INSÔNIA
Certa vez participei de um projeto que tentava mapear a violência nas escolas. Visitando as salas de aula de uma escola pública para ouvir os relatos dos estudantes, percebi que havia um garoto de uns 12 anos com um olho totalmente roxo. Perguntei-lhe o que havia acontecido e ele me disse, inocentemente:
- Sabe, professor, nós somos muito pobres eu moro num rancho, na favela. Só temos uma cama, onde dormem meu pai, minha mãe, e eu. Todas as noites eu lavo os pés e vou para a cama, mas é tão apertado que quase não consigo dormir. Então de madrugada, meu pai me pergunta:”Você tá dormindo menino?” Eu digo que não, e ele me dá um soco nesse olho. Então eu durmo até de manhã!
Comovido com a história do menino e compreendendo a violência e safadeza do pai dele, eu lhe aconselhei:
- Faça o seguinte. Hoje à noite, quando você for para a cama, quando ele lhe perguntar, finja que está dormindo,. Você vai ver que ele não vai bater em você! Amanhã eu volto aqui para ver se funcionou, tá?
- Tá! – respondeu o garotinho.
Na manhã seguinte, curioso, voltei à sala de aula do menininho, e para minha surpresa, vi que ele estava com os dois olhos roxos. Enternecido, indaguei:
- O que aconteceu? Porque a minha sugestão não funcionou?
- Não sei, respondeu o garoto. Eu fiz direitinho como o senhor mandou: Lavei os pés e fui para a cama. De madrugada meu pai me perguntou: “Você tá dormindo, menino?”. Eui fiquei bem quitinho, como senhor mandou. Então foi minha mãe que perguntou:“Você tá dormindo, menino?” Eu continuei quietinho, como o senhor mandou. Então a cama começou a balançar e eu ouvi meu pai dizer
- Eu vou...ai, meu Deus! eu vou...
E aí minha mãe começou a dizer:
- Eu também vou! Eu também vou!
Eu, que tenho medo de ficar sozinho à noite, gritei:
- Eu quero ir junto!
Tomei dois socos nos olhos e acordei só de manhã!
* * *
|
