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Erotico-->34. DAVI -- 28/02/2002 - 07:08 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Meditava Rosalinda sobre os sucessos daquele ano em que falecera Rodolfo. Via-se apaniguada pela felicidade de ter os filhos e netos afastados dos vícios, gozando de perfeita saúde, ela mesma assistida pelo marido. Não compreendia como é que o pai se deixara empolgar por um câncer insidioso que lhe carcomera a coluna, quando até a substituição das vértebras era tão comum.

Sopesava os momentos de dor e de paz espiritual, sendo capaz de amenizar, segundo seus cálculos, em noventa por cento o efeito traumatizante da morte do progenitor. Ao mesmo tempo em que refletia a respeito, elevava agradecida prece aos mentores e demais amigos da espiritualidade, por lhe propiciarem total segurança na concepção de que a vida prosseguia em outra esfera, segundo novo padrão vibratório, mas dando continuidade aos sentimentos que são transportados para lá, de acordo com as obras.

Estava absorta em tais reflexões, quando deu de si, tendo diante dela um homem encorpado, bem vestido, de tez achocolatada, o qual, com voz mansa, lhe disse:

— Dona Rosalinda, não se assuste com minha presença no recesso de sua firma. Assim que eu lhe explicar a que vim, a senhora haverá de ficar tranqüila. Penso que me reconheceu...

Retirou ele os óculos escuros, dando a ver um par de olhos azuis escuros, translúcidos, com que a fixava, cenho franzido, intimando uma resposta.

Rosalinda gostaria de não estar certa quanto a ter visto aquela figura nas reportagens policiais. Mas não podia mentir:

— Estou perante o chefe do tráfico de drogas da região?

— Meu nome é Davi. Sou o subchefe.

Fizeram-se uns instantes de silêncio, enquanto, sem cerimônia, o recém-chegado, indicando uma cadeira à médium, se acomodou na poltrona atrás da escrivaninha, assegurando-se rapidamente de que não havia outra entrada além daquela por onde passara.

Rosalinda admirava-se com a postura atlética e gestos corteses do rapaz, calculando uma idade entre vinte e oito a trinta e dois anos. O que mais lhe chamou a atenção foi a pele do rosto, absolutamente lisa, como se recebesse o tratamento dos melhores cosméticos. A cor dos olhos lhe pareceu artificial, produzida por lentes de contato. Mas precisou concentrar-se no que poderia ter atraído aquele marginal, estranhando que não se perturbara com a surpresa nem com a atitude impositiva que adotara.

— Não possui a senhora nenhum aparelho de escuta nem acionou o alarme, pois não?

— Não guardamos valores aqui. Os negócios, como o senhor sabe, são todos realizados de conta para conta...

— Não vamos perder tempo, por favor.

A tonalidade incisiva contrastava com os termos da polidez.

Davi continuou:

— Não vim por iniciativa própria. Meu chefe é quem determinou que viesse fazer-lhes algumas perguntas. Gostaria que respondesse do modo mais prático possível.

Rosalinda assentiu com um gesto.

— A senhora teve a honra de ter alguns livros lidos por ele. Contudo, não ficou muito claro se o que a senhora chama de mediunidade é um processo involuntário, que a põe em transe, ou se a senhora finge que conversa com os espíritos.

— Eu não finjo. Eu escrevo o que me vem na cabeça, sem ter pensado no assunto previamente.

— Tudo bem. Existe alguma comunicação pendente, ou seja, que esteja esperando que a senhora a escreva?

— O senhor quer saber se sou eu quem determino a hora de escrever?

— Eu quero saber se a senhora é capaz de invocar um determinado espírito, para fazer-lhe algumas perguntas, tendo certeza de que as respostas sejam verdadeiras.

— Sempre que invoco um espírito pelo nome, obtenho uma resposta. No entanto, nem sempre ela é dada por aquela entidade, mas por algum guia ou protetor interessado em não me deixar na mão.

— Se eu lhe der um nome agora, a senhora é capaz de entrar em transe, para eu poder conversar com ele?

— Eu sou médium escrevente e não estou acostumada a empregar a linguagem oral.

— Não tem importância a maneira de comunicar-se. Vamos tentar?

— Podemos tentar, mas é preciso que eu lhe diga que meus protetores não trabalham dessa maneira. Quando invoco algum espírito em especial, eu o faço depois de ter a certeza de estar sob a guarda deles. Caso eu me atreva a ficar exigindo a presença dos espíritos, podem comparecer entidades menos sérias, capazes de vir brincar com a nossa arrogância. Posso ser ainda mais positiva?

— Por favor.

— Suponho que o senhor esteja acostumado a mandar e a desmandar. A sua vontade deve ser lei entre os seus subordinados. Exatamente como atendeu a seu chefe, deve esperar que as pessoas façam tudo o que o senhor lhes determinar. Com os espíritos de quaisquer categorias, essa condição não existe. Pode ocorrer, entre eles, que os mais adiantados arrebanhem os mais atrasados, para beneficiá-los com certas providências de caráter altruísta. Essa coerção é feita com amor e consideração, resguardando-se os inferiores ao direito de não compreenderem toda a extensão da boa vontade dos outros, o que vai fazer que muitos se furtem à influência positiva dos mais evoluídos. É como os alunos que fogem da escola. Gostaria de saber se estou sendo clara.

— Estou entendendo que a senhora vai recusar-se a atender ao meu pedido.

— De forma alguma. Vou atendê-lo no que o senhor está pedindo-me e mais ainda, porque estou pondo-o a par de tópicos importantes da doutrina espírita.

— O nome do espírito é Antenor. Queira concentrar-se nele. Quando ele chegar, avise-me.

Rosalinda estava antevendo o instante em que seria eliminada pela fúria do homem que iria ser desafiado pelas potências etéreas. Mas fechou os olhos, começando a realizar uma prece de evocação em voz alta. No entanto, Davi recomendou-lhe:

— Eu pedi que se concentrasse. Não precisa dizer nada. Basta elevar o pensamento com o propósito aludido.

A médium percebeu que não valia a pena tentar envolvê-lo no trabalho mediúnico. Com certeza, seus amigos do etéreo estavam criando uma bolha de vibração favorável ao contato mediúnico, consoante sua fé em estar constantemente sob proteção. Imaginou o atropelo que deveria estar ocorrendo na erraticidade ao derredor, porque não seria possível que o bandido estivesse cercado por entidades benignas, e rogou que as respostas às questões que seriam propostas fossem coerentes com o alto espírito de solidariedade que eles sempre lhe demonstraram.

Estranhamente, apesar de toda a tensão do momento, Rosalinda sentiu profunda sonolência, perdendo a noção das coisas. Sentiu que se faziam perguntas e que se davam respostas. Houve demorado lapso de tempo em que se fez silêncio, estando sua mão a trabalhar. Poderia ter aberto os olhos, mas não o fez, crente de que o melhor seria permanecer em transe.

De repente, sentiu que lhe agitavam o braço. Era Davi que a acordava, dizendo:

— Vou levar o que a senhora escreveu para o meu chefe. Vou dizer a ele que acredito em sua mediunidade. Isso vai ser bom também para os seus negócios e para a sua família.

Surpreendentemente, Davi fez questão de cumprimentar a médium, levando-lhe a mão a oscular.

Permanecia ela ainda zonza, quando tocou o telefone. Era a secretária querendo saber se ela estava bem e se deveria ligar para a polícia.

— Pode entrar, querida. Vamos esclarecer umas coisas.

Demorou para a funcionária entender, considerando que estivera sob a ameaça das submetralhadoras dos guarda-costas, que Rosalinda estava confiante na ascendência moral exercida pelos mentores espirituais e que a atuação deles poderia ter um efeito mais abrangente do que se a polícia estendesse um cordão de isolamento em torno da empresa.

Naquela noite, foi difícil de convencer o marido de que ela não estaria mais correndo perigo. Aristides queria afastá-la até do país, imaginando uma temporada na Europa. Rosalinda, impressionada por haver trabalhado de forma quase inconsciente, mesmo porque não tinha noção do que se perguntara e escrevera, começou a imaginar-se de novo e repetidamente na mesma situação, afastando o traficante da cena, evidentemente.


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