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Contos-->Nem só de pão... -- 29/06/2001 - 10:19 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em mais um de seus dias felizes, o jovem José andava despreocupado bem no meio da praça da República, quando lhe chamou a atenção um velhinho de barba e cabelos enormes, alvos como a neve, sentado no banco que dá para a Pte Vargas, olhando fixamente o horizonte. Apesar de não aparentar estar sentido alguma dor, nem ser um mendigo, aquele ancião tocou profundamente o espírito daquele jovem, que não teve forças para recusar o convite de uma voz que dizia: “vai falar com ele”.
José, confuso, pois nunca algo semelhante lhe acontecera, pensou ter imaginado coisas. Porém, novamente a voz lhe mandou ir àquele velhinho. Sem saber o que ia acontecer, foi, e, para a sua surpresa, o ancião chamou-o pelo nome, como se já o conhecesse:
- Vem aqui, José, não tenhas medo. Há muito tempo espero por esse momento. Logo saberás quem sou e porque hoje nos encontramos.
José, ainda confuso, sem saber o que estava acontecendo, por uns instantes nada disse; sua jovem mente não conseguia atingir o nível de profundidade que o velho conferiu à ocasião. Pensava mesmo se tratar de um desses loucos que abundam nos logradouros, incomodando aos transeuntes.
- Como o senhor me conhece? Eu nunca o vi antes...
- Calma meu jovem, não vou te fazer mal algum. Pelo contrário, depois de hoje tua vida não será mais a mesma. Vou te ensinar algo que muitos homens de idade avançada desconhecem.
- O que eu preciso saber? Sou jovem e tenho tudo o que preciso para ser feliz. Meus pais me amam, são atenciosos, compram tudo o que quero. Não falta comida em casa e estou estudando em um dos melhores colégios da cidade. Meus amigos gostam de mim; aliás, creio mesmo que alguns deles me invejam.
- Quer dizer que, segundo disseste, de tudo o que é necessário para alguém ser feliz tu dispões, e por isso és feliz?
- Sim...
- Diz-me, então, José, desses teus amigos que te invejam há algum a quem falte algo do que tu disseste ter? Tem algum órfão, ou, não sendo, cujos país o maltratam, não lhe dão roupas boas, bom alimento e boa escola?
- Não...
- Tem algum que seja aleijado, deficiente mental ou outro problema grave?
- Que eu sabia, não...
Prosseguiu o velho.
- E dentre os teus amigos que, em tua opinião, aparentam não te invejar, há algum a quem falte qualquer daquelas coisas; que tenha algum problema físico ou mental?
- Hum...sim, tem. É o Cândido. Mora perto de casa. Seus pais vivem brigando. Por essa causa pouco vejo ele sair. Não tenho muita intimidade com ele, porém às vezes ele me conta certas coisas que acontecem em sua casa.
- O quê, por exemplo?
- Teve um dia que o pai dele, seu Marcos, chegou bêbado e bateu na mulher. Ela quis ir embora, mas seu Marcos não deixou, e disse que caso a mulher fosse embora, o filho iria ficar com ele.
- Quer dizer então que a família de Cândido não se compara à tua?
- Nem um pouco. Meu pai não bebe e nunca o vi batendo em mamãe.
- Dize-me, José, alguma vez Cândido lamentou esse fato? Alguma vez disse que sentia inveja de ti por causa da família que tens?
- Não.
- Além desse fato, o que mais sabes da vida dele?
- Sei que em alguns dias, por causa das dívidas do pai, ele não tem comida em casa. E parece até que vai sair da escola, porque o pai não paga faz seis meses.
- Interessante...
Depois de alguns instantes de silêncio, quando ambos pareciam meditar no que haviam conversado, o jovem disse:
- Sabe, senhor...como é o seu nome?
- Benedito Augusto.
- Sabe, seu Benedito, tem algo que eu reparo no comportamento de Cândido. Ele parece estar sempre sorrindo. Não tem aquelas pessoas em cuja face há sempre um sorriso esboçado? É como se nada o afetasse, nada fosse suficientemente grave para tirar a serenidade de seu rosto. Nunca o ouvi lamentando sua condição.
- Alguma vez ele te pediu dinheiro ou comida?
- Não.
- Alguma vez disse que pretendia sair de casa?
- Não.
- Disseste que não tens muita intimidade com ele. Alguma vez ele te explicou as razões de não se abater diante de conflitos tão sérios como os que vivencia?
- Sim. Faz alguns dias eu estava me preparando para ir ao clube, domingo pela manhã. Quando saía, o vi também saindo. Estava vestido como se fosse a uma solenidade. Perguntei-lhe aonde ia; disse-me que iria a uma igreja. Fiquei surpreso, pois nunca o vi nesses lugares. Quando perguntei se ele não queria ir comigo ao clube, retrucou dizendo que naquele dia nada era mais importante do que ir à igreja. Disse-me mais, que, lendo a Bíblia, encontrou um trecho que dizia o seguinte: “Jovem, lembra-te do teu criador nos dias de tua mocidade, para que não venha o tempo em que digas: os dias são maus.” Não entendi o que aquilo significava. Então ele respondeu que, pedindo a Deus que o esclarecesse, chegou a compreender que ele, assim como todos os homens da terra, foram criados para servir a Deus, amá-lo de todo o coração, alma e força. E que somente assim qualquer homem seria feliz.
- E tu, o que disseste a ele?
- Tenho vergonha de confessar que achei ridículo tudo o que me dissera. Como alguém pode ser feliz vivendo como um beato? Tão jovem e tão sem perspectiva! Isso eu não disse, só pensei. Ele percebeu minha contrariedade e se foi, nem nada mais dizer.
O velho, por um momento, olhou ternamente para aquele jovem. Percebeu em seus olhos um questionamento que merecia resposta. Era o sinal para que o objetivo daquele encontro fosse revelado.
- Vejo que chegou a hora da lição a respeito da qual te falei. Muitos homens neste mundo concluem que sua vida somente encontra razão e sentido na medida em que acumulam para si fortuna, fama ou sabedoria. Se lhes abundam tais coisas sentem-se os mais felizes seres da terra. Somente quando o negro e denso véu da ignorância, que os impede de compreender a natureza transitória de tudo o que é material, é dissipado pelo conhecimento da verdade, descobrem que a vida de um homem não consiste na abundância de bens que possui. Boa família, educação, alimentos, dinheiro, coisas que, em si mesmas não são más, podem, contudo, levar um homem a priorizá-las em detrimento do bem maior, que é o conhecimento de Deus. Aprende esta lição, dada a todos os homens pelo próprio Filho de Deus: “O que vale a um homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?”. Se tens em tua família e no bem que ela te propicia a razão de toda tua felicidade, então sabe que um dia descobrirás ser falsa tal convicção. A prova disso, jovem José, é que, mesmo não tendo o que tens, em relação às coisas materiais, teu amigo Cândido, que a teu ver nada possui a justificar a serenidade em seu rosto, não vive em lamentos, por certo em razão de saber que, mesmo não tendo boa família, bens ou poder, um dia estará livre das limitações a que está sujeito neste mundo. Não tenho dúvidas de que essa esperança de Cândido alimenta sua felicidade presente e a projeta para além das limitações de sua vida agora e de sua morte no futuro. Tens essa esperança?
Depois de assim falar, o velho se despediu. José seguiu seu caminho. Naquela manhã iria fazer uma prova. Nunca mais viu aquele senhor nos bancos da praça. E nunca mais seria a mesma pessoa. Ao menos sabia agora que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Deus lhe falara por meio daquele ancião? Quem sabe...
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