Há 60 anos, em Mindelo, benquista freguesia do concelho de Vila do Conde, ainda o pinhal e a praia eram autênticos oásis naturais e os sádios odores campestres enchiam a atmosfera, havia na Estrada Nova a venda do Pisco, na Estação a venda da Amélia, cem metros mais abaixo a venda da Carolina e no Cruzeiro havia a barbearia do Armindo e a venda do Marques. Eram estes pois os dilectos locais de reunião dos cidadães mindelenses entre colossais canecas de tinto carrascão e empolgantes suecadas que faziam trepidar mesas e emoções.
Professor Silva, Manuel Tereso, Álvaro Custódio, Ti Zé Tagaranto, Tio Alfredo da Pereira, professor, proprietários agrícolas, vigorosos trabalhadores do campo, homens de suor bem suado, honra e dignidade social intocáveis. Entre eles aparecia um pobre diabo cheio de filhos, calejado dos dedos ao máximo, irreverente, à cata de uma caneca ou outra, logo que alguém dizia: tira aí uma de litro para o Cavadinhas.
Num Verão e em dado cair de noite no Cruzeiro, um intenso burburinho arastou-me na companhia de dois primos, o Álvaro e o Fernando, para ver o que se passava entre um animadíssimo grupo de foliões que tinha saído da venda do Marques. Um deles, anunciava em trovão:
- Desta vez, ó Cavadinhas, se não deres 250 seguidos, não bebes...
O Cavadinhas abeirou-se do gradeamento do Cruzeiro, desapertou o cinto, aliviou a cinta às calças e massajou impetuosamente o ventre ao mesmo tempo que tomava grandes folgos de ar. Pronto fisicamente e sentido-se disponibilizado, inclinou-se, encostou a cabeça às grades, fincou as robustas manápulas em duas lanças e começou:
- Pum... Pum... Pum... Pum ... Pum
De lado, enquanto os outros se riam como perdidos, um deles contava:
- 37... 38... 135... 136... 247... 248... 249... Pum... 250!
O Cavadinhas recompôs-se e abalaram todos euforicamente para dentro da tasca.
Disse eu então para os meus primos: - Mas, não cheirou mal...
- Então não viste, palerma, que aquilo era só ar?...
António Torre da Guia |