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cronicas-->Preparativos para a tempestade -- 25/10/2008 - 18:19 (Tânia Cristina Barros de Aguiar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sol de rachar. Eu gosto. Tanto quanto amo as tempestades. Ouso confessar: temporais me levam ao fio da navalha - perigo e desafio, que sinto falta, mais do que dos ares úmidos da estação de chuvas. A seca tem seus encantos - o sol presente, essa energia escaldante que traz moleza, preguiça, que rouba o ar, mas também faz desabrochar flores únicas, cores vibrantes, amarelos, roxos, azuis, lilases, no cerrado. O frio da noite, pedindo fogueiras e taças de vinho. Contrastes desse tempo que agora se esvai, sem que a chuva chegue, sem que venham os temporais para estremecer as paredes, fazer cantarem as vidraças, trazer clarões e estampidos duma natureza em festa devassa, sensual, uma explosão provocante dos sentidos.
É como se a tempestade começasse e fosse crescendo, buscando o ápice. Aquieto-me e vou sentindo a natureza em fúria, numa selvageria de espadas e ondas voluptuosas até o momento da explosão - o dilúvio. Uma sinfonia de raios, trovões cede à torrente como se criaturas celestiais, descomunais, desaguassem suas umidades após uma batalha amorosa, apaixonada. A tempestade se cala de estampidos e cai á água do céu, lavando tudo, trazendo um cheiro que invade cada milímetro dos sentidos, perfume, umidade, música cadenciada no telhado, na terra lavada, nas folhagens escorrendo, nas vidraças, nas calçadas.
Emociono-me, sempre, com as tempestades. Amo-as, quando sozinha. Se as outras mulheres da casa estão por perto, é outro clima. Correm a tapar os espelhos, guardar as facas, desligam as tomadas... temem morrer eletrocutadas. Eu me divirto com as correrias, os olhares assustados. Não tanto que me faça uma sádica. Como contar-lhes como sinto as tempestades?
Um dia, quando o temporal for dos mais fracos, ainda chamo Rose na janela e lhe mostro a beleza dos raios, rasgando o céu escuro; ainda a faço por a mão ao vidro para senti-lo vibrar, como se fosse espatifar-se; ainda a faço fechar os olhos para ouvir o estampido e arrepiar-se com o perigo, aquele rastilho aceso percorrendo o piso, dos pés à cabeça.
Mainha,não.Vai me olhar como se eu estivesse enlouquecida e certamente fará suas rezas e pedirá a Deus que me perdoe por ousar desafiar a sua fúria.
Amanda descobrirá sozinha essa beleza selvagem das tempestades, que agora são inconveniências, obrigam-na a desligar o PC, abandonar os seus distantes alunos, impertinentes, que lhe consomem as horas e ela ama. Nem tudo podemos ensinar aos nossos rebentos. As tempestades, nunca. Elas precisam conquistá-los, invadi-los. Um dia, em silêncio, um temporal vai mostrar-se, em toda sua beleza e ela vai apaixonar-se.
Como eu. Um dia.
Estava só, há treze anos. Era um fim de tarde e a noite veio num instante. Acendi as luzes, mas a energia foi-se. Um curto circuito iluminou o quadro de luz e desarmou tudo. Os estrondos faziam a casa estremecer, os vidros ameaçavam partirem-se, tudo vibrava, do chão às telhas, o madeirame estalava. Fiquei paralisada.
A tempestade me chamava a vê-la, numa beleza louca e comecei a respirar pausadamente e a senti-la, ver os relàmpagos invadindo a cozinha. Sentei-me e fui tragada pelos sons, via da janela os raios rasgando tudo. Fui tomada pelo temporal, fiz parte dele. Senti crescendo como uma sinfonia. Entreguei-me a sua fúria. Não mais temia, só sentia. Foi crescendo, crescendo, explodindo. E então... um momento de silêncio e o aguaceiro caiu. Batendo nas telhas e ressoando no forro. A enxurrada passando pela casa, invadindo a varanda, tudo eu percebendo, ouvindo... aí senti o cheiro da água misturada com a terra, com o mato, com a grama. Um barulho ensurdecedor, como se eu fosse navegar, como se a enxurrada fosse levar a casa e eu junto. Mas não ia e eu sabia.
A chuva foi virando um chuvisco, tudo foi se acalmando, a luz voltou. Apaguei-a. Deitei-me no sofá e fiquei ouvindo a calmaria. Como se tivesse feito parte daquela fúria, daquele crescente, como se estivesse no olho do furacão. Como se tivesse feito amor com a tempestade e então, viesse aquela moleza que vem depois, aquele torpor, aquela doçura.
Nunca mais temi as tempestades. Amo-as. E Amanda vai amá-las, um dia.
Experimente. Entregue-se a um temporal. Respire junto. Feche os olhos. Deixe seu corpo vibrar com os trovões, adivinhe os raios, ilumine-se nos relàmpagos. Sente à janela e comungue. E sinta. Sinta o cheiro, ouça a água caindo, escorrendo, lavando a terra. Não, não precisa sair correndo na chuva. Um raio pode apaixonar-se e levar você junto. Nem faça isso na beira de um rio. Mesmo as paixões mais loucas podem colocar você em risco. E, para ser feliz, pelo menos aqui, precisa-se... estar vivo.

(uma amiga me disse - "eu também amo as tempestades, mas não conto. Vão me achar estranha". Como desconfio que já sou estranha mesmo, tó nem aí. Eu conto tudo. Ainda mais depois daquele seu maldito torpedo, na madrugada. Preciso urgentemente de uma tempestade. Prefiro-a. Mas isso, eu não conto.)


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