Usina de Letras
Usina de Letras
15 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62280 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50667)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6207)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Palavras dos poderosos -- 12/05/2003 - 09:58 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Bula do papa Alexandre VI, enviada ao rei Fernando e rainha Isabel, de Castela, Leão, Aragão, Sicília e Granada destacou que "entre outras obras bem aceitas à divina Majestade" sobretudo estava a exaltação e divulgação da fé católica e religião cristã e que deveriam ser abatidas e reduzidas à mesma fé "as nações bárbaras". Elogiou a atuação desses monarcas na conquista do reino de Granada, "com tanta glória do Divino Nome feita à tirania dos sarracenos" (povos nômades pré-islâmicos, que habitavam os desertos entre a Síria e a Arábia). Saudou o empenho dos reis em "procurar e achar algumas ilhas e terras firmes remotas e desconhecidas, e não encontradas por outros até hoje, a fim de que levásseis os povoadores e habitantes delas a venerarem o nosso Redentor e professarem a fé católica", um "santo e louvável propósito" que estava sendo realizado sob o comando do "varão certamente digno, muito recomendável e apto para tamanha empresa", Cristóvão Colombo. Este havia encontrado ilhas e terras firmes onde "não só habitam muitos povos vivendo pacificamente, andando nus e não se nutrindo de carnes, mas também (...) os mesmos povos, que habitam nas sobreditas ilhas e terras, crêem que existe no Céu um Deus Criador, e parecem bastante aptos para abraçar a fé católica". O papa não deixa de registrar que foram encontrados "ouro, aromas e outras muitas coisas preciosas de diferentes espécies e de diversas qualidades". Elogia também os reis por, "considerando diligentemente tudo e sobretudo a exaltação e dilatação da fé católica", determinarem sujeitar, por favor da Divina Clemência, as terras firmes e ilhas sobreditas, e os moradores e habitantes delas, e reduzi-los à fé católica".

Alexandre VI refere-se a todas as terras que não tinham sido descobertas até 25 de dezembro de 1492 e, "pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em S. Pedro, assim como do Vicariato de Jesus Cristo, a qual exercemos na Terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas as pertenças. E a vós e aos sobreditos herdeiros e sucessores, vos fazemos, constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre o onímodo poder, autoridade e jurisdição".

O santo padre, assim, doou um mundo aos reis espanhóis, pela autoridade que lhe foi concedida pelo Deus onipotente. Meio milênio depois, um outro cristão, o 43º presidente dos Estados Unidos (país localizado no continente descoberto por Colombo), George Walker Buch, arvorou-se também dono do mundo. Em tempos "politicamente corretos", atualizou o discurso. A agressão a outros povos agora não tem o intuito de propagar a fé católica, mas assume o "louvável propósito" de levar a democracia — no sentido a ela dada pelos EUA, que a colocam inclusive como sinônimo de liberdade.

No "ano da encarnação do Senhor", dois mil e três, dia vinte de março, tropas americanas e inglesas atacaram o Iraque. Após alguns dias, em 1º de maio, Bush anunciou o fim das "grandes operações de combate". Não anunciou formalmente o fim das hostilidades pois, pela lei internacional, implicaria na libertação de prisioneiros de guerra e impediria as forças americanas de tentar matar Saddam Hussein, o presidente deposto do país, caso ele tenha sobrevivido aos bombardeios realizados. Assim como os homens comandados por Colombo chegaram às novas "ilhas e terras firmes" para reduzir à fé cristã "as nações bárbaras", os homens de Bush e Toni Blair, seu aliado inglês, foram promover "a libertação do Iraque" e cortaram "uma fonte de financiamento do terror", como afirmou o presidente norte-americano, para quem "a transição da ditadura para a democracia levará tempo, mas vale cada esforço. Nossa coalizão ficará (no Iraque) até concluir o trabalho".

Na época do descobrimento, os nativos do novo continente ainda eram considerados povos que viviam pacificamente e que sequer comiam carnes, como refere a carta do papa. Nunca representaram (nem antes, nem depois) — ao contrário dos sarracenos — nenhuma ameaça aos europeus. Porém, na continuidade da conquista, como resistiram à escravidão, à expropriação de suas terras e à catequese, foram sendo transformados em selvagens indomáveis e canibais e foi questionado até mesmo se tinham alma - ou seja, se eram filhos de Deus (só os filhos de Deus tinham alma, segundo os dogmas de Roma).

A não ser entre fundamentalistas empedernidos, essa argumentação hoje não teria aceitação. Por isso, Bush e seus aliados não mencionam o canibalismo entre os árabes, cujos governos apóiam "o terrorismo" e desenvolvem, às escondidas, armas de destruição em massa (como a bomba atômica, lançada pelos EUA no Japão, ou o antraz, fabricado também pelos EUA). No dia 28 de abril, Bush prometeu que "o Iraque será democrático". Também os interesses econômicos foram atualizados no ataque ao Iraque. Em vez de "ouro, aromas e outras muitas coisas preciosas de diferentes espécies e de diversas qualidades", a cobiça agora é pelo petróleo, que no dia 25 de abril voltou a ser extraído, buscando apressar a retomada da produção, no sul do país, de 175 mil barris/dia. O governo interino se apressou em retomar a produção petrolífera que, segundo o general Jay Garner, é fator essencial para "levantar dinheiro para a reconstrução iraquiana".

"As forças da coalizão enviaram uma clara mensagem ao mundo: os EUA mantêm sua palavra. Aquilo que começamos, terminaremos. O mundo hoje é um lugar mais seguro. O regime de Saddam Hussein não existe mais e o terrorismo internacional perdeu um de seus aliados", afirmou Bush no dia 4 de maio de 2003. Só faltou terminar sua fala com o 11º e último parágrafo da carta do papa Alexandre VI, datada de 4 de maio de 1493: "Portanto, a nenhum homem absolutamente seja lícito infringir esta página da nossa recomendação, exortação, requisição, doação, concessão, entrega, constituição, deputação, decreto, mandato, proibição e vontade, ou opor-se-lhe, com ousadia temerária".

Lá se vão 510 anos.





Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui