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Contos-->Um conto de Robert Walser, em 1914: "O sonho" (uma tradução) -- 14/07/2001 - 00:06 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A noite passada eu tive um sonho triste, sem qualquer alegria.

Dele eu despertei bem umas seis vezes, mas sempre, como se tivesse de ser repetidamente posto à prova, de novo caía prisioneiro da violência das ilusões áridas, em poder do sonho febril. Sonhei que tinha entrado numa espécie de clínica, ou instituto, num círculo especial, num isolamento aferrolhado e sem naturalidade, o qual era regido por determinações de uma extrema frieza e peculiaridade.

Tomou-me o desamparo, e um gélido tremor se me agigantou pela alma adentro, apavorada, angustiada, ela que em vão ansiava por chegar ao entendimento. Tudo me era incompreensível, mas o mais horripilante era que eles não faziam senão sorrir da insegurança e do desamparo em que me viam. Por todos os lados eu vasculhava com olhos súplices, à procura de um olhar amigo, mas o que via era apenas o escárnio explícito, insensível, a tomar-me pela medida dos olhares que eles ostentavam.

Todos quantos ali se encontravam só faziam analisar-me de um modo assaz estranho, de maneira assim enigmática. Minuto a minuto, cada vez maior se punha o meu medo ante a ordem que reinava naqueles arredores, ordem cuja natureza me enchia de horror, e com ela aumentava a incapacidade que eu transparecia, de me lançar em relações tão raras, esquisitas. Com clareza eu me recordo de como, ora a este ora àquele funcionário, num tom de preocupação e de súplica, eu dizia que “tudo aquilo”, assim eu me expressava com o coração apertado ao extremo, me era absolutamente incompreensível, melhor seria me lançarem de volta ao mundo, para que eu de novo pudesse encontrar a minha coragem e o meu espírito natos.
Mas, em vez de me oferecerem resposta, davam de ombros apenas, caminhavam de uma lado a outro, mostravam-se bastante solicitados, davam-me a entender que tempo não teriam para mais de perto comigo se ocuparem, e com a minha infelicidade, e me deixavam postado naquele espanto indizível, horrendo. Visível era que eu a eles em absoluto não me adequava. Por que teria vindo então agora ter com eles, na estreita e fria delimitação daquele espaço? Tateei por muitos aposentos e cômodos contíguos; cambaleie de um lado a outro como um perdido.

Para mim, era como se estivesse a ponto de me afogar no mar do estranhamento. Amizade, amor e calor tinham se transformado em ódio, traição e malícia, e a reciprocidade dos sentimentos parecia estar morta há milênios, ou ter sido removida a uma distância infinita. Eu não ousaria exprimir um lamento. Em ninguém mais eu podia ter confiança, em nenhum daqueles seres humanos incompreensíveis. Cada qual tinha a sua ocupação severa, estreita, opaca, perfeitamente calculada e, para além desse fazer, desembestava como se num vazio sem limites. Sem compaixão para consigo próprios, tampouco sabiam ter compaixão para com um semelhante. Mortos como estavam, não pressupunham senão mortos. Finalmente eu despertei de toda aquela desesperança. Oh, quanto me alegrei em saber que não passara de um sonho.


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