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Cartas-->Recebi esta carta -- 08/08/2004 - 12:38 (Érica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No e-mail, recebi esta carta, de uma amiga distante, que se casou com meu primeiro namorado.

"Querida Érica,

consegui seu endereço com o B., que o conseguiu na internet. Vejo que você mudou de país. Meus parabéns. Decerto viu que aqui não dava mesmo, e se foi. Lembro que alguém comentou que você conseguiu um bolsa de estudos lá fora e que por lá ficou. Deve estar gostando. Deve ter feito família, maridão, filhos. E continuado os estudos, lembro que você gostsava de estudar. Lembro que uma vez passei na sua casa pra gente ir ao Corinthians nadar e você disse que não queria ir porque queria acabar de ler um livro Nunca esqueci isto - alguém ficar em casa lendo em vez de ir nadar, bater papo, conhecer gente. Fiquei com esta imagem de você na cuca.

Agora te escrevo pra matar saudades. Me conta o que você está fazendo, como vai a família, se pretende voltar pra cá. E quando você voltar pra uma visita, te peço pra me telefonar. Tome nota do número: ......... .

Agora vou te contar a minha vida. Lembra do A.? Claro que deve lembrar. Ele foi teu primeiro namorado. Ou quase-namoradinho. Pois naquela festa que ele te levou, nós nos conhecemos. E eu me apaixonei por ele. Depois daquela data, nós começamos a nos namorar. Logo apresentei ele pra família. Ele tocava flauta. Meu pai também. Foi um amor à primeira vista entre os dois. E até fizemos um trio - eu ao piano, eles dois na flauta.

Você lembra da expressão viver na flauta`? Então... ele não só sabia tocar flauta, como sabia muito bem "viver na flauta". Depois que nos casamos, ele resolveu não fazer nada. Também não tocava flauta. Mudamos para a Europa. A mãe dele morava na França. Posso te dizer que a única coisa que se salvou deste casamento foi eu ter aprendido francês. Agora sou professora de francês. Não dá pra muita coisa, mas também faço traduções do francês para o português. - Mas não quero me adiantar nesta história que não teve final feliz. A outra coisa boa do meu casamento é que não tivemos filhos. Lembro do Machado, que dizia que morreria feliz porque não tinha ninguém pra quem deixar como legado a miséria desta vida. Ou mais ou menos isto. Então, não tenho pra quem deixar as mágoas que este casamento com o A. me deixou.

Porque ele pegou o hábito de me espancar. Espancar mesmo. Não era só bater. Me espancava. A frio. Não porque estivesse bêbedo, porque ele não bebia. Era um esporte o de bater em mim. De início eu também batia nele... era uma batalha de golpes. Depois fui enfraquecendo. E aí começaram a aparecer as manchas. Minha sogra me perguntava eu dizia que caí. Foram tantas vezes que "caí" que ela desconfiou, me apertou e eu confessei - seu filho bate em mim, por nada. Só porque ele quer.

E ela me disse - como o pai. Aprendeu com o pai.

Fiquei chocada. Foi o maior choque da minha vida. E resolvi, pouco a pouco, não foi uma decisão rápida - resolvi ir embora dele. Mas eu não tinha um tostão na bolsa. Nada. E pedir para os meus pais, na miséria brasileira, era impossível.

Então, sabe o que fiz? Você não pode ter idéia. Nem imagina. Quem me conheceu a vida inteira (ou até me casar) como você me conheceu (e também minha família, católica, apostólica, romana), você nem imagina - fui pra rua e dei. Foi isto mesmo. Não quero colocar aqui em palavras, seria grosseiro. Mas você sabe o que quero dizer. - Dei. E ganhei o dinheiro suficiente pra pagar minha passagem de volta pra casa. Escrevi para os meus pais, dizendo que iria passar umas férias, sem o A., e que me preparassem meu quartinho. Ele já estava ocupado com as costuras da minha mãe, que costurava pra fora. - MEu pai me escreveu de volta, dizendo - que pena que o A. não venha com você. Gostaria de fazer um duo em flauta com ele! -

Imagine se o meu pai soubesse como o flautista me tratava... - Daí juntei o dinheiro, escondido na minha caixa de Modess, imagine - e quando tive o suficiente, paguei a passagem, marquei a data e vim pro Brasil. Deixei tudo em casa. Que ele se arrumasse. Escrevi um bilhete pra minha sogra, pessoa boa e sofrida também. Disse pra ela que me mudava para o Brasil, ponto. Nada mais. Ela iria entender. Faleceu logo depois, acho que uns meses depois. - O A. veio me procurar no Brasil, mas aí eu já estava no interior, onde trabalho pela internet com traduções. Meu pai morreu, me deixou um dinheirinho. Minha mãe mora sozinha, mas eu nunca me dei muito bem com ela, assim que é impossível a gente morar juntas.

Toda esta carta é pra te dizer que você teve sorte na vida. Não só porque fez sempre o que quis, fez carreira, decerto tem uma linda família, um homem de respeito e filhos com teu talento, mas se livrou de uma boa, minha querida! - O A., músico e cheio de romantismo, poderia ter te engabelado como me engabelou a mim - verbo engabelar, você que gosta de palavras. - Meus cabelos negros, longos, meus olhos de cigana, tanta coisa que ele me disse - e eu caí na história.

Agora, estou sozinha, feliz porque não tenho esta figura perto de mim - sei lá onde anda, mas soube que se juntou a alguém e já teve filha. Comprei uma motocicleta, me juntei a um clube de motoqueiros, gente boa, nos reunimos em várias cidades do interior mesmo. Outra vida. -

Querida Érica - espero que a gente se encontre um dia. Fiquei mesmo muito feliz em saber de você. Me manda uma foto sua. O B. me disse que você mudou muito pouco desde o tempo do nosso Clássico.
Você tem notícias de algum outro colega? Lembra daquele casal que tocava piano nas festas? Tiveram um filho que é pianista de renome. Só sei deles, do resto não sei de mais ninguém.

Te mando um beijo bem grande, um abraço bem carinhoso e muitos votos de muitas felicidades. Aguardo retorno. Felicidades e lembranças a seus entes queridos -
M."

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Érica Eye
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