Neste mundo de técnica,
em que o homem é máquina,
a aperfeiçoar uma engrenagem
de existenciabilidade,
o prazer da descoberta,
a se sobrepor à criação,
é terrível, é imagético,
não nos chega ao coração.
Eu quero romper com tudo isso
em mim mesmo,
como uma coisa que não é aqui
senão um pensamento.
E tenho que me ordenar entre os fantasmas circunstantes —
envolventes —,
não sendo nem sequer como o livro que não tem consciência de que é livro
e que, por isso, permanece.
A matéria não é dura.
Eu é que sou mole,
estapafurdiamente mole.
Não chego a ser nem combustão,
mas sou apolíneo,
claro,
refulgente e transparente,
brilhante,
multifacetadamente luminoso,
e quero ser escuro,
tenebroso,
escondido, oculto,
como todos os mistérios que me cercam
e me envolvem,
fantasmagóricos,
fantasmagoricamente fantasmagóricos,
como o eu que tenho em cada um dos homens,
que me ouvem,
calados,
mudos de espanto,
glorificando-me
dentro de si mesmos,
como se eu não fora eu mas apenas um escrito vacilante,
que nada possui de si,
mas é apenas eu,
eu,
eu,
tremendamente eu,
somente eu, que espalho minha natureza pelas esferas vibrantes que enchem o espaço e me desfaço em pedaços.
Precisava confessar-me:
não quero viver no mundo que me oferecem.
Não quero.
Nada tem o poder de enfrentar meu querer,
que é apenas meu,
profusamente meu.
Oh! Deus! Que me velais o sono
e o despertar,
e a morte,
guardai-me da certeza de que existis,
para não ter eu inveja de vossa sorte,
da sorte de ser Deus entre os mortais,
eterno entre os homens.
E que chore o mundo em desespero.
E que o nada se transforme em nada.
E que trema eu de medo do medo.
E que viva a morte em si mesma.
Que a lama do mundo não seja a origem, nem o fim.
Que o corpo não domine.
Que o espírito não exista.
E que a felicidade não esteja em si mesma.
...
E que eu não seja apenas eu.
E que a eternidade transitória desapareça.
AMÉM.
22.10.57.
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