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Contos-->CIDADE DUTRA -- 14/07/2001 - 22:16 (Clenio Cleto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
13-CIDADE DUTRA
Passei a década de 50 residindo na Cidade Dutra, cheguei criança, sai homem casado em 1960. Foram dez anos de crescimento em todos os sentidos, tanto físico como psicológico.
Como morava a dois quarteirões do autódromo comprei uma motocicleta e, todos os dias, com qualquer tempo ou temperatura, treinava na pista pelo menos uma hora. Cheguei a campeão paulista, brasileiro e terceiro sul-americano em motociclismo. Era sócio a Associação Cristã dos Moços onde fiz mergulho e caça submarina, levantamento de peso e halterofilismo (cheguei às Olimpíadas de Elsink e conquistei o 51º lugar na categoria de leves). Treinei box com Kid Jofre, pai do Eder, em sua academia da Rua Sta Ifigênia, onde conheci Eduardo Suplicy, senador atualmente. Freqüentava a Academia dos Graces de artes marciais e apresentei-me
pelo pelo Canal 9, programa do Bolinha, com o nome de Aladim.
O Primeiro Ano do Curso Científico fiz no Colégio Arquiodiocezano, onde presenciei coisas dignas da Idade Média: castigos com palmatória, quarto escuro, vara de marmelo. Os castigos eram aplicados aos alunos com ódio e satisfação pelos padres. Horror... Transferi-me para o Colégio São Luiz, também administrados por religiosos católicos, onde a disciplina era menos
violenta, onde terminei o Científico. Ingressei na Faculdade de Direto São Francisco e cursei os dois primeiros anos, abandonando por não corresponder a meus anseios profissionais.
Fui convocado para o serviço militar e servi l4 meses na Aeronáutica, em Cumbica e em Cuiabá, em Mato Grosso.
Com a incumbência de organizar os esportes e gerir o salão de bailes, associei-me à ACM (não confundir com nenhum baiano honesto) e fiz um curso de danças de salão com o Prof. Amêndola, num prédio da Av.Ipiranga com a Av.São João. Esse local, depois da Pça da Sé, era o ponto mais conhecido da Capital de São Paulo, pois nele funcionava o bar do Jeca Tatú numa esquina e o bar da Brahma, na outra, estabelecimentos freqüentados pela boemia paulistana.
Boêmio era o que não faltava, era moda em São Paulo e no Rio de Janeiro, homens de todas as idades curtirem os bares, salões de baile e bilhares, durante todas as noites e madrugadas. Eram artistas do rádio, cantores populares e clássicos, atores de teatro, escritores, poetas, advogados, estudantes, cafetões, malandros e batedores de carteira.
Estudava dança no 3ºandar do prédio defronte ao Jeca Tatú e mnhas aulas terminavam às l0 horas da noite, quando os primeiros freqüentadores começavam a chegar. Suas roupas eram diferentes dos homens normais: chapéu de abas mais largas jogado displicentemente para o lado da cabeça, bigodes finos e costeletas compridas, gravata com temas coloridos, cachecol de seda de matizes variadas, paletó jaquetão com ombreiras, calças “boca de chorro” (tinham 15 cms de largura na altura da barra) que formavam uma espécie de sanfona na perna tal era o seu comprimento, sapatos “carrapeta “(saltos altos) bico fino de verniz preto e branco. Era comum o lenço no bolsinho do paletó. No frio usavam compridos e volumosos sobretudos de lã preta.
Meu tio José, cujo apelido era Zé da Pinta (tinha uma mancha preta de 3cms de diâmetro no pescoço abaixo da orelha) tinha um conjunto musical chamado Regional do Zé da Pinta e se apresentava diariamente na Rádio Cultura, estabelecida um pouco mais acima na Av.São João, boêmio e jogador de baralho, apresentou-me todos seus amigos da famosa esquina. A maconha rolava solta entre eles, tomavam Melhoral e Pervitin com cerveja, cheiravam eter e lança perfumes, e todos os dias havia discussão e brigas. A navalha, a gilete e o soco inglês eram as armas usadas quase por todos. A área era proibida para as mulheres incluindo as prostitutas que, há meio século, já se “viravam” naquela região. Alí travei amizade com Adoniram Barbosa, Chacrinha, Chico Alves, Baurú (o inventor do sanduíche), Antônio Ermínio de Moraes, e muitos outros artistas famosos e “duros”. Ninguém ligava para o dinheiro, quando tinham gastavam tudo numa noite, quando não tinham os amigos “bancavam”, a moeda corrente era ter bom papo e saber cantar. Os poucos políticos que ousaram aproximar-se dessa turma foram escorraçados com certa violência, não mereciam compartilhar da fraternidade reinante. Com 17 anos era o mais jovem de todos, que no início me aturavam em consideração ao Zé da Pinta, mas, aos poucos por intermédio do Randal Juliano fui me entrosando e me adaptando ao tipo de conversa e assuntos predominantes. Colocaram-me o apelido de Aladim em virtude de minhas histórias de Julio Verne e meus comentários sobre o futuro do Mundo,
apelido que usei quando comecei a apresentar-me como lutador profissional de luta-livre.
Uma noite, saindo da aula de dança, tinha pouca gente no Jeca, e notei um homem alto, mal vestido, cabelos longos e revoltos (coisa rara), bebendo vagarosamente um copo de leite (mais raro ainda). Sua figura chamava a atenção, olhos grandes, saltados e vermelhos, lábios grossos, lembrava-se da descrição que havia lido de Rasputin. Quando alguma coisa me intriga procuro saber o por que... Fui para o lado dele, no balcão, e pedi uma cerveja ao moço do bar.
- Está servido? perguntei a ele. Era costume oferecer às pessoas próximas aquilo que iríamos comer ou beber.
- Merci... eu não bebo.
- Então é o único aquí, brinquei. Meu nome é Cleto, mas, pode chamar-me de Aladim como todos.
- Sou o Silk, o faquir.
- Já lí a respeito de você... Pura mentira, nunca havia ouvido falar dele, e, também, o faquirismo não era um tema que apreciasse, achava charlatanice, engodo.
- Está mentindo. Nunca ouviu falar de mim nem sabe o que é um faquir.
Naquele tempo chamar um homem de mentiroso, e eu já me considerava um homem, era quase o mesmo que esbofeteá-lo. Senti o sangue subir para o rosto e em lugar de afrontá-lo admiti que não tinha dito a verdade para não ofendê-lo. Sorriu e isso quebrou a tensão. Durante muito tempo falou sobre os faquires indianos, a filosofia, dos jejuns, objetivos, demonstrou alguns truques e ensinou-me a parar as batidas do pulso. Falou sobre Mesmer, Jung, magnetismo e hipnotismo, o que me relembrou os livros “José Balsamo”e “Memórias de um Médico de Alexandre Dumas. Ouvi fascinado... Outras pessoas haviam se aproximado e ouviam sua explanação. Apresentei o Silk a todos e ele enturmou-se imediatamente passando a freqüentar o Jeca Tatú. Um repórter dos Diários Associados disse que ia escrever um artigo sobre ele e realmente o fez, divulgando que ele ficava todas as noites no Jeca.
No dia da publicação do artigo repórteres de outros jornais estavam no Jeca, esperando pelo faquir, um dia antes desconhecido. Apresentou-me como seu secretário, pois, como disse-me mais tarde, todo faquir tem que ter um secretário e eu era a única pessoa disponível e, ainda, era chamado de Aladim. Fazia sentido, o Aladim havia descoberto o Gênio, Silk. Como São Paulo carecia de notícias e esse foi o assunto dos jornais do dia seguinte. O recorde mundial de jejum pertencia a um francês que ficara 100 dias sem comer. Silk anunciou que ficaria 102 dias sem comer se lhe cedessem uma praça no Centro da Cidade. Meu pai conseguiu com o Jânio, então prefeito, o Largo do Paissandu para o mês de março, depois do Carnaval. Silk, disse ainda aos jornais, sem meu conhecimento, que eu ficaria enterrado por três dias como aperitivo de sua apresentação. Eu fiquei sabendo disso pelos jornais e vivi momentos de fama entre meus amigos e colegas da escola. Se o orgulho é um dos pecados capitais, é muito bom!
Estávamos em outubro e eu seria enterrado em dezembro ou janeiro. Iniciamos os treinos para o evento, abstenção total de bebidas alcóolicas, redução gradual da alimentação diária, ingestão de bastante líquido vitaminado, exercícios respiratórios para conter a respiração, e aprendizado de alguns truques e dicas.

E-MAIL: cletotexto@hotmail.com

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