se foi. E como o último baile do império, tudo se desfez. A água já não era mais o intrépido oceano, e eu já voltara a consciência para o meu carro. Parti. E, todo molhado, fiquei pensando na secura da moça. Sorri como não sorria sozinho há tempos. Sim, ainda sou humano, pensei. Talvez o último. Como o baile do império.
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