Considerando que as palavras escritas são, sinestesicamente, a voz do escritor, é provável que nada do que dizemos seja ouvido por alguém. Em muitas ocasiões somente um escritor consegue ler o que um outro escreve. Por vocação de leitor, digo, não por ser fabuloso o que se escreveu. Escrever às vezes dá ocasião a que outros escritores façam cartase do próprio ego. Fugir de si mesmo, olhar o mundo pelo olhar de outro, sentir pelos sentidos alheios, amar com outros corações, admirar a vida com outros olhos, raciocinar com outras mentes. Pensar de forma diferente da habitual. Nossos esforços em compartilhar sentimentos tantas vezes são atropelados pela indiferença dos que não admitem a troca, seja porque desqualificam a oferta ou, o que é pior, superestimam aquilo que teriam a oferecer em troca.
Temos como combustível no labor literário a ânsia de um mundo melhor, perfeito se possível, cuja recriação se dá em nossas mentes, ganhando a forma de uma realidade manipulável, regulável, o que pode ser bom ou ruim, quando sabemos que o preço da ilusão, ou do sonho, é sempre a frustação e o desânimo. O que sonhei não aconteceu. E daí? Parar de escrever? Não vamos desanimar nunca, companheiros.
Como já foi dito aqui na Usina, quem consegue ficar sem escrever é porque não precisa escrever. E se não precisa escrever pode muito bem ir embora para a praia e tomar banho de sol, empinar um papagaio e olhar descaradamente a bunda nua das mulheres. O desabafo da alma de um escritor não pode ser banalizado, sob o risco de tornar-se a literatura um exercício inócuo, vão, cuja existência não se justifica seja porque a ninguém interessa o sonho de outrem, seja porque o outro pra quem se escreve é sempre alguém diferente dos homens reais. É mais importante saber com quem estamos falando, para saber o que falar do que simplesmente falar qualquer coisa para que qualquer um leia. Assim diminui o risco de não sermos lidos, sendo ignorados naquilo que de mais valioso deve haver na mente do escritos que é a convicção de estar sendo útil, por aquilo que escreve, à existência de alguém, nem que seja de um só leitor.
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