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Artigos-->COMO PERDER DE VISTA UM OBJETIVO - PARTE 2 -- 30/05/2001 - 20:06 (J. B. Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A ARCA DE NOÉ - PARTE 2





Vigésimo quinto dia.

Manhã linda. Cloé anuncia a chegada de Roboão.

- Entre logo, meu velho. Sente-se. Aceita um leite de cabra?

- Sim, chefe. Obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e a tarde, a todos. Já está até codificado o material para o computador. Fizemos pequenas despesas para chegar a esses resultados: Tivemos que adquirir 200 cabras, alugar um pasto e contratar 5 pastores. Jóia, chefe! Dá 40 cabras por pastor, e só ganham 10 dinheiros!

- Você é um bicho na administração do pessoal, Roboão. Falarei ao seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai sua avaliação?

- Realmente não sei, chefe, É confidencial...

- Darei um jeito para que seja boa. Afinal, já temos 500 pessoas no efetivo, e todas passaram por você. E você ainda conseguiu comprimir o quadro, que era de 800 pessoas! Quanto economizamos, em média?

- Nessas 300 pessoas, cerca de 4000 dinheiros, chefe - respondeu Roboão com um sorriso de falsa modéstia, e pensou consigo mesmo: " Quem sabe? talvez fosse aumentado para 30 dinheiros!"

- Roboão, não quero incomodá-lo e nem por sombra desfazer o belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os carpinteiros para o corte...

- Ora, chefe! Noé é um sonhador! Só pensa nos seus desenhos. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo: aumentamos a oferta de salário para 6 dinheiros, porém todos os candidatos foram reprovados no primeiro psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão psicoprofissional para o corte da madeira. Também não adianta aumentar ainda mais a oferta de salário. Não podemos elevar demais nossos custos... E depois, se não passaram neste teste simples, imagine nos outros...

- Realmente você tem razão. Noé desconhece os rudimentos de Administração. Toque como você achar melhor. Se o contratei, é porque tenho total confiança em seu trabalho.





* * *





Quadragésimo dia.

Finalmente, a primeira reunião da Diretoria. Era o momento solene das grades decisões de cúpula do Empreendimento. Todos com sua melhores túnicas sentaram-se à Plenária com suas pastas de executivos. O Presidente, satisfeito, relatava que o Empreendimento era o orgulho do povoado. Havia muito trabalho e emprego para todos.

Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que havia feito convênio com a Escola de Carpintaria, pois a mão-de-obra necessária estava aquém do desejável. Além disso havia criado o Departamento de Recursos Humanos, com a missão de retreinar os carpinteiros em técnicas de construção naval, além de apoiar todos os demais departamentos, capacitando, de quebra, datilógrafas, secretárias e auxiliares administrativas. Criara também o Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho, por força de lei. O ambulatório já atendia 20 pessoas por dia! Todos se olharam admiradíssimos pelas inovações revolucionárias, e tão logo o Presidente emitiu o primeiro elogio, todos parabenizaram o DC por suas brilhantes idéias.

Cloé aproveitou para informar que os preços dos cabeleireiros do povoado haviam subido demais depois do início do Empreendimento, e que inclusive o clube local estava criando problemas na admissão de novos associados. Todos esperaram o Presidente se manifestar, e quando ele delegou ao Relações Públicas a missão de conversar com os cabeleireiros e com o Clube para conter esses abusos, a Reunião Plenária quase foi interrompida pelo burburinho causado pelas reações de indignação de todos os presentes devido à falta de cidadania dos dirigentes do povoado.

Quando a calma foi restabelecida, o DB ponderou timidamente que faltava pessoal para desenho, e que a eficiência dos carpinteiros era baixa. Havia só um - disse ele - que conseguira cortar três árvores, duas das quais, bichadas, segundo o relatório do Controle de Qualidade. Noé estava tentando suprir a falta desenhando em folhas de bananeira e cortando as árvores à noite, depois do expediente. A proposta era então aumentar o salário de Noé para 15 dinheiros.

O DC explodiu, seguido de perto pelo DI:

- Esses sabichões! pensam que sabem tudo! Atrapalham a organização, trabalham mal e ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de recrutamento e apertar nos exames de seleção! Nossa equipe técnica deixa muito a desejar!

- Perdão - retrucou o DB - o laboratório funciona! vejam como detectou as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. o senhor desvia recursos para a área de Operação do barco, recrutando timoneiros, veleiros etc...

- Mas e lógico! - interveio o Presidente - Temos que agir com antecedência no treinamento. Afinal, treinar é investir no futuro!

O DB achava correta essa linha de pensamento do Presidente, desde que o treinamento fosse direcionado para as prioridades. Mas achou melhor não comentar nada. Todos conheciam muito bem o temperamento do Presidente e sabiam que, quando contrariado, seus modos brandos desapareciam completamente. Muitos já haviaM sido demitidos - comentava-se - nesses acessos de cólera.





* * *





Octogésimo dia.

Absalão passeava na ravina. Estava orgulhoso. Era Presidente de um Empreendimento que contava com 1200 pessoas. As vêzes Noé e suas preocupações lhe vinham à cabeça. Mas eram todas infundadas. Não passava de um tecnocrata pessimista. Felizmente havia o Diretor de Barco para despachar com Noé - um aborrecimento a menos! Subitamente... PUFF !! - uma nuvem de fumaça.

O ministro do Senhor - exclamou Absalão prostrando-se.

- ABSALÃO, PONHA GENTE DE MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ ! PUFF !!

Absalão correu a cabana de Noé.

- Noé, Noé! ponha um convés no alto do mastro! vou colocar as pessoas mais pesadas em cima!

- Mas Presidente, isto é impossível! Sempre o convés é embaixo e o mastro aponta para cima! Se aumentarmos a massa em cima, o centro de gravidade ficará muito alto e o barco emborcará...

- Não estou falando do suprimento de comida, droga! O ministro de Deus mandou colocar as pessoas mais pesadas em cima e isso que vou fazer!

Noé não retrucou. O Presidente estava nervoso. Talvez Cloé - que acumulava as funções de gerente de treinamento e dominava as técnicas de persuasão - pudesse fazê-lo ver mais claro.

Noé correu à secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante de Operação do Barco, que esperava há mais de uma hora. Com ele estavam o subcomandante nível 3, o imediato, o pré-imediato, dois assistentes e três assessores.

- Noé - disse o comandante - o seu projeto não anda! Como vou treinar meus homens sem barco? Vim pedir a autorização do Presidente para adquirir um simulador de barco, caso contrário não me responsabilizo! O DI diz que a curva de aproveitamento de meus treinandos não bate com a curva histórica do manual de navegação. E com essa mania de se meter no departamento dos outros, ele acaba tumultuando. Preciso de mais instrutores! Já reparou quantas pessoas de apoio tem o Departamento de Apoio?

Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente o que ele conseguira ? uma meia dúzia de desenhos em folhas de bananeira. Isto em 80 dias! Ele havia prometido ao Presidente que faria o barco em 30 dias! Estava acabrunhado e sentia-se incompetente. O que estaria errado consigo? Já lhe haviam dito que com o tempo tudo estaria bem, que não se precipitasse, que não deveria andar mais depressa que a Organização. Mas - lembrava-se - havia sido contratado exatamente por seu espírito prático e descomplicado! O Presidente entrou furioso, desabafando em Cloé.

- Veja! só faltam 40 dias e a Divisão de Importação diz que há crise de transporte e a madeira só chegará no prazo médio de 10 dias! O pessoal de PO mais o de O&M e o CPD fez tudo para diminuir o caminho por onde deverá vir a madeira.

- Noé ligou há pouco e disse que há uma empresa, a P.E.R.T.O., especializada em transporte rápido, senhor...

- Noé, Noé! Não estou mais agüentando esse sujeitinho que tem sempre solução para tudo! Para ele parece tudo muito fácil, como se não houvesse uma estrutura por trás do Empreendimento! Se não faltasse tão pouco tempo, eu o substituiria imediatamente! Ele só tem atrapalhado, retardado e confundido os executivos que tocam a obra!

Cloé conhecia bem o Presidente, e sabia que um copo de leite quente o acalmaria.

- Quero uma reunião de emergência com os diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro. Se não fosse o Roboão e sua equipe de recrutamento, não sei o que seria... - Senhor... - disse Cloé timidamen-te - faltam 40 dias para o quê?

- Para o Dilúvio, minha filha, para o Dilúvio!

Absalão rabiscou algumas linhas num papel.

- Passe este e-mail:

"DE: ABSALÃO

PARA: SENHOR

SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE 40 DIAS: DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS. CRISE INTERNACIONAL DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO.

A espera irritante da conexão com o céu deixava Absalão ainda mais nervoso, mas a resposta veio finalmente:

PARA: ABSALÃO

CONCEDIDO PRAZO CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS. ELEVAÇÃO DE ÁGUAS EM ANDAMENTO.

Absalão desesperou-se e partiu para a reunião. Pelo telefone interno, Cloé iniciou a telefofoca do Dilúvio.







Octogésimo segundo dia .

Primus adentra ao gabinete do Presidente.

- Chefe, tenho aqui um relatório dizendo que há desvio de cipós de amarração do almoxarifado. A listagem do computador não bate com a auditoria.

- Que inferno! Coloque sua equipe em campo! Jacob está fora de suspeita por ser meu amigo. Verifique o pessoal da Carpintaria. Mande um memorando ao Roboão para aumentar a equipe de segurança. Cloé! ponha o Roboão na linha!

- Roboão, aqui é o Presidente! Já recrutou os carpinteiros?

- Infelizmente não passam nos testes, chefe. Até afrouxamos as provas, mas o reconhecimento de tipos genéticos de cupins reprova todo mundo! É por isso que a madeira do estoque está bichada, segundo relatório do Departamento do Material.

- Presidente - interrompeu Cloé - é urgente! Há dois pastores na ante-sala dizendo que há crise de leite nas cabras, e não haverá distribuição aos funcionários por uma semana. O Suprimento não estocou capim para a época de seca...Qual a sua decisão?







* * *





Centésimo dia.

Reunião da Diretoria.

- Sr. Presidente - falou o DI - dentro de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais com os povoados vizinhos e o Caixa não é suficiente. Nosso Empreendimento economicamente vai bem, mas financeiramente estamos à beira de uma crise. Sugiro uma redução do pessoal.

- Toda vez que se fala em redução de pessoal, todos olham para mim! - desabafou o Comandante de Operações - Sem meus homens não há Operação do Barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda nem foi aprovado!

- Sr. Presidente - tentou timidamente o DB - acho que o Comandante tem razão: Não prometemos ao Ministro que o barco estaria logo pronto?

- Mas como, sem material?! - gritou o DC - Por acaso posso fabricar madeira? Seu laboratório não acha boa madeira local e há crise de transporte! Os carpinteiros são incompetentes! E esse tal de Noé? Que fez ele até agora? E ganha 10 dinheiros!

- Senhores - falou gravemente o Presidente, enquanto todos o olhavam esperançosos - a situação do Empreendimento é razoável, mas temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do barco.

- Presidente, não quero interrompê-lo, mas em nossos arquivos não existiam as normas do Empreendimento. Isso é falta grave, e sou obrigado a demitir Noé. Gostaria que o senhor providenciasse, através do Roboão.





Noé ficou realmente furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13o salário a que tinha direito. Estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu cinco amigos.

- Companheiros, vamos cortar essas árvores bichadas mesmo, construir um barco e sair daqui!

- Mas Noé, não somos carpinteiros nem sabemos construir barcos...

- Não importa. Ensinarei a cortar a madeira, e tenho os desenhos. Seremos uma equipe motivada com o objetivo de construir um barco e partir para uma vida melhor em outras terras! levaremos uns bichos a bordo para comermos no caminho. Só falta meter mãos à obra!

A madeira começou a ser cortada. Lascas voavam para todos os lados. As partes mais bichadas eram isoladas e deixadas de lado. Mosquitos voavam ao tombar as árvores. Em poucos dias o casco do barco começava a tomar forma.





* * *





Centésimo vigésimo quinto dia.

O Presidente acordou preocupado. A madeira tinha chegado. mas só havia três carpinteiros. Sua charrete tomou o caminho mais rápido para o escritório, para fugir ao mau tempo. O céu estava carregado. Nuvens negras pairavam no horizonte, anunciando tempestade. Foi direto ao computador, mas Cloé só chegava às 9 horas. Correu ao CPD .

- Que há por aqui? O

expediente ainda não começou? Quem é você?

- Sou uma digitadora senhor. O pessoal não gostou muito do Plano de Reclassificação de Cargos e salários, e eu acho que se a nova Política de Promoções for mesmo implantada, não vai sobrar ninguém!

Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou Primus muito aflito que lhe disse ter ouvido um zum-zum acerca de um tal Plúvio, que poderia ser um terrorista, por seus modos muito estranhos de agir, mas que sua equipe já estava providenciando o seu afastamento.

Absalão ficou branco e voltou ao computaador.

- Rápido, Cloé, rápido!

DE: ABSALÃO

PARA: SENHOR

DIFICULDADES COM PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMENTO SOLICITO PRORROGAÇÃO DO PRAZO.



A resposta veio imediata.



DO: SENHOR

PARA: ABSALÃO

PRORROGAÇÃO NEGADA. ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO.

Absalão ia praguejar quando um relâmpago violentíssimo seguido de um trovão ensurdecedor estourou nos céus. Vários vidros se partiram, e começou a chover. Absalão correu para fora, seguido de Jacob. Chovia torrencialmente.

- Veja, chefe - gritou Jacob - há um barco descendo o rio! Olhe a prôa...Não dá para ler direito...

Absalão colocou as mãos em concha sobre os olhos.







ARCA...DE...NOÉ...



FIM



* * *

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