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Contos-->MEMÓRIAS DE UM ROMÂNTICO QUASE REVOLUCIONÁRIO -- 12/06/2001 - 13:36 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Subo à tribuna do meu desespero para anunciar o fim de minhas esperanças em conquistar Valquíria, a mulher com quem sonhei ser feliz pelo resto de meus dias neste mundo.

Senhores e senhoras, vós que neste mundo alimentais o desejo comum a todos as criaturas: ser feliz ao lado de um ente amado, atentai para o que ocorreu comigo, a fim de que em vossas experiências não suceda que escolhais o caminho mais atraente, e sim aquele que, a despeito das dificuldades, no fim poderá ser o único pelo qual vossos corações chegarão à bem-aventurança.

Passo a vos contar desde o começo.

Valquíria sempre foi a mulher mais linda que meus olhos jamais contemplaram, e a mais orgulhosa, dessas que não admitem ser olhadas por homens cuja beleza não lhes seja equivalente, reservando a estes infelizes um desprezo digno daquele dispensado a um cachorro fétido pelos transeuntes que lhe vêem ao léu.

Crescemos juntos, lado a lado, em nossas casas vizinhas. Contudo, esse fato não propiciou que a mesma proximidade nos tornasse amigos. Eu já havia tomado consciência de minha feiúra. Infelizmente aquela consciência que chega a um homem acerca de seus dotes proeminentes, a mim chegou em relação à falta deles. Não era bonito, e pouco inteligente para lançar mãos de meios que compensassem a falta de beleza e me tornassem minimamente atraente a Valquíria.

E assim fomos crescendo, juntos e tão separados. Valquíria a cada dia mais linda, eu, mais apaixonado. Naqueles tempos quando as quadras juninas ainda mantinham uma natureza lúdica e pura, pelos meus doze anos, aproveitei uma das raras oportunidades em que ela permitiu minha presença e lhe dei um brinco. Não me lembro onde o consegui; se comprei ou peguei emprestado, o que importa é que naquela noite, sentados junto à fogueira, ao som de alegres músicas, percebi um certo brilho no olhar daquela jovem deusa. Hoje tenho certeza de que se tratava do reflexo do fogo em seu cristalino. Mas àquela altura da vida, quando as fantasias são mais importantes que a realidade, pareceu-me que Valquíria estava se deixando envolver por minha sincera amizade, admitindo mesmo que eu pudesse ser seu namorado dali a algum tempo.

Que nada! Foi mera ilusão. Depois daquele dia mágico nunca mais a vi com os brincos.

Crescemos mais um pouco, eu estudante e ela também. Com a diferença de que eu, por tímido em excesso, sequer olhava para as meninas da sala, enquanto ela, por sua extrema beleza, continuava a suscitar nos homens desejos inconfessáveis. Um desses conseguiu entrar em seu coração, e creio mesmo que ele foi o pioneiro, o primeiro a desvendar os segredos daquela divina mulher. Minhas suspeitas se confirmaram quando os vi juntos, dentro do carro daquele homem de sorte, aos beijos e abraços nada comportados para a época.

Como seus pais não se preocupassem, Valquíria continuava a sair com o namorado, até que, segundo soube, ele quis forçá-la, sendo repreendido com veemência pela moça, que assim queria ficar até que seu coração tivesse certeza de que havia encontrado o grande amor de sua vida. Tal fato me alentou, pois assim poderia continuar alimentando a ilusão de um dia vir a ser tal homem. O único fato que contrariava fatalmente essa expectativa foi a constatação posterior de que todos os outros namorados, dispensados sistematicamente antes que o namoro chegasse aos seis meses, eram rapazes bonitos e de boa condição financeira, exatamente os elementos que em mim eram ausentes.

Não é assim que caminha a humanidade? Movida pela aparência das coisas? Então, o que eu poderia aspirar se nada possuía que pudesse mover as rodas do destino a meu favor... Só me restava a opção de estudar, e estudar muito, para ser rico e conquistar aquela mulher. Se o dinheiro não pudesse me conferir beleza, ao menos poderia compensar a falta dela, mediante todos os prazeres materiais que eu lha proporcionaria. Assim pensei e alimentado por esse pensamento resolvi buscar a riqueza.

Foi então que cometi uma loucura. Alguns amigos resolveram assaltar um supermercado, bem ao lado de minha casa. Convidaram-me para ser o vigia; aceitei. Eles entraram, encheram uns sacos de mercadorias, pegaram máquinas de registrar e outras coisas. Algumas delas ficaram escondidas em casa naquela noite. Na manhã seguinte, estando em frente de casa, eis que surge na esquina um carro de polícia. Claro que fiquei nervoso, mas pensei se tratar de outra história. Que nada! O carro parou e um dos "homis" me perguntou se eu era eu. Não pude dizer que não, já que dentro do veículo tinha visto um dos meus colegas, com os olhos vermelhos de tanto chorar.

Naquela mesma hora fui preso. Ainda bem que a delegacia ficava a duzentos metros de casa, o que permitiu que meus familiares, à noite, levassem um colchão e um prato de comida, fato que motivou um agente prisional a perguntar, com ironia, se aquele lugar era uma prisão ou um hotel...

Aquela foi a pior noite de minha vida. Valquíria talvez ainda não soubesse de minha prisão, e seria bom se não tomasse conhecimento. Minha reputação iria por água abaixo, tudo o que viesse lhe falar acerca de bondade, justiça e outras coisas que fazem as mulheres pensar bem de um homem, perderia qualquer valor, e jamais ela iria me perdoar. Não se casaria com um ladrão. Mas eu não era um ladrão; no máximo fui vigia e acobertador. Esse foi todo o meu crime. E os bens que ficaram escondidos em casa, somado o valor de sua venda, não chegavam ao preço de um bom jantar!

Não me lembro se dormi ou não. E tudo voou rapidamente. Logo o dia veio, e com ele a incerteza do que sucederia. Era estudante e tinha más companhias, que perverteram meus costumes, e um futuro incerto. Ficaria preso ali por quantos anos? Continuaria a estudar? Seria “alguém” na vida? Esse foram os meus pensamentos naqueles terríveis momentos, frutos de toda a sabedoria que dezoito anos de existência me conferiram.

Outros amigos meus foram me visitar. Diante deles não pude me conter e chorei. Senti-me humilhado, feito um bicho, sem dignidade nem valor, que sequer pode andar e olhar nos olhos das pessoas. Não queria aquilo pra mim. Não era isso que meus pais esperavam de mim. Queriam que me formasse médico ou engenheiro. Naquele momento, contudo, era apenas um marginal, encarcerado por ter transgredido a lei, violado o patrimônio alheio, em conluio com outros seres inferiores deste mundo.

Graças a Deus minha irmã, Maria, entrou em contato com uma amiga sua, advogada, a qual conseguiu minha liberação sem que me houvessem fichado criminalmente. Esse foi um fato determinante para o resto de minha vida. Sei de pessoas que nunca mais tiveram outra chance, simplesmente porque um dia cometeram um crime, foram julgados e condenados; e mesmo depois de cumprirem a pena, pagando sua dívida junto à sociedade, ou não conseguiram emprego, por causa dos inclementes antecedentes criminais, ou tiveram que sobreviver em subempregos e outras ocupações indignas. Fosse esse o meu caso, não estaria hoje relembrando como consegui conquistar Valquíria, e, com tristeza, como a perdi.

A mesma pessoa que conseguiu me tirar da prisão, minha querida irmã, naquele ano me arranjou um emprego, no serviço público. A partir daí minhas esperanças de conquistar o coração de Valquíria aumentaram e se consolidaram em minha mente.

Eu soube que Valquíria andava tendo conversas com pessoas esquisitas. Eram novas em nossa rua. Vestiam-se como hippies, camisas surradas, bonés, etc. Não sou preconceituoso, mas eles pareciam querer chocar a vizinhança com aquele visual largado, próximo do indigente. Descobri que eram comunistas, membros de um partido, e queriam conquistar os jovens da área. Naquela época eu nada queria saber de política. Tinha apenas uma leve indignação contra tudo e todos. Era jovem, tinha amigos que “curtiam” a vida. Juntos íamos às festas. Sem que nossos pais soubessem tomávamos cerveja e xaropes em excesso, fumávamos cigarro da souza cruz e das bocas-de-fumo. Pra que saber de política?

Quando se é jovem, o mundo parece ficar restrito a algumas poucas realidades, que se transformam na essência de tudo o que nos importa ser e querer. As minhas realidades eram futebol, música e vadiagem. A escola vinha em segundo plano. Para Valquíria, era o inverso. Via todos os dias ela indo pra aula. As colegas iam em sua casa para estudar, fazer trabalhos. Ficava observando-as, sorrindo, cochichado. Às vezes passava junto à janela, e elas não me olhavam. Vai ver que era por causa de minha feiúra de sapo-boi.

Gostávamos, eu e meus amigos, de emoções fortes. Eles mais do que eu estavam dispostos a viver plenamente sua juventude. E para nós, viver plenamente era ficar o tempo inteiro à disposição dos impulsos juvenis, que nos empurravam para o vício, o furto e mulheres. Nossa linda juventude... Eu não nasci de óculos... Será só imaginação?!!! Não, nada vai acontecer comigo. Posso ver meus amigos saindo das festas, drogados, com más intenções e outras menos prejudiciais. As más intenções se materializavam nas inocentes vítimas dos assaltos que praticavam, adotando uma violência que eu não entendia. Não bastava roubar o tênis do sujeito, tinham que espancá-lo? E se esse homem fosse pai de família, voltando para casa depois de uma árdua noite de trabalho? Sua vida eqüivale a um par de tênis? É esse o preço da vida humana?

Uma coisa me intrigava. Era que eu sabia estar no local errado o tempo todo. Será que não deveria estar junto de Valquíria, estudando, lendo, enchendo a mente de coisas boas, de influências positivas e civilizatórias? Como depois eu iria conversar com ela? Ela me perguntando sobre Platão ou Marx, iria dizer o quê? Iria parecer a música da Legião, Eduardo e Mônica! Não, na música, Eduardo e Mônica casaram, tiveram filhos, etc. Apesar do abismo cultural que os separava, a ficção russoana os uniu, à moda shakespeariana, e foram felizes para sempre. Comigo e Val foi bem diferente, muito mais doloroso e infinitamente melhor do que qualquer ficção.

Um desses locais em que não deveria estar foi um marco na minha vida. Resolvemos, eu e meus amigos, ir à praia, no mês das férias. O principal objetivo, óbvio, era curtir. Quem não quer olhar mulheres bonitas, “viajar” e fugir da realidade? As mansões daquele balneário eram um convite irresistível para nós. Roubávamos redes de volley, toalhas, tênis, etc. Não contentes, resolvemos assaltar pessoas. Todos os meus amigos tinham experiência no assunto, menos eu. Achei que aquela noite era propícia para o meu primeiro assalto. Alta madruga, surge um casal na esquina. Pego uma faca de um dos companheiros, deixo-os chegar mais perto e, faca na mão, anuncio: “É um assalto!” O casal, paralisado, nada disse nem esboçou qualquer reação por alguns instantes. Todavia, num lance rápido, o homem deu um pulo para trás e puxou um revólver.
- “É um assalto?”
- “Não faz isso, é brincadeira. Não vai te sujar por isso!” Quis ajudar um amigo.

O rapaz não ligou, e apesar da mulher, desesperada, puxá-lo pelo braço, ele não recuou e puxou o gatilho. Ouviu-se apenas um estalo. Ou a pólvora estava fria, o que impediu que fosse detonada, ou não havia bala na agulha. Novamente o rapaz atirou e dessa vez se ouviu o estampido. Ainda bem que ele estava apontando o revólver para cima! Na primeira vez, a dois metros, o revólver estava na direção de minha cabeça... Corremos e corremos. Nunca mais quis saber de aventura como aquela.

Decidi que era hora de parar. Aos vinte e um anos não poderia continuar vivendo como um moleque, sem responsabilidade ou metas. Depois de quase perder a vida, resolvi fazer vestibular para Ciências Sociais. Valquíria tinha entrado para a universidade no curso de História. Fui aprovado. O grande problema era que tinha entrado numa faculdade particular. Meu salário no começo dava pra pagar, haja vista não ter despesas em casa. Fui estudando, e bem, sendo um dos melhores alunos da sala. Até quando o valor das mensalidades ultrapassou o meu salário, sendo obrigado a sair da universidade. Valquíria estava então no segundo ano.

No ano seguinte, prestei novo vestibular. Consegui aprovação. E quando pensei que iria finalmente conviver no mesmo espaço que Valquíria, para ter a tão desejada oportunidade de conquistar seu coração, eis que ela aparece de namorado novo. E mais, abandonou a universidade. Lá, eu fiquei desolado, quase um moribundo, sabendo que meus esforços aparentemente tinham sido em vão.

Valquíria largou o namorado e conseguiu um emprego em uma multinacional. Tinha que viajar constantemente. E o lugar mais visitado era São Luiz. Conheceu outro rapaz, a quem prometera amar, mesmo depois que saísse da cidade. Rapaz respeitador, disse-me ela. E continuou virgem.


Na minha luta pela civilização da alma, encontrei um inimigo fortíssimo: Augusto Comte. As teorias desse cara me causavam ojeriza. Não conseguia digeri-las, da mesma maneira que odeio espinafre! Esse foi um fator determinante pra também eu largar a universidade. Era incompatível com minhas convicções. Foi uma mudança radical. O adolescente que se dizia apolítico, queria agora ser um cientista político. Talvez uma onda de súbita indignação contra a miséria que assola o meu país tenha sido a causa que me levou a querer mudar o mundo pela política. Descobri que iria enfrentar muitos dilemas. Valquíria tinha entrado para o partidão, tinha adotado o vermelho como a cor de sua vida. E eu, o que faria? Transformaria o mundo pela política das armas (a revolução do proletariado será impossível por meios pacíficos?) ou pela principal arma da política na democracia, o voto?

A mulher de meus sonhos havia optado pela primeira tentativa. Não que ela própria pensasse em pegar armas para fuzilar os ricos egoístas desse país, mas toda a orientação de seu pensamento era no sentido de admitir que somente o comunismo poderia acabar com as gigantescas contradições existentes entre o modo de vida das elites brasileiras e aquele que caracteriza o resto do povo. E o advento do comunismo, se tiver que ocorrer segundo as premissas do stalinismo, obrigatoriamente dever ser pelo uso das armas, numa gloriosa revolução do proletariado brasileiro.

Creio mesmo que essa minha súbita empatia pelas lutas sociais tenha sido um subterfúgio de minha natureza fragilizada e carente para me aproximar de Valquíria. Ela sempre me desprezou porque me julgava um inepto em assuntos políticos, um tipo de pessoa a quem ela dedicava seu mais profundo desrespeito. Para entrar naquele mundo de debates teóricos e ações contundentes, só me restou assimilar alguns valores da ideologia que norteava aquelas ações, passando por um período de intenso conflito, durante o qual minhas próprias convicções se mostraram claudicantes. Deu certo. Valquíria passou a me respeitar, chegando mesmo a discutir comigo algumas questões relativas à luta dos comunistas, perguntando se eu não gostaria de me filiar ao partidão. Aceitei. E dois anos depois, quando lhe pedi em casamento, ela disse “sim”.

No dia do casamento, ela não foi. Fiquei sabendo que o antigo namorado, vindo de São Luiz, convenceu-a a desistir do casamento e fugir com ele. Não sei que truques usou, porém foram eficientes. E se um dia ela o amou, o que ocorreu naquele terrível dia foi a volta de seu coração a quem sempre pertencera. A mim restam as lembranças.

Faz dez anos que por causa de Valquíria meus pensamentos travam uma enorme batalha, uns em defesa da vida, outros em favor da morte. E assim por algum lugar neste mundo um desses pensamentos em dor vagueia. Mais que isso, propenso à própria anulação e um cheiro de morte lhe persegue. Ou ele à ela. Minha alma não quer ainda se revestir de eternidade, pois julga-se um tanto mesquinha, sem valor, sem metas nem gratidão. Assim pensava quando a conheci, ainda criança. Nutria a esperança com muitos sentimentos.

Pode uma vida apegar-se à outra como se não fosse exatamente uma outra, mas a sua própria? E quando se perde o contato, perde-se não apenas um afeto, senão a condição mesma de estar vivo. Não é um drama menor, sem o cuidado da razão. É essa a causa de tudo no mundo. Dois amores são a semente da qual brota tudo o que de mais significativo há, houve ou haverá no seio da humanidade.

Sigo gritando; vou discursando em tom solene. Quebro o silêncio desse céu cinzento, de onde me ridicularizam felizes casais de pássaros. Faço sair de mim essa tormenta insuportável; esperneio feito um menino mal-educado cujo desejo foi inapelavelmente negado, e não pôde ir brincar com os amigos na rua. Quem sabe de onde ela está me ouça, vindo me encontrar naquele banco da praça onde o primeiro beijo aconteceu.

Lembro-me que Valquíria estava radiante naquele dia, possuída pelo maior dos desejos, em cujo embalo me mantinha assistido, e iludido de que seríamos os mais felizes dos mortais. Alimentava a impressão de que o mundo girava em nosso redor, todos os seres e objetos existiam em nossa razão, e todos os moradores da terra formavam uma imensa nuvem de testemunhas, perplexas diante de nossa bem-aventurança. E ela não quebrou o encanto daquela hora. O alimentou sobremodo quando disse: "sim!"

Que prudência infantil aquela! Como pude me deixar levar por ilusões tão perceptíveis? Mais quê! Não tendo fantasia falta à vida o caráter lúdico que a torna tão excitante e compensatória. Não iria abrir mão do maior dos sonhos, da mais amorável expectativa pela covardia de sua não concretização. Jamais admiti sofrer as antecipações do fracasso, principalmente quando a deliciosa suposição da satisfação a cada dia mais se aproxima da realidade, afastando-se, por isso, da possibilidade do engano.

Hoje, desperta do sono, descobriu minha alma que tudo não passou de um sonho. Estou só nesse mundo, habitando numa casa onde se agridem objetos rotos, imagens decadentes, e os pensamentos a tocar paredes sujas. Não quero sair desta cama imunda. Sou um homem sem esperanças, que não sobreviveu a uma decepção. Estou escrevendo essas memórias tendo na mente a imagem de Valquíria. Se um dia ela vier conhecê-las que não as despreze, como a mim o fez. Sei que deve estar feliz ao lado de quem ama. Sei que não há motivos para a sua compaixão a um fajuto homem que um dia abriu sua alma, revelando dela seus mais sinceros e intensos motivos.

Ali, naquela humilde capela, ela não disse um "não" à minha felicidade, ou à dela, não pensou na possibilidade de naquela hora, estar sendo decretada a morte de um homem. Todos esses anos tenho sido atormentado por um fantasma. O brilho de seus olhos naquele primeiro beijo tornou-se em gélida aflição que me torna em trapos de imundícia. Hoje sou mendigo do corpo e da alma, e se meu corpo é objeto de galhofa aos que me vêem em cambaleios pelas ruas, minha alma, essa que não podem ver, está a cada dia mais próxima do fim. Juntaram-se a ela muito mais feiura, degradação e miséria do que esses farrapos que me cobrem o corpo deram a ele o juntar-se ao desprezo.
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