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Erotico-->32. NATANAEL -- 26/02/2002 - 05:50 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Na quinta vez em que lhe foram solicitadas modificações na obra, Rosalinda resolveu ir conversar diretamente com o presidente da Federação Espírita. Ia indignada porque nenhuma das alterações pretendidas, realmente, tinham para ela um maior significado.

Atanásio, coitado, estava envergonhadíssimo, porque aprovara o texto sem pôr reparo nos defeitos apontados pelos colegas. Com os três primeiros concordara, muito embora, no fundo do coração, não julgasse que haveria necessidade de suprimir as expressões consideradas indignas, principalmente porque eram a legítima maneira de falar das personagens em litígio. Com o quarto analista, discutiu longamente, aceitando, afinal, que um dos casos fosse retirado, já que o paciente declarava que, em vida anterior, exercera cargo de ministro em determinado governo, sem referendar a assertiva com dados históricos convincentes. Quando o quinto examinador requereu os manuscritos dos textos psicografados, tendo sido informado de que Rosalinda trabalhara diretamente no computador, simplesmente julgou o procedimento irregular, já que não havia como analisar a caligrafia nem a ortografia original de cada manifestante, concluindo que se deveriam suprimir as partes mediúnicas. Diante do absurdo da solicitação, Atanásio nem se indispôs com o crítico, enviando a solicitação deste para Rosalinda, com um pedido de perdão pelo incômodo, chegando a sugerir-lhe que reintegrasse o texto, conforme o que lhe fora apresentado em primeiro lugar, buscando outra editora, de preferência leiga.

Natanael, o presidente, que encaminhava a correspondência com as solicitações dos analistas sem ler a obra, assustou-se com a impetuosidade da autora, que o surpreendeu em plena atividade profissional, em seu escritório, na firma de importação e exportação de que era sócio.

— Não sei se o senhor me conhece, mas deveria, porque me solicitou as alterações do meu livro contidas nos pareceres de seus diretores. Vim para que o senhor me responda francamente se a Federação deseja publicar a obra ou se pretende reescrevê-la a seu talante.

Ato contínuo, Rosalinda retirou da bolsa um volume encadernado com espiral e colocou-o com certa violência sobre a mesa do atônito chefe federativo, já desacostumado com atitudes menos polidas e corteses. O velho senhor limitou-se a indicar uma poltrona, solicitando timidamente:

— Sente-se e acalme-se, por favor. Nós havemos de nos entender.

Sentou-se a autora sem abrir o bico, deixando ao interlocutor a iniciativa das declarações.

Passaram-se vários segundos em que o ruído dos veículos lá da rua se ouviam distintamente.

— A senhora aceitaria uma chávena de chá ou uma xícara de café? Um copo d’água, talvez?

— Estou bem assim.

Natanael pegou o volume, descobrindo as cartas que enviara atrás da página de rosto. Disfarçou, pôs os óculos dependurados ao pescoço e demorou-se a ler as reivindicações contidas em cada correspondência, a ver se se lembrava das razões de cada examinador, aquelas que lhe haviam dito ao pé do ouvido e que não se registraram nas missivas. Dos três primeiros não se recordou, mas dos dois últimos foi capaz de ir às minúcias.

— Quero crer, minha querida confreira, que a senhora não esteja satisfeita com os pedidos que lhe fizemos.

Rosalinda percebeu que ele desejava um diálogo em que pudesse orientar-se pelas palavras dela. Então, calou-se, sem acrescentar mais nada ao que havia dito.

— Pois bem, prosseguiu Natanael, eu acho que Atanásio apadrinhou o seu texto, mesmo antes de recebê-lo de suas mãos. Achou que se comprometera com a senhora, mas reservou-se o direito de atender às solicitações dos colegas, tanto que não veio discutir comigo as exigências que lhe foram feitas.

Rosalinda ficou com vontade de responder que Atanásio desejava uma obra que desse aos federados condições de realizar as tarefas concernentes à assistência social. Considerando, porém, que tal observação desviaria os interlocutores do centro da discussão, resolveu engolir os pensamentos, amargando os sentimentos da frustração.

— Percebo que a senhora está zangada e com razão, porque as modificações que lhe foram solicitadas descaracterizam o objetivo inicial da obra. A bem da verdade, devo-lhe explicar que não li o livro.

Aí Rosalinda não se agüentou:

— Não leu e não gostou, como diria o escritor Oswald de Andrade.

Natanael o que mais queria era um gancho, aproveitando-se daquele:

— A senhora deve compreender que as funções que exerce o presidente de Federação Espírita de caráter estadual não lhe permitem ler os textos que lhe são enviados, cerca de dez ou mais semanalmente, a maioria dos quais de sofrível confecção. Atanásio deve ter-lhe falado a respeito.

— Falou e mostrou. Deveras, muitos dentre os que compulsei eram meras compilações de Kardec ou de Chico Xavier, mal alinhavadas e pretensiosas. Se o senhor tivesse lido o texto que tem em mãos, saberia que se trata de um trabalho de cunho científico e muitíssimo sério. Atanásio não lhe falou a respeito?

— Ele atribuiu nota dez ao livro, conforme já lhe expus, com certeza movido pelo entusiasmo dos sucessos alcançados pela senhora nas obras de ficção.

— Não é o que me consta. O que ele me afirmou é que desejava um livro de mensagens psicografadas do tipo das que publiquei através da Internet.

— Lembro-me de que ele me falou algo a respeito. São três ou quatro obras, pois não?

— Já são seis.

— Mas não se encontram em sites de nenhuma entidade espírita...

— Vejo que sua memória é extraordinária.

— Por favor, vamos deixar as sutilezas da ironia fora de nossa conversa. Quero pedir-lhe desculpas pela preocupação e pela perda de tempo que involuntariamente lhe causamos, mas devo dizer-lhe que, sem as modificações pleiteadas, a Federação não irá subscrever esta obra.

Natanael levantou-se, indicando que não desejava prosseguir a conversa.

Rosalinda ainda tentou exprimir seu desagrado:

— Eu estava crente de que a Federação só teria a ganhar com a divulgação de um trabalho tão intimamente ligado ao Espiritismo. Vejo que me enganei.

— A senhora sempre será bem-vinda. Traga outro texto de pura psicografia, cujos autores possam ser reconhecidos por meio de seus estilos inconfundíveis, que nós iremos examinar com todo o cuidado, dizendo desde logo se vamos publicá-lo ou não. Isso eu lhe prometo.

Não houve como não apertar a mão que Natanael lhe estendia.

No caminho de casa, não se conteve e ligou para Nilce, precisando ouvir-lhe uma censura:

— Eu não lhe disse para ligar o desconfiômetro? Quando se trata de livros, a Federação e demais entidades espíritas dão preferência a autores consagrados pelos críticos amigos do movimento ou pelos que fazem parte da instituição: diretores, freqüentadores e demais cupinchas da panelinha. Quem se arvora certa liberdade de ação, ainda que se submeta a um procedimento rigorosamente fundamentado na ciência acadêmica, precisa arcar com os ônus de uma produção de caráter independente.

— Não faz mal, Nilce querida. Este trabalho vai estar nas prateleiras das livrarias de todo o Brasil dentro de, no máximo, dois meses, mesmo que eu tenha de pagar pela impressão e pela distribuição.



Não precisou. Um mês e meio depois, sem que Noêmia tivesse contribuído para o texto, Eduardo festejava uma noite de autógrafos concorridíssima, prometendo esgotar-se a primeira edição de quinze mil exemplares em um mês.

Quinze dias depois, estavam as impressoras da tipografia ultimando outros trinta mil exemplares, a toque de caixa.


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