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Artigos-->Aborto e direito à vida -- 19/05/2003 - 09:54 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aborto é pecado? É assassinato? Está em votação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 21/2003, de autoria do deputado Roberto Gouveia (PT/SP), que descriminaliza o aborto ao propor a supressão do artigo 124 do Código Penal, que determina detenção de um a três anos a quem “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. O deputado leva em conta que o aborto, mesmo considerado crime nas leis brasileiras, é realizado – e em condições que colocam em risco, mais que a liberdade, a vida da mulher que a ele se submete.

O problema afeta mulheres de todos os continentes. Em 1998, a Organização Mundial de Saúde apurou que, a cada ano, cerca de 4,2 milhões de mulheres submetem-se ao aborto na América Latina e Caribe. A maior parte desses abortos é realizada na clandestinidade, em condições precárias, causando a morte ou deixando seqüelas em cerca de 400 mil mulheres anualmente. São mulheres das mais diferentes condições sócioeconômicas, níveis educacionais, etnias, idades, crenças, situação conjugal. Pobres, na maioria. Segundo o Fundo Nacional das Nações Unidas, 6 mil mulheres morrem anualmente em conseqüência de complicações de abortos clandestinos na América Latina. A OMS informa que 21% das mortes maternas na América Latina têm como causa as complicações do aborto inseguro – a que as mulheres carentes recorrem, devido à proibição de fazê-lo legalmente. No Brasil, informa o Ministério da Saúde, de cada três gestações, uma acaba mal, e as curetagens (raspagem do útero) pós-aborto constituem a quarta causa de internação hospitalar.

A proibição do aborto atende, no geral, a preceitos religiosos e morais. Assim como algumas crenças proíbem a transfusão de sangue, a maior parte delas condena o aborto e a mulher que o realiza. No caso da Igreja Católica Romana, desde 1869 o aborto é motivo de excomunhão.

O assunto é delicado, envolve convicções e dramas profundos dos indivíduos. Não é raro uma mulher recorrer ao aborto, mesmo considerando-o um “pecado”. Assim, por convicções místicas, ela sente-se culpada por decidir com autonomia, autodeterminação, sobre o próprio corpo. Limita sua vivência da sexualidade (algumas seitas proíbem até mesmo o uso de contraceptivos)... Fica sem o direito de optar conscientemente por ter ou não filhos, sem atentar contra suas razões íntimas. A sociedade acaba consagrando uma diferença biológica como uma desigualdade.

O artigo 128 do Código Penal brasileiro, instituído em 1940, considera “aborto legal” o praticado como única forma de salvar a vida da gestante (“necessário”) e o realizado quando a gravidez resulta de estupro (“sentimental”). São as duas únicas possibilidades que a mulher tem para realizar legalmente o aborto, assistida por um médico e com recursos seguros para a preservação de sua saúde.

Do ponto de vista religioso, os dois critérios são questionados. No caso considerado “necessário”, pastores remetem-se a Martinho Lutero, que escreveu no seu Vom Ebelichn Leben, de 1522: “Se ficam cansadas ou até morrem por ter filhos, não importa. Que morram em virtude de sua fertilidade – é por isso que estão sobre a Terra”. No caso “sentimental”, o direito à vida do feto estaria dependente das circunstâncias (da concepção, e não das condições do feto), não considerando portanto a “vida” do abortado. Este também não é o centro das preocupações quando a discussão é centrada no risco de saúde ou nas condições de vida da mulher. Mas é justamente o abortado o foco da discussão do “direito à vida”, em especial por parte de religiosos.

Na Bíblia, as pouquíssimas referências ao aborto (nenhuma o proibindo) são alusões e figuras de linguagem (como em Jó, 3; Salmos, 58 e Eclesiastes, 6). No Êxodo, 21, de 22 a 25, é famosa a expressão “olho por olho, dente por dente”, mas vale a pena conhecer o texto integral (Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Imprimatur de 26 de novembro de 1991): “Numa briga entre homens, se um deles ferir uma mulher grávida e for causa de aborto sem maior dano, o culpado será obrigado a indenizar aquilo que o marido dela exigir, e pagará o que os juízes decidirem. Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”.

Note-se que a indenização será ao marido, e não à mulher, e o texto deixa entender que o “dano grave” foi causado à mulher, que perdeu a vida, o olho, o dente, o pé, foi queimada, ferida ou golpeada. Portanto, também aqui a preocupação é com a grávida (ou o marido dela...), e não com o abortado.

Procurando tratar a questão sem conceitos ou preconceitos religiosos, Carl Sagan e Ann Druyan escreveram o artigo “Aborto: é possível ser ‘pró-vida’e ‘pró-escolha’?”, reproduzido no livro Bilhões e Bilhões, de Carl Sagan. Eles perguntam por que “seria assassinato matar o bebê no dia seguinte ao do nascimento, mas não no dia anterior?”. Lembram que os homens alimentam-se de seres vivos, animais ou vegetais, e que a discussão sobre o aborto não aborda qualquer vida, mas unicamente a vida dos humanos. Por isso, é necessário “distinguir um ser humano dos outros animais e determinar quando, durante a gestação, surgem as qualidades unicamente humanas, sejam elas quais forem.” Consideram ser necessário “especificar, pelo menos aproximadamente, o período de transição para a condição de pessoa”, concluindo que “o segredo de nosso sucesso, é o pensamento – o pensamento caracteristicamente humano”.

Os cientistas lembram que o ato de pensar ocorre no cérebro e que as ligações entre os neurônios “desempenham um papel principal no que experimentamos como pensamento. Mas a ligação em grande escala dos neurônios só começa entre a 24ª e a 27ª semanas da gravidez – no sexto mês”. Portanto, seria esse o momento em que “o início do pensamento caracteristicamente humano se torna possível”.

Indicam, então, a proibição do aborto nos últimos três meses de gestação, com exceção dos casos de necessidade médica, pois com isso “a lei alcança um bom equilíbrio entre as reivindicações conflitantes de liberdade e vida”.

Os autores tratam, é claro, da legislação norte-americana. No caso brasileiro, o debate arejado, sem preconceitos religiosos ou outros, na Câmara e fora dela, poderá tornar evidente a ausência de crime ou contravenção nessa prática a que tantas brasileiras vêm-se coagidas a recorrer ao arrepio da lei, e garantir-lhes atendimento seguro e apoio psicológico para o exercício de um direito que, no mais das vezes, é decidido com tanto constrangimento. Oxalá o Projeto de Lei 21/2003 seja aprovado.

Levando em conta o alcance e a complexidade do tema, solicito (e agradeço) que os leitores pronunciem-se a respeito deste artigo enviando mensagem para pompe@globo.com

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