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Teses_Monologos-->HOBSBAWM: Tempos Perigosos (uma resenha) -- 30/05/2004 - 02:53 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em sua autobiografia, o grande mestre britânico Eric J. Hobsbawm dá seu testemunho sobre o Século dos Extremos

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Por Volker Ullrich (Die Zeit online, 34/2003)
Trad.: ZPA
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Demasiada modéstia ou coquetismo? No início de sua autobiografia, quase se desculpa Eric Hobsbawm por ter ousado assumir um empreendimento dessa natureza. Pois não costuma incluir-se entre os "tão conhecidos, que a mera menção de seus nomes desperte já a curiosidade em relação a sua existência".

Que erro! O nome de Hobsbawm é obviamente conhecido de todos, mesmo dos que apenas fugazmente se confrontaram com a história da historiografia no século XX. Devemos-lhe não apenas uma extraordinária trilogia do "longo século XIX", de 1789 a 1914, como uma lúcida análise do "breve século XX", de 1914 a 1991: "O Século dos Extremos", sua magistral obra da senectude, surgida no ano de 1994, foi traduzida para vários idiomas. Hoje, aos 86 anos de idade, o mestre britânico, que se compreende como um marxista não-dogmático, com razão é considerado um dos mais importantes historiadores da atualidade.


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Experiências marcantes em Berlim
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E ei-lo, uma vez mais, a nos conduzir através do século XX. Desta feita, no entanto, não como historiador distanciado, mas como observador participante, como, é assim que hoje se diz, "testemunha de uma época". E o faz com plena consciência das dificuldades de sua tarefa.

Escrever uma história da própria vida pessoal significa "refletir para além de si mesmo, como até aqui nunca efetivamente se fez": "No meu caso, significa remover sedimentos de três quartos de um século e libertar, ou descobrir, ou recompor um estranho, oculto entre os escombros".

É lógico que, para Hobsbawm, não se trata de confissões pessoais ou descobertas relativas à sua vida privada. Trata-se, isto sim, de desvelar como as revoluções e cesuras históricas determinaram seu percurso e formaram sua visão de mundo. Trata-se, portanto, e não se poderia esperar outra coisa de seu autor, de uma autobiografia politicamente matizada, espécie de lado B de "A Era dos Extremos", como se lê no prefácio.

O historiador como autor de sua autobiografia – uma constelação tão interessante quanto problemática. Pois, como historiador, ele possui sobre determinadas fases de sua biografia um conhecimento mais exato do que lhe seria possível ter na qualidade de mero contemporâneo: "Como libertar as minhas recordações do que hoje sei como historiador?" Refletir e manter constantemente consciente essa relação de tensão é um mérito nada desprezível deste livro.

Para o leitor alemão, penso, os primeiros capítulos sobre infância e juventude em Viena e Berlim são especialmente relevantes.

Eric Hobsbawm nasceu em 1917, o ano da Revolução de Outubro na Rússia, na cidade egípcia de Alexandria. Seu pai era um oficial britânico de poucas posses, sua mãe era filha de um abastado joalheiro judeu de Viena. Depois do final da 1a. Guerra Mundial, esse casal desigual mudou-se para a capital do naufragado Império Habsburgo, para ali construir uma existência burguesa.

Na hiperinflação do início dos anos 20, no entanto, a situação econômica da família sofreu uma piora acelerada. Hobsbawm descreve as desesperadas tentativas de deter a decadência social. Em 1929, seu pai faleceu, o mesmo acontecendo com a mãe dali a dois anos.

Como um adolescente enfrenta a súbita morte de seus pais? Sobre isso, é de forma apenas evasiva que Hobsbawm se manifesta. Em algum momento ele vai dizer que seria obrigado a carregar em si mesmo “as cicatrizes dos ferimentos emocionais” daqueles anos sombrios, mas poupa-se de removê-las. Psicologia não é o seu assunto.

Com 14 anos de idade, ao ser acolhido por um tio em Berlim-Wilmersdorf, ao final do verão de 1931, já a República de Weimar exalava seus últimos suspiros, com o desemprego atingindo números recordistas.

Os quase dois anos vividos na atmosfera intensamente radicalizada da capital alemã condensam-se num olhar retrospectivo para a fase decisiva de sua formação política. Esses dois anos fizeram dele um "comunista para toda a vida" – uma constatação surpreendente, pois conhecimentos teóricos sobre o marxismo o colegial de então praticamente não possuía, tendo sido rapidamente suspensa uma tentativa de leitura de "O Capital".

São notavelmente amistosas as recordações que Hobsbawm guardou de seu tempo no Prinz-Heinrichs-Gymnasium em Schöneberg, e isso não obstante se tratasse de uma instituição prussiana bastante conservadora. Mas, como enfatiza o autor, "era uma escola decente". Nada sofreu sob o antissemitismo, e isso tem a ver com o fato de ele, que desde o nascimento fôra um cidadão britânico, não ser identificado como "judeu", mas como "inglês".

Na primavera de 1933, alguns poucos meses depois da "tomada de poder" por Hitler, Hobsbawm migrou para Londres – e aliás, como faz questão de deixar claro, não como perseguido do regime nazista, mas porque o tio deslocara suas atividades profissionais para o exterior.

Depois das empolgantes experiências como jovem comunista em Berlim, a vida na metrópole britânica pareceu-lhe tediosa num primeiro momento. Mas logo descobriu uma segunda paixão, à qual haveria de se dedicar com uma entrega da mesma dimensão: o amor pelo jazz.

Décadas mais tarde, como crítico de jazz do New Statesman, ele faria dessa paixão uma ocupação paralela às muito mal remuneradas atividades como docente de uma escola superior. Sobre esse lado menos conhecido de sua atividade, a autobiografia busca ser exaustiva.

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Como comunista em Cambridge
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Em 1936, concluídos os estudos na St. Marylebone Grammar School, Hobsbawm obteve uma bolsa para Cambridge, como prêmio por seu talento. Eis a citação que ele faz do que havia, na época, anotado em seu diário:

"Ele gostaria de ser um revolucionário e não possui, no momento, nenhum dom para a organização; ele gostaria de ser escritor e não possui nem energia criadora nem energia... Ele é ambicioso e convencido. Ele é um covarde. Ele ama intensamente a natureza. E ele vai esquecendo o idioma alemão".

A distância irônica do jovem estudante frente a si mesmo impregna igualmente a biografia do mestre ancião. E isso a distingue de forma decididamente vantajosa das memórias de certos intelectuais.

Em Cambridge, Hobsbawm reassume o engajamento politico. Ingressa oficialmente no PC inglês e assume uma função no grupo comunista da High School. O diplomado do King’s College arranha um pouco o mito da universidade inglesa de elite. Ele descreve seu funcionamento como "alienado e pouco inteligente".

Por outro lado, entoa um hino de louvor aos estudantes seus contemporâneos. Como jamais acontecera, tampouco depois disso os esquerdistas desempenhariam um papel tão importante como na segunda metade dos anos 30, quando a 2a. Guerra Mundial cada vez mais se aproximava.

Hobsbawm pergunta por que, na época, justamente as melhores cabeças entre os estudantes se sentiram atraídas pelo comunismo. Para muitos, foi primeiramente o desejo de deter o avanço das ditaduras fascistas. O movimento também se orientava contra a política de pacificação do governo britânico, que só podia reforçar Hitler em suas intenções agressivas. Daí por diante, no entanto, tratava-se da concretização de uma utopia social, tratava-se do "ideal de uma superação do egoísmo – tanto o individual quanto o coletivo".

Hoje, depois que fracasso do projeto comunista ficou exposto aos olhos de todos, pode-se ironizar um tal idealismo exacerbado. Mas é bom que Hobsbawm não tente passar por mais inteligente do que foi, antes ofereça uma conclusão sóbria a respeito de como ele e seus companheiros de luta pensavam e sentiam na época.

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A cesura do ano de 1956
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O título da edição inglesa é "Interesting Time". Na edição alemão, ele foi transformado em "Gefährliche Zeiten" [Tempos perigosos], com um deslocamento de ênfase que não faz justiça ao conteúdo do livro.

A 2a. Guerra Mundial inteira, Hobsbawm passou-a na retaguarda – primeiramente como pioneiro real no entrincheiramento do aparato de defesa contra uma possível invasão alemã, depois como uma espécie de oficial de elite junto ao comando sul do Exército Britânico. E tampouco a Guerra Fria, que já se inicia logo depois de 1945, foi capaz de interromper duradouramente sua carreira.

Na Inglaterra, o anticomunismo não assumiu os traços histéricos de sua versão americana. Professores universitários comunistas não foram despedidos, mas afastados por meio de promoções. Hobsbawm, em 1947, foi coordenador pedagógico no Birkbeck College da Universidade de Londres. Mas o título de professor, só veio a recebê-lo em 1971, quando já era uma celebridade internacional.

É com veemência que o historiador assinala a cesura do ano de 1956. Os desvelamentos dos crimes stalinistas por Kruschev, em fevereiro, e a derrubada da revolução húngara pelos tanques soviéticos, no outono, foram fatos que abalaram o movimento comunista em seus fundamentos: "Depois de quase meio século ainda me sufoca a garganta a lembrança das tensões quase insuportáveis sob as quais vivíamos mês a mês".

Em protesto, alguns de seus colegas historiadores marxistas – Christopher Hill ou Edward P. Thompson – abandonaram o PC, mas Hobsbawm permaneceu (até a auto-dissolução do Partido em 1991). Por quê? A pergunta já lhe foi feita muitas vezes. Pois agora ele tenta responde-la de uma vez por todas.

Para ele (e para a geração de comunistas entre os quais ele se conta), a Revolução de Outubro teria sido "o ponto de referência central no universo da política". "Como um cordão umbilical inextirpável", ela o teria conectado "à esperança na revolução mundial", por mais que ele próprio possa ter-se posicionado ceticamente em relação à política da União Soviética nesse meio tempo.

Quanto a isso, um sentimento de orgulho ter-se-ia imposto: Para sua carreira, uma saída do PC teria sido simplesmente útil. Ele, no entanto, queria justamente provar que também lhe seria possível triunfar como comunista.

Eis um ponto de vista que merece respeito, ainda que não venha a convencer todos os leitores. Com efeito, pergunta-se se não teria sido mais honroso, já em 1956, estabelecer uma linha clara de separação, pois, como ele próprio observa, desde aquele tempo já praticamente não atuava politicamente no PC. Concentrava-se, então, por inteiro na docência e na pesquisa – e na escritura de seus livros.

Ao êxito profissional veio juntar-se, em meados dos anos 60, a felicidade pessoal do pai de família e do proprietário de sua própria residência. "Um divisor de águas", esse o título deste capítulo de sua biografia, que, de certo modo, vale também para a autobiografia. A tensão se dissipa; a narrativa perde o ritmo, e, às vezes, Hobsbawm, que tão maravilhosamente sabe dar sabor ao texto, se torna diretamente loquaz.

Quanto à revolta estudantil de 1968, ele a encarou com uma devida porção de ceticismo: "Usávamos, é verdade, o mesmo vocabulário, mas não falávamos, como era visível, a mesma linguagem".

O que o separava dos rebeldes estudantis era, sobretudo, o conhecimento de que, nos países capitalistas avançados, uma revolução social não estava na ordem do dia. A posteriori, contudo, ele admite ter subestimado o papel dos 68 na revolução cultural.


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O pensamento dentro de perspectivas globais
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Foi logicamente com clareza de visão que Hobsbawm, em palestra ao final dos anos 70, vaticinou a queda do movimento sindical britânico e o triunfo de Margareth Thatcher. Na crítica que faz aos efeitos da Era Thatcher, o autor não mede palavras: Ela destruiu "a maior parte dos valores britânicos tradicionais" e transformou o país "a ponto de torná-lo irreconhecível". Mas também ao New Labour sob Tony Blair se ajusta o veredicto, por ter com demasiada prontidão adotado a ideologia do neoliberalismo.

Seria possível desautorizar seu veredicto como lamentação de um nostálgico da esquerda, que não compreende mais os sinais dos tempos?

Paradoxalmente, o crítico decidido da globalização sob o signo da mercantilização radical é um dos poucos historiadores para quem a perspectiva global se constitui numa obviedade: "Nosso ideal", como ele já disse uma vez, "só pode ser uma ave de arribação, capaz de sentir-se em casa tanto no Ártico como nos trópicos, e de sobrevoar a metade do globo".

O provincianismo é descrito por Hobsbawm como um "pecado mortal da história"; qualquer exposição nacional do próprio umbigo é por ele detestada. Ele é um cosmopolita poliglota, que não apenas pensa em contextos globais, como percorreu países e continentes. Disso dão testemunho os últimos capítulos do livro. Neles, a descrição de suas inúmeras estadas como pesquisador e docente na França, na Espanha, na Itália, nos Estados Unidos e no terceiro mundo, sobretudo na América Latina.

Ao terminar a leitura deste livro, compreende-se porque, para muitos intelectuais de passado esquerdista (por exemplo, na França), Eric Hobsbawm é um lenço vermelho. Longe de abjurar o marxismo, ele enfatiza a importância de se tornar a dirigir a atenção dos jovens historiadores para a concepção materialista da História – "justamente hoje, quando, tal como nos tempos em que foi condenada como propaganda totalitária, até mesmo as modas acadêmicas de esquerda a desqualificam". E é com pertinácia que ele se recusa a se despedir do sonho de um mundo mais humano: "A injustiça social precisa ser insistentemente denunciada e combatida. Por si só, o mundo não vai melhorar". São essas as frases finais.

Assim, este livro é não apenas o relato impressionante da vida de um grande estudioso, que presta contas de seu Século dos Extremos, como também o legado de um humanista de esquerda, que, desde sempre, tem apostado na força transformadora da utopia.

Ah, se houvesse um como ele entre os historiadores alemães.

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Eric J. Hobsbawm: Gefährliche Zeiten
Ein Leben im 20. Jahrhundert; aus dem Englischen von Udo Rennert; Carl Hanser Verlag, München 2003; 499 S., 24,90
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