A CASA DO PERIQUITO quase INVISÍVEL*
– uma breve história do Pyrrhura devillei
Há mais ou menos seis anos,
bem perto do Pantanal,
junto a dois pesquisadores
vivi uma cena banal
mas, ao mesmo tempo, linda.
Uma história que – ainda –
não encontrou seu final.
Lá onde, nas noites negras,
o vento afaga as figueiras...
onde as perobas são rosas
e faiscantes fileiras
de ouriçados vaga-lumes
bordam, como de costume,
o rio com luzes fagueiras.
Finda a procissão de insetos
pelos vales de açucenas
eis que surge no horizonte
a mais colorida cena:
um azulado calcário
moldando o verde cenário
– É a Serra da Bodoquena!
Ao descortinar o véu
da manhã enevoada,
o sol mostrou uma dezena
de aves verde-amarronzadas.
Como uma pequena arara,
têm, no olho, uma pele clara
e asas rubras e douradas.
Num cocho, silenciosos,
roubam, do gado, a comida:
umas pedrinhas de sal
com a pata esquerda erguida.
– Onde será o seu ninho?
– Tem quantos periquitinhos?
– Como será sua vida?
Então fomos estudar
esse bichinho de penas!
Os seus nomes são pilépa,
segundo os índios Terena,
três-dias ou ararinha
ou, ainda, tiribinha
pra gente da Bodoquena.
Vive em bandos bem pequenos
– umas doze aves, ou seis...
Escondido na folhagem,
come, em silêncio cortês,
goiaba, figo do mato...
Quando em vôo, grita no ato:
"três-dias, três-dias, três..."
Tendo a mesma cor do mato
– quando está nele, se cala –
e, distante da fazenda,
fura a mata como uma bala,
parece um ser invencível.
Até parece invisível
quando, enfim, se acasala!
Tão escondidinho assim,
a sua casa foi achada
quase dois anos depois
da pesquisa iniciada!
Periquito inteligente,
é também muito exigente
na escolha da morada!
Numa manhã de setembro
na floresta centenária,
numa das mais altas árvores,
lá estava, solitária,
cavada em tronco bonito,
a casa do periquito:
tão tosca, tão necessária!
Entraram três tiribinhas.
Uma quarta, solidária,
vigiava o ninho tosco.
Mas a ação desnecessária
de um homem, naquela data
destruía a grande mata
para a produção agrária.
Agitada, a sentinela,
sem conseguir entender,
gritava ao desmatador:
– É mais rentável manter!!!
Tanta terra sem arar...!
– Para que tudo acabar
sem sequer nos conhecer?
* * *
Mais de cinco anos passados,
são tão poucas as respostas...
– Quantos ovos? Quanto vivem?
– Nossa gente está disposta
a conservar a morada
dessa rara passarada,
não desmatando as encostas?
O final você decide,
feito história de TV:
Cego, o Homem extingue tudo
mesmo sem nada saber.
Final dois: o povo, atento,
pára o desmatamento
para o Pyrrhura viver.
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*Notas:
1 - Do livro Poesia Animal, de Sidnei Olívio e Paulo Robson de Souza. Editora UFMS e Sterna Edições Ambientais, 2003. Ver release em “Artigos”, nesta página).
Pedidos: vendas.sterna@terra.com.br
2 - Cordel baseado em fatos reais e estudos de campo sobre o periquito tiriba-fogo, cujo nome científico é Pyrrhura devillei. Pesquisa (inédita) dos biólogos Waldir Leonel, Elson Borges dos Santos (apoiados pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e MacArthur Foundation) e Paulo Robson de Souza (fotografia).
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