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cronicas-->Cuba: Voltarão as escuras andorinhas? -- 29/07/2009 - 16:16 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cuba: Voltarão as escuras andorinhas?

Por Leonardo Padura Fuentes*

Havana, julho/2009 - Uma das lembranças mais persistentes que conservo da minha infància - transcorrida na cada vez mais remota década de 60, do século e milênio passados - são as longas noites de apagões, como os cubanos chamam os cortes de energia elétrica. A inocência infantil, entretanto, transformava aquelas horas densas e escuras em uma peripécia que se somava a jogos como o de caça "cocuyo" (vaga-lume) e de esconde-esconde: nada como um bairro em sombras para a prática dessas brincadeiras às quais tantas noites nos entregamos.

Quase quarenta anos depois daqueles apagões originais, e após tê-los sofrido também em alguns períodos dos anos seguintes - até atingir o clímax na década de 90, quando chegaram a até 16 horas diárias em boa parte do país -, parecia que a maldição dos "cortes elétricos programados" havia sido exorcizada. Mais de uma vez, em anos recentes, se anunciou que o país contava com suficiente combustível (incluído o extraído na ilha) e capacidade de geração para apagar da realidade o "incómodo apagão", como costumam chamá-lo os porta-vozes oficiais.

Entretanto a crise económica internacional, a falta de dinheiro que enfrenta a ilha, os preços do petróleo, e a possibilidade de reexportar uma parte do que Caracas vende para Havana a preços preferenciais ou como pagamento pelos serviços dos colaboradores cubanos, colocaram a economia de combustível não apenas na agenda económica do governo, mas também nos temores dos cubanos que, com insistência, ouvem a notícia de que se não houver redução do consumo os apagões voltarão - como "as escuras andorinhas" de que falava um poeta nascido antes do uso doméstico da eletricidade.

Ao longo das últimas cinco décadas os cubanos convivem com as mais diferentes carências. Para algumas, encontramos alternativas, capacidade de adaptação, estratégias de resistência. Para outras - a escassez de moradia ou de comida suficiente a preços acessíveis -, aprendemos a minimizá-las das maneiras mais atrevidas: desde a transformação de um cómodo em dois pelo método de construir uma sobreloja (a chamada "grelha") até a ingestão de qualquer coisa mastigável que encha o estómago sem nos matar (picadinhos de carne engrossado com soja, casca de banana fervidas e depois marinadas, etc.). Porém, contra o apagão não há opções e menos ainda nos longos verões tropicais com que a geografia nos presenteia.

Para conseguir a economia de combustível necessária ("Economia ou morte!", é o lema nacional de hoje), o governo cubano implementou uma série de medidas dirigidas a esse objetivo no setor empresarial e produtivo do país, o de maiores índices de consumo. De imediato foram desligados, por várias horas durante o dia, ventiladores e aparelhos de ar-condicionado, apagadas muitíssimas làmpadas, reduzidas as viagens de ónibus urbanos e decretado um plano de consumo para cada entidade, com a advertência de que o não cumprimento das reduções previstas pode levar ao fechamento da indústria, do escritório.

Contudo - alerta o plano -, se ainda assim não se conseguir diminuir o gasto de combustível até os níveis exigidos pela economia centralizada, chegarão outra vez - como as já citadas andorinhas - os apagões ao setor residencial.

O programa é simples: Cuba deve transformar a economia em fonte de ganhos, embora se deixe de prestar serviços ou de produzir determinados bens. Os cidadãos, por sua vez, devem impor-se suas próprias cotas de economia, pois também são responsáveis pelos resultados da campanha e por evitar a volta dos recorrentes apagões.

Até há poucos anos, para conseguir maior eficiência no consumo de eletricidade, havia em Cuba a campanha batizada de "Revolução energética" que, entre outros aspectos, aumentou as tarifas em uma proporção considerável para os que mais consumiam, propiciou gratuidade (embora somente dessa vez) à milionária substituição de làmpadas incandescentes pelas "económicas" e incentivou a troca de equipamentos de alto consumo - velhos refrigeradores soviéticos e norte-americanos, aparelhos de ar-condicionado, televisores, motores para bombear água, etc. - por outros de fabricação chinesa, mais eficientes. Ao mesmo tempo, foram substituídos, em muitas partes do país, os odiosos fogões que utilizavam querosene por fornos elétricos e, inclusive, uma parte dos usuários de gás butano deixou de ter a opção de adquiri-lo e tiveram de mudar para a eletricidade.

Independente de a aquisição de todos esses equipamentos ter sido feita pelo crediário - que muitíssimas pessoas não podem, ou evitam, pagar (a ponto de os bancos suspenderem radicalmente os créditos a particulares) -, agora uma parte considerável do país requer eletricidade, ou seja, no cair da noite... Como se organizará a vida se os apagões voltarem? As pessoas tremem e preferem não pensar nisso...

Já são várias as gerações de cubanos que vivem o fantasma e a realidade tórrida do apagão. O certo é que o país, ao longo dos últimos 50 anos, introduziu importantes benefícios sociais que chegam a toda a população. Mas as carências na alimentação, no transporte púbico e na habitação, entre outros, são persistentes. Com elas às costas, agora enfrentamos a necessidade de economizar combustível para sobreviver, e o apagão nos espreita outra vez, ao dobrar a esquina, com se participasse da brincadeira de esconde-esconde de minha remota e escurecida infància.

* Leonardo Padura Fuentes é escritor e jornalista cubano. Suas novelas foram traduzidas para uma dezena de idiomas e sua obra mais recente, La Neblina del Ayer, ganhou o Prêmio Hammett de melhor romance policial em espanhol de 2005.


Fonte: Envolverde Revista Eletrónica


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