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Contos-->RUA DAS CARMELITAS -- 14/07/2001 - 22:13 (Clenio Cleto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RUA DA CARMELITAS

Rua das Carmelitas esquina com Rua Tabatinguera, Centro da Cidade de São Paulo, 24 de outubro de 1935, 0:10 horas. Um berro rasga o silêncio e, sem necessidade do tapa na bunda, vim ao Mundo, chorando copiosamente. Com 5kg e algumas gramas parecia um leitão vermelho, contou-me minha mãe, temperado para ir ao forno.
Chorei e mamei todo o leite materno e aos seis meses foi-me designada uma ama de leite.
Dna Luiza, mulher negra, forte, peituda, mãe dos gêmeos Hildebrando e Narciso. Coitados! Suguei todo o leite destinado a eles... Em março de l937 nasce minha irmã Clayde, de quem, também, roubei o leite. Só comecei a aceitar alimentos sólidos depois dos 3 anos.
Dna Luiza foi minha madrinha de batismo o que provocou a ira de nossos parentes racistas,
o que na época era perfeitamente natural. Negro era bicho...
É a partir dessa época que lembro-me das coisas, como, por exemplo, de esperar junto com a Clayde o cabreiro todos os dias pela manhã. Sentados no primeiro degrau da escada que levava à porta de entrada, que se abria para a calçada, esperávamos com ansiedade ouvir o badalar do sino pendurado ao pescoço da cabra madrinha e logo após surgir todo o rebanho balindo sem ritmo. Fecho os olhos e, ainda hoje, vislumbro essa imagem. O cabreiro enchia nossos grandes copos e seguia atrás das cabras que rebolavam e balançavam seus enormes úberes.
Nós sorvíamos aquele leite devagar, saboreando e tentando prolongar ao máximo o prazer da degustação. Logo depois da passagem do cabreiro vinha o carroção do lixo,puxado por quatro grandes burros, com orelhas compridas, dos quais nós sabíamos até o nome.
Minha primeira namorada foi a Lourdinha, morava na casa vizinha, não me lembro de
suas feições, só todos os dias dávamos banho no gatinho de possuía, fechados no banheiro.
Em 1940 mudamos para a Praça da República, ocupando uma casa dentro do terreno ocupado pelo hospital da CAPFESP (Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos Estaduais), do qual meu pai era médico de plantão (24 horas por dia). Com quase 1 alqueire, com árvores, pomar, jardim de flores e horta, foi um verdadeiro paraíso para duas crianças. Ganhamos uma cadela, Dote, um coelho branco e uma jibóia, Dorotí.
O Mundo estava em guerra, como sempre, mas a Primeira Guerra Mundial abalou a economia brasileira. Tínhamos racionamento de gasolina, farinha de trigo, azeite, e o black-out. Em 1943 meu pai apresentou-se como voluntário e foi para Nápoles, como médico, retornando no final de l944. Que ironia! Vivíamos em plena ditadura militar de Getúlio Vargas e meu pai foi defender a democracia...
Minha mãe nasceu em Frankfurt, na Alemanha, e durante essa guerra sofreu a discriminação das pessoas conhecidas e até de parentes de meu pai, mas, estoicamente, com garra, ocupava seu tempo ensinando eu e minha irmã a ler, escrever e a calcular.
Aos seis anos eu conseguia ler Julio Verne, Alexandre Dumas, Oscar Wilde, Emile Zola, os quais se tornariam meus escritores prediletos.
Conheci a Anita, filha do sapateiro, a quem ensinava a ler num quadro negro, trancados em um quarto de despejo atrás do pomar, no escuro.
Comecei a freqüentar o Primeiro Ano Primário na escola particular de Dna Mariana Juliano, mãe do radialista Randal Juliano, naquela época com 18 anos e já com considerável fama em São Paulo. Como já sabia ler e escrever, Dna Mariana passou-me diretamente para o Segundo Ano. Aos dez anos terminei o Quarto Ano Primário, mas, não pude ingressar no Curso Ginasial por não ter onze anos completos. De nada valeu a promoção que Dna Mariana me deu. Com onze anos entrei no Primeiro Ano Ginasial no Colégio Ypiranga, na Vila Mariana.
De regresso meu pai comprou sua primeira casa própria na Rua Voluntários da Pátria, em Santana, quando realmente comecei a “viver” a vida e acumular experiências para tornar-me essa “coisa”que sou hoje.
Na parte da manhã ia para o colégio, à tarde estudava e fazia todas as lições, das l7 às 20 horas encontrava-me com a “turma” da rua para me divertir. Aprendi a jogar futebol, , não levava muito jeito para esse esporte, mas, dava para quebrar o galho, porquanto, havia alguns piores do que eu. Cada estação do ano tinha brincadeiras específicas: jogar peão, bolinhas de gude, empinar papagaio, soltar balões, rodar pneus, matar passarinhos com estilingue, e mais mãe-na-mula, mãe-da-rua, cachuletas, roubar frutas de pomares vizinhos, fazer cabanas no meio do mato, nadar em lagoas. As turmas, compostas de 10 ou 15 meninos, demarcavam seus territórios e as desavenças entre elas eram constantes. Numa certa vez nossa turma brigou com a da Rua da Repartição por mais de cinco horas seguidas e no fim da disputa ambas as turmas foram para minha casa onde meu pai fez curativos em todos.
Devorava os livros de ficção científica de Julio Verner, vibrava com os duelos e intrigas de Michel Zevaco, Alexandre Dumas, entristecia com as agruras de Emile Zola.
Em virtude dos comentários que fazia com meus amigos da turma, foi dado o apelido de Doutor Silvana, cientista maluco que usava sua inteligência para o mal, personagem de uma revista em quadrinhos chamada Gibi.
Inscrevi-me como sócio da Biblioteca de São Paulo e todas as semanas levava para casa 10 livros de autores e assuntos diferentes.
Para meus pais eu era um menino prodígio! Aliás, educaram-nos sem reprimendas, sem gritos, sem surras, e sem CONSELHOS incoerentes do tipo “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. O exemplo que nos davam era tão bom que enforcavam-nos para agradá-los com nossa dedicação aos estudos e ao comportamento. Com 14 anos terminei o Curso Ginasial.
Em 1950, a CAPFESP, na pessoa de seu presidente Dr.Joaquim Fernandes Moreira, empreendeu um projeto para a construção de 5.000 residências em Santo Amaro, atrás do autódromo de Interlagos, com ruas asfaltadas, esgoto, água encanada, luz, posto médico, posto de puericultura, creche, igreja, salão de festas, mercado, farmácia e um prédio com boxes para o comércio local. A esse conjunto residencial deu o nome de Cidade Dutra.
As casas foram vendidas aos contribuintes do Instituto, que pertenciam à própria CAP, Light, Cia de Gás e CMTC, ao preço de custo e para pagamento em 30 anos.
Mudamos para a Cidade Dutra em 1951 quando da entrega das primeiras 500 residências. Os moradores provinham de todos os bairros de São Paulo...
Meu pai fundou a S.A.I.-Sociedade Amigos de Interlagos, e o Dr. Moreira cedeu um terreno com sede social, campo de futebol e pista de atletismo.
Jânio Quadros, Ademar de Barros e o Partido Comunista, dividiam os eleitores do bairro. Meu pai era janista e abriu um comitê político, quando Jânio foi eleito Prefeito ele elegeu-se vereador. A mim coube a administração das atividades esportivas e socais, como por exemplo, dirigir e organizar o salão de bailes. Minha irmã o setor de puericultura. Não recebíamos nada pelo trabalho e orgulhávamos disso.

E-MAIL: cletotexto@hotmail.com





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